Durante anos, a roupa que vesti a herdei de meu irmão mais velho. Meu nome me deram por causa do meu avô. O primeiro carro que dirigi era de segunda mão. A primeira mulher que me beijou já havia beijado outros. A casa em que vivo é alugada. Tudo o que escrevo já foi escrito … Continue lendo José María Cumbreño – Identidade
Mês: janeiro 2019
Billy Collins – As cadeiras em que ninguém se senta
Vêem-se em varandas e em relvados mesmo à beira do lago, geralmente dispostas em pares indicando que um casal se poderá sentar ali e olhar para a água ou para as grandes árvores frondosas. O problema é que nunca se vê ninguém sentado nessas cadeiras abandonadas embora a dada altura deva ter parecido um bom … Continue lendo Billy Collins – As cadeiras em que ninguém se senta
José Luis García Martín – Em algum lugar
Logo, depois, mais tarde, quando nunca, meus passos se afastaram de meus passos e em algum lugar, não sei se dentro ou fora, ouviu-se uma voz que um nome repetia. Uma voz, só um eco, quase nada, talvez a voz do vento entre as árvores onde nem mesmo árvores havia. Tremiam os alicerces da terra … Continue lendo José Luis García Martín – Em algum lugar
Walter de la Mare – Os que ouviam
"Está aí alguém?", disse o Viajante Batendo à porta de luar; A relva, chão de fetos da floresta, Pôs-se o cavalo a devorar. Sobre a cabeça do Viajante, um pássaro Voou da torre para além. E ele feriu a porta uma outra vez, Dizendo: "Está aí alguém?" Do peitoril da janela, ninguém Desceu até o … Continue lendo Walter de la Mare – Os que ouviam
rocío – “não é que me sinta mais velha, mãe, é que todos esses meses…”
não é que me sinta mais velha, mãe, é que todos esses meses todos os dias tendo que ser forte, fico cansada pela manhã, acordo abraçada ao travesseiro e às vezes não sei o que dizer pra mim mesma para levantar de minha pequena e solitária cama em alguns meio-dias, se tomo cerveja, sinto-me um … Continue lendo rocío – “não é que me sinta mais velha, mãe, é que todos esses meses…”
Paulo Henriques Britto – À margem do Douro
Não espero nada, e já me satisfaço com a consciência de ainda estar em mim e não de volta ao nada de onde vim. Por ora, ao menos, ainda ocupo espaço, junto a uma mesa no Cais da Ribeira; permito-me, sem culpa, desfrutar de pão, e queijo, e vinho, e vista, e ar, todo o … Continue lendo Paulo Henriques Britto – À margem do Douro
Joan Margarit – Professor Bonaventura Bassegoda
Recordo-o alto e gordo, atrevido, sentimental. Você, então, era uma autoridade em Alicerces Profundos. Sempre iniciava suas aulas assim: "Senhores, bom dia. Hoje faz tantos anos, tantos meses e tantos dias que minha filha morreu". E costumava secar algumas lágrimas. Tínhamos vinte anos, mais ou menos, e o homem corpulento que você era, chorando no … Continue lendo Joan Margarit – Professor Bonaventura Bassegoda
Rui Knopfli – Fim de tarde no café
Na tarde cor de azebre falávamos de coisas amargas. Ali, na mesa triste do café com moscas adejando sobre restos de açúcar e um copo de água morna de esquecida, falávamos da amargura das coisas, entre rostos graníticos e enxovalhados, entre estranhos e estranhos de estranhos e os que, nada tendo de estranhos, cuidam de … Continue lendo Rui Knopfli – Fim de tarde no café
Juan Vicente Piqueras – Os deuses interiores
Os deuses sabem mais e melhor do que nós aquilo de que sentimos falta. Pedimos-lhes um filho, mandam-nos um lobo, e não os compreendemos. A vida todo dia os esquece. A morte à noite os inventa. E as doenças, como diz o sábio, são deuses que agonizam dentro de nosso corpo, seu último templo em … Continue lendo Juan Vicente Piqueras – Os deuses interiores
Vladimir Holan – A Neve
A neve começou a cair à meia-noite. E não há dúvida de que o melhor para o homem é estar sentado na cozinha, ainda que seja a da insônia. Ali faz calor, preparas-te algo, bebes vinho e contemplas pela vidraça a eternidade familiar. Por que te atormentarias querendo saber se nascimento e morte são apenas … Continue lendo Vladimir Holan – A Neve