Juan Vicente Piqueras – O pouco que sei

Sei que o penar não vale a pena.

Sei que a felicidade é indizível.

Sei que o amor, essa missão selvagem,
delicada, impossível, é a única forma
de estar neste mundo sem errar.

Sei que a morte resolve tudo.
Sei que a morte, não, quero dizer, a vida
é um pintassilgo em uma árvore seca
ou em uma amendoeira em flor,
cantando para a luz,
dando graças aos céus por tudo
sem o saber.

Trad.: Nelson Santander

Lo poco que sé

Sé que la pena no vale la pena.

Sé que la dicha no puede ser dicha.

Sé que el amor, esa misión salvaje,
delicada, imposible, es la única forma
de estar en este mundo sin errar.

Sé que la muerte lo resuelve todo.
Sé que la muerte, no, quiero decir la vida
es un jilguero en un árbol desnudo
o en un almendro en flor,
cantándole a la luz,
dando gracias al cielo por todo
sin saberlo.

Juan Vicente Piqueras – Véspera de Permanecer

Tudo está pronto: a mala,
as camisas, os mapas, as vãs esperanças.

Estou removendo o pó das minhas pálpebras.
Já pus na lapela
a rosa dos ventos.

Tudo está em ordem: o mar, o ar, o atlas.

Só me falta o quando,
o onde, um diário de bordo,
cartas de navegação, ventos propícios,
coragem e alguém que saiba
me amar como nem eu mesmo sei.

O navio inexistente, o olhar,
os perigos, as mãos do espanto,
o fio umbilical do horizonte
que sublinha esses versos suspensivos…

tudo está preparado: a sério, em vão.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO (com alterações na tradução): poema publicado no blog originalmente em 28/04/2018

Juan Vicente Piqueras – Víspera de Quedarse

Todo está preparado: la maleta,
las camisas, los mapas, la fatua esperanza.

Me estoy quitando el polvo de los párpados.
Me he puesto en la solapa
la rosa de los vientos.

Todo está a punto: el mar, el aire, el atlas.

Sólo me falta el cuándo,
el adónde, un cuaderno de bitácora,
cartas de marear, vientos propicios,
valor y alguien que sepa
quererme como no me quiero yo.

El barco que no existe, la mirada,
los peligros, las manos del asombro,
el hilo umbilical del horizonte
que subraya estos versos suspensivos…

Todo está preparado: en serio, en vano.

Juan Vicente Piqueras – Nomes Apagados

A mente não é um lápis para tomar notas,
É uma borracha.

Marko Vesovič

Meu pai foi pouco a pouco esquecendo a linguagem.
E começou pelos nomes. O que
seu cérebro primeiro esqueceu não foram os advérbios
e pronomes, nem os adjetivos,
como seria plausível acreditar,
nem os resíduos das preposições,
mas os substantivos.

A maçã deixou de ser uma maçã,
o copo passou a ser isso,
e aqueles que se aproximavam deixaram de ter nomes.

A morte começou seu trabalho minucioso
roubando-lhe os nomes,
apagando-os, colocando
em seu lugar um isto ou um aquilo,
um me dá, um balbucio, um aceno de mão.

O que se perde por último são os verbos,
os verbos que se movem como peixes
no sangue até que o mundo se acabe,
até que o corpo já não possa com sua alma.

Os adjetivos são afetuosos,
vestem de amor aquilo que avistam
e por isso sobrevivem.

Mas os nomes se esfumam.
E a substância dos substantivos
É nonada, névoa, colunas de fumaça.

A maçã deixa de ser maçã.
Eu deixo de ter um nome.
A palavra dor não significa nada.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 23/02/2018

Nombres Borrados

La mente no es un lápiz para tomar apuntes,
es una goma de borrar.

Marko Vesovič

Mi padre fue perdiendo poco a poco el lenguaje.
Y empezó por los nombres. Lo primero
que olvidó su cerebro no fueron los adverbios
ni los pronombres no los adjetivos,
como uno estaría tentado de creer,
ni las motas de polvo de las preposiciones,
sino los sustantivos.

La manzana dejó de ser manzana,
el vaso pasó a ser eso,
y quienes se acercaban dejaban de llamarse.

La muerte comenzó su labor minuciosa
robándole los nombres,
borrándolos, poniendo
en su lugar un esto o unaquello,
un dame, un balbuceo, un gesto de la mano.

Lo último que se pierde son los verbos,
los verbos que se mueven en la sangre
como peces hasta que acaba el mundo,
hasta que ya no puede el cuerpo con su alma.

Los adjetivos son afectuosos,
visten de amor lo que miran
y por eso perviven.

Pero los nombres se esfuman.
Y la sustancia de los sustantivos
es agua de borrajas, niebla, torres de humo.

La manzana deja de ser manzana.
Yo dejo de llamarme.
La palabra dolor no significa nada.

Juan Vicente Piqueras – Como estás

Morri na última terça-feira e ninguém notou.

O mundo permaneceu o mesmo, mudando e imutável.
Não houve furacão, anúncio, tempestade
ou nuvens por entre as quais surgisse
aquele raio de luz que aparecia
nas capas dos catecismos.

Minha filha continuou a servir-me o chá no mesmo horário
e eu continuo a sorve-lo em pequenos goles
com o canudinho que ela coloca entre os meus lábios.

Meu marido me disse não me deixes
e eu já havia partido.

As visitas seguram-me em uma das mãos.
A outra não está mais aqui.

Trazem-me presentes que já não me servem,
e perguntas que não sei responder.
Como estou, por exemplo,
ou como tenho dormido, como me sinto, essas coisas.

Vejo, sem abrir os olhos, como movem os lábios.
Dizem palavras que afugentam seus medos.

Palavras como estas. Como estás?
Como dormiste hoje?

Morri na última terça-feira.
Estou melhor.

Trad.: Nelson Santander

Cómo Estás

Morí el martes pasado y nadie se dio cuenta.

El mundo siguió igual, cambiando e inmutable.
No hubo huracán ni anuncio ni tormenta
ni nubes que dejaran que entre ellas
se colara ese rayo de luz que aparecía
en las portadas de los catecismos.

Mi hija siguió sirviéndome el té a la misma hora
y yo sigo tomándolo a sorbos menuditos
con la pajita que ella coloca entre mis labios.

Mi marido me dijo no te vayas
y yo ya me había ido.

Las visitas me cogen de una mano.
La otra ya no está aquí.

Me traen regalos que ya no me sirven,
y preguntas que no sé responder.
Cómo estoy, por ejemplo,
o qué tal he dormido, qué me apetece, cosas.

Veo, sin abrir los ojos, cómo mueven los labios.
Dicen palabras que ahuyenten su miedo.

Palabras como éstas. ¿Cómo estás?
¿Cómo has dormido hoy?

Morí el martes pasado.
Estoy mejor.

Juan Vicente Piqueras – O barbeiro

Nos últimos meses, olhava-se no espelho
e via um intruso. Irritava-se com ele.

Já estás aqui outra vez? Será possível?
Sai daqui agora mesmo.
Para a rua, vagabundo,
dizia-lhe.

Era-lhe doloroso, era-nos doloroso,
toda vez que ele tinha que ir ao banheiro.
Tínhamos que conduzi-lo pelo braço, convence-lo
do porquê.

Ele se tornou o dono desse lugar, dizia,
quem lhe deu as chaves?

Pouco a pouco o do espelho tornou-se mais um em casa.
Chamava-lhe o barbeiro.

Em vão, diziam-lhe que aquele homem era ele.
Eu nunca tentei porque sabia
que aquele homem era outra pessoa,
que em seu delírio ele tinha razão.

Pouco a pouco fomo-nos resignando
à invasão do barbeiro.

Uma noite, ao sair do banheiro, deixou a luz acesa.
Quando minha mãe lhe disse: Deixaste a luz acesa, ele respondeu:
Deixa-o, ele está lá dentro, o que podemos fazer?

Meu pai compreendeu que o barbeiro, o intruso,
tinha vindo busca-lo.

Agora o está barbeando naquela barbearia
que há sempre do outro lado do espelho.

E de lá me olham, sorriem para mim,
me esperam.

Trad.: Nelson Santander

N. do T.: este poema pode ser lido em conjunto com Nomes apagados, o primeiro de Juan Vicente Piqueras que traduzi para o blog.

El Barbero

En los últimos meses se miraba al espejo
y veía a un intruso. Se enfadaba con él.

¿Ya estás aquí otra vez? ¿Será posible?
Largo de aquí ahora mismo.
A la calle, granuja,
 le decía.

Le costaba un disgusto, nos costaba,
cada vez que tenía que entrar en el cuarto de aseo.
Había que sacarlo del brazo, convencerlo,
de qué.

Se ha hecho el amo, decía,
¿quíen le habrá dao las llaves?

Poco a poco el del espejo fue uno más en la casa.
Le llamava el barbero.

En vano le decían que ese hombre era él.
Yo nunca lo intenté porque sabía
que ese hombre era otro,
que en su delirio tenía razón.

Poco a poco nos fuimos resignando
a la invasión del barbero.

Una noche al salir del aseo dejó la luz encendida.
Cuando mi madre le dijo: Que te dejas la luz, él replicó:
Déjalo, está él ahí dentro, qué le vamos a hacer.

Mi padre comprendió que el barbero, el intruso,
había venido a llevárselo.

Ahora lo está afeitando en esa barbería
que hay siempre al otro lado del espejo.

Y desde alli me miran, me sonríen,
me esperam.

Juan Vicente Piqueras – Sai de ti

Sai de Ti
(ou coleção de imperativos primavera-verão para o outono de teu desconcerto)

Não fujas do que sentes. Não te escondas
no que dizes. Não digas mentiras.
Sê tua voz. Faz. Trabalha. Não te queixes.
Não sofras por medo de sofrer mais.
Não mendigues jamais o que mereces.
Por exemplo, o amor. Fá-lo e o terás.
Funda no fogo firme de sua fogueira
o teu lugar, teu ofício. E agradece o ar
que entra e sai de ti. Sê a janela
do que vive. Olha com cuidado.
Há olhares que podem envenenar o mundo.
Não deixes que apodreça o que sentes
dentro de ti. Faz um exame de consciência
de vez em quando mas nunca te esqueças
que é possível que sejas inocente.
Abre teu coração encouraçado
ao casamento do céu com o mar,
da luz com a sombra,
do canto dos grilos com o das cigarras.
Pinta de azul a alma. Permuta
o que foste pelo que não serás.
Limpa tua casa. Diz o teu precipício.
Cozinha. Convida. Canta. Dança. Abraça.
Tira o pó de tua voz. Rega as plantas.
As dos pés também, no mar, marchando.
Não te detenhas. Perante ti teus passos,
tuas pegadas de amanhã, esperam-te, convocam-te.
Não olhes para trás. Não sejas tua estátua
de sal. E sai de ti, do que pensas
de ti. Sai desse quarto
escuro onde escreves os poemas
que dizem o que tens que fazer em vez de faze-lo.
Põe-te a andar. Faz. Trabalha. Não te queixes.
Vira a página. Vai. Veja. Sê atento
e fica atento. Não esqueças o que vives.
Não esqueças o que acabas de viver.
Não esqueças o que acaba. Acaba. Vai
em busca de uma nova voz, distante.
Não fujas do que sentes. Não permitas
que a vida se vá em vão,
que a morte ao chegar encontre
seu trabalho já feito. Contempla o céu
como quem diz adeus,
como quem demonstra gratidão.

Trad.: Nelson Santander

Sal de Ti
(o colección de imperativos primavera-verano para el otoño de tu desconcierto)

No huyas de lo que sientes. No te escondas
en lo que dices. No digas mentiras.
Sé tu voz. Haz. Trabaja. No te quejes.
No sufras por temor a sufrir más.
No mendigues jamás lo que mereces.
Por ejemplo, el amor. Hazlo y tendrás.
Funda en el fuego firme de su hoguera
tu hogar, tu oficio. Y agradece al aire
que entre y salga de ti. Sé la ventana
de lo que vive. Mira con cuidado.
Hay miradas que pueden envenenar el mundo.
No dejes que se pudra lo que sientes
dentro de ti. Haz colada de conciencia
de vez en cuando pero nunca olvides
que es posible que seas inocente.
Abre tu corazón acorazado
a las bodas del cielo con el mar,
de la luz con la sombra,
del canto de los grillos con el de las cigarras.
Pinta de azul el alma. Haz la mudanza
de lo que fuiste a lo que no serás.
Limpia tu casa. Di tu precipicio.
Cocina. Invita. Canta. Baila. Abraza.
Quita el polvo a tu voz. Riega las plantas.
Las de los pies también, en mar, en marcha.
No te detengas. Ante ti tus pasos,
tus huellas de mañana, te esperan, te requieren.
No mires hacia atrás. No seas tu estatua
de sal. Y sal de ti, de lo que piensas
de ti. Sal de ese cuarto
oscuro donde escribes los poemas
que dicen lo que tienes que hacer en vez de hacerlo.
Echa a andar. Haz. Trabaja. No te quejes.
Pasa página. Ve. Mira. Sé atento
y está atento. No olvides lo que vives.
No olvides lo que acabas de vivir.
No olvides lo que acaba. Acaba. Vete
en busca de una voz nueva, lejana.
No huyas de lo que sientes. No permitas
que la vida se vaya de vacío,
que la muerte se encuentre cuando llegue
su trabajo ya hecho. Mira al cielo
como quien dice adiós,
como quien da las gracias.

Juan Vicente Piqueras – Palmeiras

Nascemos da sede. Somos palmeiras
que crescem à força de perder
seus ramos. Nossos troncos são feridas,
cicatrizes que o vento e a luz dissipam,
quando o tempo, o que faz e o que passa,
ocupa o coração e dele faz um ninho
de perdas, erige
nele seu templo, sua áspera coluna.

Por isso as palmeiras são alegres
como os que sabem sofrer em solidão
e balançam-se ao ar, varrem as nuvens
e entregam em suas copas
cânticos à luz, fontes de fogo,
leques a deus, adeus a tudo.
Estremecem como testemunhas de um milagre
que só elas conhecem.

Somos como a sede das palmeiras,
e cada ferida aberta contra a luz
nos torna mais altos, mais alegres.
Nossos troncos são perdas. Trono é a
nossa dor. É ruim
sofrer, mas é preciso ter sofrido
para sentir, como em um ninho de sangue,
o assombro dos sobreviventes
gratos ao ar e explodir
de regozijo no meio do deserto.

Trad.: Nelson Santander

Palmeras

Nacemos de la sed. Somos palmeras
que van creciendo a fuerza de perder
sus ramas. Nuestros troncos son heridas,
cicatrices que el viento y la luz cierran,
cuando el tiempo, el que hace y el que pasa,
ocupa el corazón y lo hace nido
de pérdidas, erige
en él su templo, su áspera columna.

Por eso las palmeras son alegres
como los que han sabido sufrir en soledad
y se mecen al aire, barren nubes
y entregan en sus copas
salomas a la luz, fuentes de fuego,
abanicos a dios, adiós a todo.
Tiemblan como testigos de un milagro
que sólo ellas conocen.

Somos como la sed de las palmeras,
y cada herida abierta hacia la luz
nos va haciendo más altos, más alegres.
Nuestros troncos son pérdidas. Es trono
nuestro dolor. Es malo
sufrir pero es preciso haber sufrido
para sentir, como un nido en la sangre,
el asombro de los supervivientes
al aire agradecidos y estallar
de alta alegría en medio del desierto.

Juan Vicente Piqueras – A praga de Tebas

A praga de Tebas

E o que quer que eu faça
se torna para sempre o que eu fiz.
Wisława Szymborska

Quando a tragédia começou
o crime já havia sido cometido.
A tragédia era, agora, descobrir o delito
e o culpado.

Eu teria preferido a ignorância.
Tu optaste por indagar contra ti.

O passado é mais forte
que Deus. Ninguém, nem Deus,
pode muda-lo. Somente a memória.

Vais envelhecendo e recordando
tudo aquilo que nunca aconteceu.

Pior que o medo do que vai acontecer
é o terror consciente
do que pode ter acontecido.

Bem-aventurados os que ignoram! Tudo o
que descobrires será um espinho a mais,
uma papoula a menos.
Espera-te o teu passado
como no fruto espera a semente
e na semente um sol que ninguém conhece.

Queres saber a causa da praga de Tebas?
Queres saber quem és? No dia em que souberes
cegar-te-á sabe-lo. Nada de novo.
Nada de novo acontece. Pouco a pouco
vais chegando ao final, vais descobrindo
o que aconteceu no início, ou talvez não.

Nada mais te separa de tua vida.
Nada mais te reserva
tantas surpresas como o teu passado.

Trad. Nelson Santander

La peste de Tebas

Y haga lo que haga
se convierte para siempre en lo que he hecho.
Wisława Szymborska

Cuando empezó la tragedia
el crimen ya había sido cometido.
La tragedia era, ahora, descubrir el delito
y el culpado.

Yo habría preferido la ignorancia.
Tú habías elegido indagar en tu contra.

El pasado es más fuerte
que Dios. Nadie, ni Dios,
puede cambiarlo. Sólo la memoria.

Vas haciéndote viejo y recordando
todo aquello que no ocurrió jamás.

Peor que el miedo a lo que va a ocurrir
é o terror atento
a lo que puede ser que haya ocurrido.

¡Dichosos los que ignoran! Cada cosa
que descubras será una espina más,
una amapola menos.
Te espera tu pasado
como en el fruto espera la semilla
y en la semilla un sol que nadie sabe.

¿Quieres saber la causa de la peste de Tebas?
¿Quieres saber quién eres? El día que lo sepas
te cegará saberlo. Nada nuevo.
Sem ocurre nada novo. Pouco a pouco
vas llegando al final, vas descubriendo
lo que ocurrió al principio, o tal vez no.

Ya nada te separa de tua vida.
Ya nada te depara
tantas sorpresas como tu pasado.

Juan Vicente Piqueras – O testemunho do gajeiro

Para falar a verdade, 
pareceu-me outro gesto de presunção,
muito dele,
aquela urgência com que nos pediu
que o amarrássemos ao mastro
para escapar do canto das sereias.

As sereias estavam cantando, isso é verdade,
mas não exatamente para seduzi-lo.

E por que não a qualquer um de nós?
Por que elas deveriam tentar seduzir alguém?
Quem pode garantir que não estavam simplesmente cantando?
Ou que guardavam silêncio e cada um ouvia
seu próprio canto de sereia interior?

Era ele quem lutava contra sua vocação de perdedor.
Era ele quem acreditava que as sereias o amavam.
Era ele quem, sob qualquer pretexto,
nos colocava sob suas ordens.
Era ele quem não sabia mais o que inventar
para atrasar nosso retorno a Ítaca.

Eu queria regressar à minha pátria, abraçar minha esposa,
cuidar dos meus pais, já idosos,
ver meus filhos crescerem.

Ele determinou e nós o amarramos.
Se dependesse de mim, o teríamos abandonado em alto mar,
seguido para Ítaca e ali ele teria ficado,
atado ao mastro, sozinho, novamente à deriva.

E teria morrido assim, atado à sua insensatez,
enquanto as sereias continuavam, continuarão,
cantando para ninguém, como sempre.

Trad.: Nelson Santander

Testimonio del gaviero

Si he de decir la verdad, 
me pareció otro gesto de presunción,
muy suyo,
aquella urgencia con que nos pidió
que lo atásemos al mástil
para escapar al canto de las sirenas.

Las sirenas cantaban, eso es cierto,
pero no precisamente para seducirlo a él.

¿Y por qué no a cualquiera de nosotros?
¿Por qué tendrían que pretender seducir a alguien?
¿Quién puede asegurar que no cantaban simplemente?
¿O que guardaban silencio y cada uno oía
su propio canto de sirenas dentro?

Era él quien luchaba contra su vocación de perdidizo.
Era él quien creía que las sirenas lo amaban.
Era él quien, con cualquier pretexto,
nos ponía a sus órdenes.
Era él quien no sabía qué inventarse
con tal de demorar nuestro regreso a Ítaca.

Yo quería volver a mi patria, abrazar a mi esposa,
cuidar de mis padres ya ancianos,
ver crecer a mis hijos.

Nos lo ordenó y lo atamos.
Si hubiera sido por mí lo habríamos dejado en alta mar,
hubiésemos puesto rumbo a Ítaca y allí se habría quedado,
atado al mástil, solo, de nuevo a la deriva.

Y habría muerto así, atado a su extravío,
mientras que las sirenas seguían, seguirán,
cantando para nadie, como siempre.

Juan Vicente Piqueras – Museu da Acrópole

Uma mão de mármore, mas apenas os dedos,
sobre um ombro de mármore sem cabeça.

Um braço erodido que ninguém estende a ninguém.

Um cavalo sem patas.
Um cavaleiro que é apenas suas coxas.

Dionísio aos pedaços, recomposto.

Um touro sem chifres que está sendo devorado
por um leão que lá não está,
apenas suas garras.

Admiramos o desaparecido.
Talvez nossa cultura nasça dessas ausências,
do vazio, do que não há.

Também nós somos o que resta
de nós,
o que nos falta,
BlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlanko vazio que vela por nós.

Trad.: Nelson Santander

Museo de la Acrópolis

Una mano de mármol, pero sólo los dedos,
sobre un hombro de mármol sin cabeza.

Un brazo erosionado que nadie tiende a nadie.

Un caballo sin patas.
Un jinete que es sólo sus muslos.

Dionisos a pedazos, recompuesto.

Un toro sin cuernos que está siendo devorado
por un león que no está,
sólo sus garras.

Admiramos lo desaparecido.
Tal vez nuestra cultura nace de estas ausencias,
de lo vacío, de lo que no hay.

También nosotros somos lo que queda
de nosotros,
lo que nos falta,
BlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankBlankel hueco que nos cuida.