Sérgio Sant’Anna – Heavy Metal

Escombros. Um odor de carne chamuscada. Porém não se detecta a presença de cadáveres. Aqui e ali, como sombras, algumas paredes e edificações remanescentes. A torre caída de uma catedral gótica sobre fragmentos de vitrais estilhaçados. A reverberação de suas cores projetando castelos abstratos.

Um bando de delinquentes juvenis, com as mãos nos bolsos, atravessa agora esta profundidade cênica em direção à vitrine de um grande magazine no fundo do cenário. Arrebentam-na com chutes e se atiram sobre as poltronas e sofás do mostruário, enlameando tudo com suas botas.

Um dos rapazes que desaparece, no interior da loja, ressurge com iguarias enlatadas e garrafas. Dá-se início, então, a um festim silencioso, a não ser pela TV transistorizada que lembraram-se de ligar, agora. E que capta, não se sabe de onde ou quando, entre sinfonias tenuemente marciais, a cavalgada de Valquírias seminuas sobre motocicletas a perderem-se de vista numa avenida no meio do deserto. Às suas margens, imensos outdoors marcam os ícones de uma civilização recente.

Enquanto isso, no exterior da mansão improvisada e saqueada, entardece e esfria prematuramente, parecendo que ao calor artificial se sucederá uma noite gélida. Como se em algum ponto se houvesse trincado a crosta atmosférica e através desse vão começasse a soprar um vento cósmico.

Alguém que penetra lentamente nesta paisagem da tarde e é possuído pela alegria solene de achar-se o único no Crepúsculo. Pois se todos desapareceram, não pode haver tragédia para o sobrevivente, mas êxtase.

Usa ele uma capa, com a gola levantada, e assobia uma canção aprendida também não sabe onde ou quando: “Feuilles Mortes”. E galga, então, afundando seus sapatos, o declive de uma duna de cinzas.

E lá de cima, de repente, o panorama que se abre: um rio que passa, caudaloso e pardacento, borbulhante de vapores rumo às longínquas paragens do inabitado.

Estendida, à sua borda, uma adolescente nua, com seus óculos escuros, se oferece aos últimos raios de um sol pálido.

Apressa-se o personagem a ir ter com ela, porque ao último homem deve Deus ter destinado a última mulher e a ele cabe abrigá-la bem junto à costela.

Aproxima-se, porém, em redemoinhos, um vento ferruginoso. E escuta-se, alhures, uma gargalhada desdentada de alguém feliz por finalmente encontrar-se entre os seus pares.

Desfaz-se a menina em pó diante do homem e permanecem apenas os óculos escuros sobre a terra esturricada. Coloca-os o homem sobre os seus olhos, senta-se no chão e nada lhe resta a não ser transformar-se no espectador privilegiado de um clímax.

Anoitece e estampa-se uma lua partida na abóbada celeste.

E, no alto de um monte de entulho, surge o perfil de um violinista com seu instrumento. Sua casaca está rasgada em tiras, seu rosto enegrecido de cinza e pólvora e, no entanto, desde as primeiras notas da melodia ele a retesa em seu arco com toda a dignidade de um rito.