Javier Salvago – Um pouco mais sábios, um pouco mais cegos

Quando não somos mais jovens, nos convencemos
de que o diabo sabe mais por ser mais velho
e admitimos que os anos nos ensinam
a distinguir a realidade do sonho.
Talvez não. Talvez a vida só
se nos mostre uma vez – quando temos
olhos para aprecia-la – e depois vamos
esquecendo seu rosto e seu segredo.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO, com ligeiras alterações na tradução: poema publicado no blog originalmente em 30/05/2018

Un poco más sabios, un poco más ciegos

Cuando uno ya no es joven, se convence
de que el diablo sabe más por viejo,
y admite que los años nos enseñan
a distinguir la realidad del sueño.
Y, acaso, no. Quizá la vida sólo
se nos muestra una vez — cuando tenemos
ojos para apreciarla — y luego vamos
olvidando su rostro y su secreto.

Javier Salvago – Convém não esquecer

Por esta via
que chamam vida, vamos
com cautela devida,

tal qual um cego.
Mas em cinzas termina
todo e qualquer fogo.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 27/05/2018

Conviene no Olvidarlo

Por esta senda,
que llaman vida, todos
vamos a tientas,

igual que un ciego.
En ceniza terminan
todos los fuegos.

Javier Salvago – Fim de Festa

Enfim sós, vida. A festa acabou
e não resta ninguém para nos obrigar
a sorrir, ou a inventar desagradáveis
mentiras inofensivas. Todos se foram.

Despe-te sem medo. Conheço
as velhas rugas de tua triste carne.
Acariciei-as. Sei o que teu rosto
oculta por baixo da maquiagem.

Enfim sós, vida. A casa em silêncio
e tu e eu nus, calados e ausentes,
– juntos pela rotina, mais que pelo desejo –
como dois amantes cansados de se ver.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO (com alterações na tradução): poema publicado no blog originalmente em 09/03/2018

Javier Salvago – Fin de Fiesta

Al fin solos, vida. Terminó la fiesta
y no queda nadie que pueda obligarnos
a forzar sonrisas, ni a inventar molestas
mentiras piadosas. Todos se han marchado.

Vete desnudando sin miedo. Conozco
las viejas arrugas de tu triste carne.
Las he acariciado. Sé lo que tu rostro
oculta debajo de ese maquillaje.

Al fin solos, vida. La casa en silencio
y tú y yo desnudos, callados y ausentes
— juntos por rutina, más que por deseo —
como dos amantes cansados de verse.

Javier Salvago – Canção para esse dia

Agora sim
já se vê
o porvir.
Agora sim
é o fim
que está aqui.

Que esta é
– agora sim –
a vetustez:
a aridez,
não esperar
nenhum trem.

Agora sim
o navio
vai partir.
Sem saber
se é o fim
ou o além.

Acabou,
não há mais
show.
Cai a cortina,
Diz adeus
o ator.

Agora sim
é o fim
que está aqui.
Agora sim
já se vê
o porvir.

Trad.: Nelson Santander

Canción para ese día

Ahora sí
que se ve
ya venir.
Ahora sí
que el final
está aquí.

Que esto es
– ahora sí –
la vejez:
la aridez,
no esperar
ningún tren.

Ahora sí
que está el barco
al partir.
Sin saber
si es el fin
o hay después.

Se acabó,
no da más
la función.
Cae el telón,
se despide
el actor.

Ahora sí
que el final
está aquí.
Ahora sí
que se ve
ya venir.

Javier Salvago – Outra idade

Já passou a idade de ser poeta
porque tudo passa, é a lei da vida;
embora eu continue, por dependência ou vício,

falando a um pedaço de papel, a poesia
já não é mais minha pátria, nem meu território.
Só regresso às vezes, de visita,

como quem volta para onde foi feliz.

Trad.: Nelson Santander

Otra edad

Se me pasó la edad de ser poeta
porque todo se pasa, es ley de vida;
aunque siga, por vicio o por querencia,

hablándole a un papel, la poesía
ya no es mi patria, ni mi territorio.
Sólo regreso a veces, de visita,

como quien vuelve a donde fue dichoso.

Javier Salvago – Nada, nada importa

Se os anos ensinam alguma coisa
é a pouca importância
que tudo tem.
Tudo,
cedo ou tarde, passa.
O amor, que vai
como veio. A vaga
juventude, com seus sonhos,
suas grandes esperanças.
Dias de vinho e de rosas,
tempos de abundância
do coração. O brilho.
A beleza. A vontade
de levar a vida
adiante. As presunçosas
ilusões
— estrelas
que subitamente se apagam
e nos deixam em uma
noite escura da alma —.
A dor que julgavas
infinita. A ânsia
de obter aquilo
que, obtido, não é nada.
A vaidade, suas pompas:
glória, fortuna, fama,
ela mesma, suas obras,
sombras de um sonho, geada,
orvalho de uma noite
que o sol de outra manhã
derrete, vaidades,
miragens, fantasmas…

Se os anos ensinam alguma coisa
é que tudo acaba.
Que nada, neste jogo,
dura, nada importa.

Mayo, 1997

Trad.: Nelson Santander

 

Nada importa nada

Si algo enseñan los años
es la poca importancia
que tiene todo.
Todo,
tarde o temprano, pasa.
El amor, que se va
como viene. La vaga
juventud, con sus sueños,
sus grandes esperanzas.
Días de vino y rosas,
épocas de abundancia
del corazón. El brillo.
La belleza. Las ganas
de llevarse a la vida
por delante. Las fatuas
ilusiones
— estrellas
que de pronto se apagan
y nos dejan en una
noche oscura del alma—.
El dolor que creías
interminable. El ansia
por conseguir aquello
que, conseguido, es nada.
La vanidad, sus pompas:
gloria, fortuna, fama,
uno mismo, sus obras,
sombras de un sueño, escarcha,
rocío de una noche
que el sol de otra mañana
derrite, vanidades,
espejismos, fantasmas…

Si algo enseñan los años
es que todo se acaba.
Que nada, en este juego,
dura ni importa nada.

Mayo, 1997

Javier Salvago – Canção do Esquecimento

A cor dos olhos daquele paixão juvenil.
O calor do primeiro beijo, do qual não me
lembro, embora saiba que deva ter sido
inesquecível. Tantos colegas e amigos
da escola ou de farra, que um dia foram próximos.
O latim. Tantos nomes de montanhas e de rios.
Tantas duras lições. Tantos e tantos livros,
devorados com paixão, sempre abertos, lidos
e esquecidos, assim como esquecemos caminhos,
propósitos, feridas, afetos e afeições,
paisagens e rostos que o tempo diluiu.

Quando a vida passa, são muitas as deslembranças.

Trad.: Nelson Santander

Canción del olvido

El color de los ojos de aquel amor de niño.
El calor del primer beso, que no consigo
recordar, aunque sé que debió de haber sido
inolvidable. Tantos compañeros y amigos
de colegio o de farra, que un día fueron íntimos.
El latín. Tantos nombres de montañas y ríos.
Tantas duras lecciones. Tantos y tantos libros,
con pasión devorados, siempre abiertos, leídos
y olvidados, igual que olvidamos caminos,
propósitos, heridas, afectos y cariños,
paisajes y rostros que el tiempo ha diluido.

Cuando la vida pasa, son tantos los olvidos.

Javier Salvago – Variações sobre um velho tema

Os violinos de Verlaine.
Os sonhados caminhos da tarde, de don Antonio.*
Um velho cheiro de campo.
Um velho cheiro de lápis e cadernos.
O céu cinzento.
O vento entre as árvores.
A carícia das primeiras chuvas.
A tristeza sem causa.
A solidão sonora.
A noite, cada vez mais escura e prolongada.
Um cigarro que, subitamente, tem o sabor do primeiro cigarro.
Uma velha canção que te devolve os teus quinze anos.
Toda tua vida em imagens, que surgem atropeladamente como
em um filme mal editado…

É chegado o outono.

Trad.: Nelson Santander

*N. do T.: o poeta se refere ao famoso poema “Chanson D’Automne”, de Verlaine (https://singularidadepoetica.art/2019/04/02/paul-verlaine-chanson-dautomne-em-seis-traducoes/ ) e ao  poema “Yo voy soñando caminos”, do poeta espanhol Antonio Machado (Sevilla, 26/07/1875 – Colliure, 22/02/1939), que pode ser acessado nesse link: https://albalearning.com/audiolibros/machado/yovoysonando.html 

Variaciones sobre un viejo tópico

Los violines de Verlaine.
Los soñados caminos de la tarde, de don Antonio.
Un viejo olor a campo.
Un viejo olor a lápices y a cuadernos.
El cielo gris.
El viento entre los árboles.
La caricia de las primeras lluvias.
La tristeza sin causa.
La soledad sonora.
La noche, cada vez más oscura y más larga.
Un cigarrillo que de pronto te sabe al primer cigarrillo.
Una antigua canción que te devuelve tus quince años.
Toda tu vida en imágenes, que acuden atropelladamente como
en una película mal montada…

Ha llegado el otoño.

Javier Salvago – Tesouro divino

A juventude passou.
Tudo está bem quando acaba.
Não voltaria a ser jovem
nem que me pagassem.

Começar a andar de novo
pelo caminho trilhado
dos sonhos ilusórios
e das verdades vagas?

Começar de novo
com as velhas batalhas
e suas velhas feridas?
Voltar aos velhos hábitos,

à noite, ao inferno,
ao gosto pela vida
má? Fazer de tudo
o que é comédia um drama?

Voltar a alimentar-me
de mitos e falácias,
de modas e movimentos,
de palavras gastas?

Carregar sobre os ombros
a fastidiosa carga
de ser interessante,
original?… Que saco!

Fiar-se, como ontem,
na vã esperança
de que tudo será
melhor amanhã?

Ter a vida inteira
pela frente — tanto tempo —,
com o que se passou
para atravessa-la?

A juventude se foi.
Tudo está bem quando acaba.
Nunca voltarei a ser jovem,
graças a Deus.

Trad.: Nelson Santander

Divino tesoro

La juventud pasó.
Bien está lo que acaba.
No volvería a ser joven
ni aunque me lo pagaran.

¿Echar a andar de nuevo
por la senda trillada
de los sueños ilusos
y las verdades vagas?

¿Empezar otra vez
con las viejas batallas
y sus viejas heridas?
¿Volver a las andadas,

a la noche, al infierno,
al gusto por la mala
vida? ¿Hacer de todo,
lo que es comedia, un drama?

¿Volver a alimentarme
de mitos y falacias,
de modas y movidas,
de palabras gastadas?

¿Llevar sobre los hombros
la fastidiosa carga
de ser interesante,
original?… ¡Qué lata!

¿Confiar, como ayer,
en la vana esperanza
de que todo será
mejor en el mañana?

¿Tener toda la vida
por delante —tan larga—,
con lo que uno ha pasado
para ir medio pasándola?

La juventud se fue.
Bien está lo que acaba.
No volveré a ser joven,
a Dios gracias.

Javier Salvago – Quinta-feira Santa

A mesma lua, o mesmo
aroma de laranjeiras
perfumando as ruas,
onde a vida explode

em uma multidão de corpos
que se atraem e se procuram.
Calor de primavera
na pele e no ar.

Jovens incansáveis,
como nós naquele tempo,
percorrem a cidade
bêbados de desejo

— jovens com invernos
de abstinência que sentem,
como Ele, que seu reino
também não é deste mundo —.

Os tambores nos lembram
que estão indo para o patíbulo.
Perante chorosas virgens,
com despudor, os deuses

que vão morrer se beijam
— como os deuses que ontem fomos —,
sem remédio nem culpa,
na cruz dos anos.

Trad.: Nelson Santander

Jueves Santo

La misma luna, el mismo
perfume del naranjo
aromando las calles,
donde la vida estalla

en multitud de cuerpos
que se atraen y se buscan.
Calor de primavera
en la piel y en el aire.

Jóvenes incansables,
como entonces nosotros,
recorren la ciudad
borrachos de deseo

— jóvenes con inviernos
de abstinencia, que sienten,
como Aquél, que tampoco
su reino es de este mundo —.

Los tambores recuerdan
que se marcha al patíbulo.
Ante llorosas vírgenes,
con descaro, se besan

dioses que morirán
— como el dios que ayer fuimos —,
sin remedio ni culpa,
en la cruz de los años.