Octavio Paz – Irmandade

          Homenagem a Claudio Ptolomeo

Sou homem: duro pouco
e enorme é a noite.
Mas olho para cima:
as estrelas escrevem.
Sem entender, compreendo:
também sou escrita
e neste exato instante
alguém me soletra.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: Poema publicado no blog originalmente em 07/10/2017 – agora traduzido por mim

Hermandad

Homenaje a Claudio Ptolomeo

Soy hombre: duro poco
y es enorme la noche.
Pero miro hacia arriba:
las estrellas escriben.
Sin entender comprendo:
también soy escritura
y en este mismo instante
alguien me deletrea.

Octavio Paz – Pedra de sol

Pedra de sol

La treizième revient… c’est encor la première;
et c’est toujours la seule – ou c’est le seul moment;
car es-tu reine, ô toi, la première ou dernière?
es-tu roi, toi le seul ou le dernier amant?

GÉRARD DE NERVAL, Arthémis.

Um salgueiro de cristal, um choupo de água,
um alto repuxo que o vento arqueja,
uma árvore bem plantada mas dançante,
um caminhar de rio que se curva,
avança, retrocede, dá um rodeio
e chega sempre:
um caminhar tranquilo
de estrela e primavera sem pressa,
água que com as pálpebras fechadas
brota profecias por toda a noite,
unânime presença em marejada,
onda após onda até cobrir tudo,
verde soberania sem ocaso
como o deslumbramento das asas
quando se abrem na metade do céu,

um caminhar por entre as espessuras
dos dias futuros e o aziago
fulgor da desventura como uma ave
petrificando o bosque com seu canto
e as felicidades iminentes
entre os ramos que se desvanecem,
horas de luz que bicam então os pássaros,
presságios que escapam da mão,

uma presença como um canto súbito,
como o vento cantando no incêndio,
um olhar que sustenta no ar
o mundo com seus mares e montanhas,
corpo de luz filtrada por uma ágata,
pernas de luz, ventre de luz, baías,
rocha solar, corpo da cor de nuvem,
da cor de dia rápido que salta,
a hora cintila e tem corpo,
o mundo já é visível por teu corpo,
é transparente por tua transparência,

vou por entre galerias de sons,
fluo por entre as presenças ressonantes,
vou pelas transparências como um cego,
um reflexo me apaga, nasço em outro,
oh bosque de pilares encantados,
sob os arcos da luz penetro
os corredores de um outono diáfano,

vou por teu corpo como pelo mundo,
teu ventre é uma praça ensolarada,
teus seios duas igrejas onde celebra
o sangue seus mistérios paralelos,
meus olhares te cobrem como hera,
és uma cidade que o mar assedia,
uma muralha que a luz divide
em duas metades da cor de pêssego,
uma paragem de sal, rochas e pássaros
sob a lei do absorto meio-dia,

vestida da cor de meus desejos
como meu pensamento vais desnuda,
vou por teus olhos como pela água,
os tigres bebem sonho nesses olhos,
o colibri se queima nessas chamas,
vou por tua fronte como pela lua,
como a nuvem por teu pensamento,
vou por teu ventre como por teus sonhos,

tua saia de milho ondula e canta,
tua saia de cristal, tua saia de água,
teus lábios, teus cabelos, teus olhares,
a noite toda choves, o dia todo
abres meu peito com teus dedos de água,
fechas meus olhos com tua boca de água,
sobre meus ossos choves, em meu peito
afunda raízes de água uma árvore líquida,

vou por teu talho como por um rio,
vou por teu corpo como por um bosque,
como por uma trilha na montanha
que termina em um brusco abismo,
vou por teus pensamentos afiados
e à saída de tua branca fronte
minha sombra despenhada se destroça,
recolho um a um meus fragmentos
e prossigo sem corpo, busco às tontas,

corredores sem fim da memória,
portas abertas a um salão vazio
onde apodrecem todos os verões,
as joias da sede ardem ao fundo,
rosto desvanecido ao recordá-lo,
mão que se desfaz se a toco,
cabeleiras de aranhas em tumulto
sobre sorrisos de há muitos anos,
à saída de minha fronte busco,
busco sem encontrar, busco um instante,
um rosto de relâmpago e tormenta
correndo por entre as árvores noturnas,
rosto de chuva em um jardim às escuras,
água tenaz que flui em meu dorso,

busco sem encontrar, escrevo a sós,
não há ninguém, cai o dia, cai o ano,
caio com o instante, caio a fundo,
invisível caminho sobre espelhos
que repetem minha imagem destroçada,
piso dias, instantes caminhados,
piso os pensamentos de minha sombra,
piso minha sombra em busca de um instante,

busco uma data viva como um pássaro,
busco o sol das cinco da tarde
amornado pelos muros de tezontle:
a hora madurava seus racimos
e ao abrir-se saíam as jovens
de sua entranha rosada e se espelhavam
pelos pátios de pedra do colégio,
alta como o outono caminhava
envolta pela luz sob a arcada
e o espaço ao cingi-la a vestia
de uma pele mais dourada e transparente,

tigre cor de luz, pardo veado
pelos arredores da noite,
entrevista jovem reclinada
nas sacadas verdes da chuva,
adolescente rosto inumerável,
esqueci teu nome, Melusina,
Laura, Isabel, Perséfone, Maria,
tens todos os rostos e nenhum,
és todas as horas e nenhuma,
te pareces com a árvore e com a nuvem,
és todos os pássaros e um astro,
te pareces com o fio da espada
e com a taça de sangue do verdugo,
hora que avança, envolve e desenraiza
a alma e a divide de si mesma,

escritura de fogo sobre o jade,
greta na rocha, rainha de serpentes,
coluna de vapor, fonte na fraga,
circo lunar, penhasco das águias,
grão de anis, espinho diminuto
e mortal que dá penas imortais,
pastora dos vales submarinos
e guardiã do vale dos mortos,
liana que pende do cantil da vertigem,
trepadeira, planta venenosa,
flor de ressurreição, uva de vida,
senhora da flauta e do relâmpago,
terraço do jasmim, sal na ferida,
ramo de rosas para o fuzilado,
neve em agosto, lua do patíbulo,
escritura do mar sobre o basalto,
escritura do vento no deserto,
testamento do sol, romã, espiga,

rosto de chamas, rosto devorado,
adolescente rosto perseguido
anos fantasmas, dias circulares
que dão no mesmo pátio, no mesmo muro,
arde o instante e são um só rosto
os sucessivos rostos da chama,
todos os nomes são um só nome,
todos os rostos são um só rosto,
todos os séculos são um só instante
e por todos os séculos dos séculos
fecha caminho ao futuro um par de olhos,

não há nada frente a mim, só um instante
resgatado esta noite, contra um sonho
de reunidas imagens sonhado,
duramente esculpido contra o sonho,
arrancado ao nada desta noite,
a pulso erguido letra a letra,
enquanto lá fora o tempo se desboca
e golpeia as portas de minha alma
o mundo com seu horário carniceiro,

só um instante enquanto as cidades,
os nomes, os sabores, o vivido,
se desmoronam em minha fronte cega,
enquanto o pesadelo da noite
humilha meu pensamento e meu esqueleto,
e meu sangue caminha mais lentamente
e meus dentes se afrouxam e meus olhos
se nublam e os dias e os anos
seus horrores vazios acumulam,

enquanto o tempo fecha seu leque
e não há nada detrás de suas imagens
o instante se abisma e sobrenada
rodeado de morte, ameaçado
pela noite e seu lúgubre bocejo,
ameaçado pela algaravia
da morte vivaz e encoberta
o instante se abisma e se penetra,
como um punho se fecha, como uma fruta
que madura para dentro de si mesma
e bebe a si própria e se derrama
o instante translúcido se fecha
e madura para dentro, deita raízes,
cresce dentro de mim, me ocupa todo,
me expulsa sua folhagem delirante,
meus pensamentos são só seus pássaros,
seu mercúrio circula por minhas veias,
árvore mental, frutos sabor de tempo,

oh vida por viver e já vivida,
tempo que retorna em uma marejada
e se retira sem virar o rosto,
o que passou não foi mais está sendo
e silenciosamente desemboca
em outro instante que se desvanece:

frente à tarde de salitre e pedra
armada de navalhas invisíveis
uma vermelha escritura indecifrável
escreves em minha pele e essas feridas
como um traje de chamas me recobrem,
ardo sem consumir-me, busco a água,
e em teus olhos não há água, são de pedra,
e teus seios, teu ventre, tuas ancas
são de pedra, tua boca tem sabor de pó,
tua boca tem sabor de tempo envenenado,
teu corpo tem sabor de poço sem saída,
passagem de espelhos que repetem
os olhos do sedento, passagem
que volta sempre ao ponto de partida,
e me levas cego pela mão
por essas galerias obstinadas
até o centro do círculo e te ergues
como um fulgor que se congela em tocha,
como luz que esfola, fascinante
como o cadafalso para o condenado,
flexível como o látego e esbelta
como uma arma gêmea da lua,
e tuas palavras afiadas cavam
meu peito e me despovoam e esvaziam,
as lembranças uma a uma me arrancas,
esqueci meu nome, meus amigos
grunhem entre os porcos e apodrecem
comidos pelo sol em um barranco,

não há nada em mim senão uma larga ferida,
um vazio que já ninguém percorre,
presente sem janelas, pensamento
que volta, se repete, se reflete
e se perde em sua própria transparência,
consciência transpassada por um olho
que se vê se vendo até inundar-se
de claridade:
eu vi tua atroz escama,
Melusina, brilhar esverdeada na alvorada,
dormias enroscada entre os lençóis
e ao despertar gritastes como um pássaro
e caíste sem fim, quebrada e branca,
nada ficou de ti senão teu grito,
e ao cabo dos séculos me descubro
com tosse e miopia, embaralhando
velhas fotos:
não há ninguém, não és ninguém,
um monte de cinzas e uma vassoura,
uma faca cega e um espanador,
um couro pendido de uns ossos,
um racimo já seco, uma negra cova
e no fundo da cova os dois olhos
de uma menina afogada há mil anos,

olhares enterrados em um poço,
olhares que nos veem desde o princípio,
olhar criança da velha mãe
que vê no filho grande um pai jovem,
olhar mãe da criança sozinha
que vê no pai grande um filho criança,
olhares que nos olhos do fundo
da vida e são ardis da morte
— ou é o contrário: cair nesses olhos
é retornar à verdadeira vida?,

cair, voltar, sonhar-me e que me sonhem
outros olhos futuros, outra vida,
outras nuvens, morrer de outra morte!
— esta noite me basta, e este instante
que não acaba de abrir-se e revelar-me
onde estive, quem fui, como te chamas,
como me chamo eu:
fazia planos
para o verão – e todos os verões –
em Christopher Street, há dez anos,
com Fílis que tinha duas covinhas
onde bebiam luz os pardais?,
pela Reforma Carmem me dizia
“não pesa o ar, aqui sempre é outubro”,
ou o disse para outro que perdi
ou eu o invento e ninguém me disse?,
caminhei pela noite de Oaxaca,
imensa e verdenegra como uma árvore,
falando sozinha como o vento louco
e ao chegar em meu quarto – sempre um quarto –
não me reconheceram os espelhos?,
do hotel Vernet vimos a alvorada
bailar com os castanheiros – “já é muito tarde”
dizias ao te pentear e eu via
manchas na parede, sem dizer nada?,
subimos juntos à torre, vimos
cair a tarde do recife?,
comemos uvas em Bidart?, compramos
gardênias em Perote?,
nomes, lugares,
ruas e ruas, rostos, praças, ruas,
estações, um parque, quartos solitários,
manchas na parede, alguém se penteia,
alguém canta ao meu lado, alguém se veste,
quartos, lugares, ruas, nomes, quartos,

Madrid, 1937,
na Plaza del Ángel as mulheres
costuravam e cantavam com seus filhos,
depois soou o alarme e houve gritos,
casas ajoelhadas no pó,
torres fendidas, fachadas esculpidas
e o furacão dos motores, fixo:
os dois se despiram e se amaram
por defender nossa porção eterna,
nossa ração de tempo e paraíso,
tocar nossa raiz e nos recobrar,
recobrar nossa herança arrebatada
por ladrões de vida há mil séculos,
os dois se despiram e se beijaram
porque as nudezes enlaçadas
saltam o tempo e não invulneráveis,
nada as toca, voltam ao princípio,
não há tu nem eu, amanhã, ontem nem nomes,
verdade de dois em um só corpo e alma,
oh ser total…
quartos à deriva
entre cidades que vão a pique,
quartos e ruas, nomes como feridas,
o quarto com janelas para outros quartos
com o mesmo papel descolorido
onde um homem em camisa lê um jornal
ou uma mulher engoma; o quarto claro
que visitam os ramos do pessegueiro;
o outro quarto: lá fora sempre chove
e há um pátio e três crianças oxidadas;
quartos que são navios que se movem
em um golfo de luz; ou submarinos:
o silêncio se espalha em ondas verdes,
tudo o que tocamos fosforesce;
mausoléus do luxo, já roídos
os retratos, raspados os tapetes;
armadilhas, celas, cavernas encantadas,
aviários e quartos numerados,
todos se transfiguram, todos voam,
cada moldura é nuvem, cada porta
dá no mar, no campo, no ar, cada mesa
é um festim; fechados como conchas
o tempo inutilmente os assedia,
já não há tempo, nem muro: espaço, espaço,
abre a mão, colhe esta riqueza,
corta os frutos, come da vida,
estende-te ao pé da árvore, bebe a água!,

tudo se transfigura e é sagrado,
cada quarto é o centro do mundo,
é a primeira noite, o primeiro dia,
o mundo nasce quando dois se beijam,
gota de luz de transparentes entranhas
como um fruto o quarto se entreabre
ou estala como um astro taciturno
e as leis comidas por ratazanas,
as grades dos bancos e os cárceres,
as grades de papel, os alambrados,
os timbres e as puas e os agulhões,
o sermão monocórdio das armas,
o escorpião meloso e com boné,
o tigre com cartola, presidente
do Clube Vegetariano e da Cruz Vermelha,
o burro pedagogo, o crocodilo
metido a redentor, padre de aldeias,
o Chefe, o tubarão, o arquiteto
do porvir, o porco uniformizado,
o filho predileto da Igreja
que lava a negra dentadura
com a água benta e toma aulas
de inglês e democracia, as paredes
invisíveis, as máscaras apodrecidas
que dividem o homem dos homens,
o homem de si mesmo,
caem
por um instante imenso e vislumbramos
nossa unidade perdida, o desamparo
que é ser homens, a glória que é ser homens
e compartilhar o pão, o sol, a morte,
o esquecido assombro de estarmos vivos;

amar é combater, se dois se beijam
o mundo se modifica, encarnam os desejos,
o pensamento encarna, brotam asas
nas costas do escravo, o mundo
é real e tangível, o vinho é vinho,
o pão torna a saber, a água é água,
amar é combater, é abrir portas,
deixar de ser fantasma com um número
condenado à prisão perpétua
por um amo sem rosto;
o mundo se modifica
se dois se olham e se reconhecem,
amar é desnudar-se dos nomes:
“deixa-me ser tua puta”, são palavras
de Eloísa, mas ele cedeu às leis,
tomou-a por esposa e como prêmio
castraram-no depois; melhor o crime,
os amantes suicidas, o incesto
dos irmãos como dois espelhos
enamorados de sua semelhança,
melhor comer o pão envenenado,
o adultério em leitos de cinzas,
os amores ferozes, o delírio,
sua hera peçonhenta, o sodomita
que leva por cravo na lapela
um gargalho, melhor ser lapidado
nas praças que arrodear o poço
que exprime a substância da vida,
muda a eternidade em horas ocas,
os minutos em cárceres, o tempo
em moedas de cobre e merda abstrata;

melhor a castidade, flor invisível
que se move nos talhos do silêncio,
o difícil diamante dos santos
que filtra os desejos, sacia o tempo,
núpcias da quietude e do movimento,
canta a solidão em sua corola,
pétala de cristal é cada hora,
o mundo se despoja de suas máscaras
e em seu centro, vibrante transparência,
o que chamamos Deus, o ser sem nome,
se contempla no nada, o ser sem rosto
emerge de si mesmo, sol de sóis,
plenitude de presenças e de nomes;

sigo meu desvario, quartos, ruas
caminho às tontas pelos corredores
do tempo e subo e desço seus degraus
e apalpo suas paredes e não me movo,
retorno aonde comecei, busco teu rosto,
caminho pelas ruas de mim mesmo
sob um sol sem idade, e ao meu lado
caminhas como uma árvore, como um rio
caminhas e me falas como um rio,
cresces como uma espiga entre minhas mãos,
palpitas como um esquilo entre minhas mãos,
voas como mil pássaros, teu riso
me cobriu de espumas, tua cabeça
é um astro pequeno entre minhas mãos,
o mundo reverdece se sorris
comendo uma laranja,
o mundo se modifica
se dois, vertiginosos e enlaçados,
caem sobre a relva: o céu desce,
as árvores ascendem, o espaço
é somente luz e silêncio, somente espaço
aberto para a águia do olho,
passa a branca tribo das nuvens,
rompe amarras o corpo, zarpa a alma,
perdemos nossos nomes e flutuamos
à deriva entre o azul e o verde,
tempo total onde não passa nada
senão seu próprio transcorrer venturoso,

não passa nada, calas, pestanejas
(silêncio: cruzou um anjo este instante
grande como a vida de cem sóis),
não passa nada, só um pestanejo?
– e o festim, o desterro, o primeiro crime,
a queijada do asno, o ruído opaco
e o olhar incrédulo do morto
ao cair na planície cinzenta,
Agamenon e seu mugido imenso
e o repetido grito de Cassandra
mais forte que os gritos das ondas,
Sócrates em cadeias (o sol nasce,
morrer é despertar: “Critón, um galo
para esculápio, já são da vida”),
o chacal que disserta entre as ruínas
de Nínive, a sombra que viu Bruto
antes da batalha, Montezuma
no leito de espinhos de sua insônia,
a viagem na carroça até a morte
— a viagem interminável mas contada
minuto após minuto por Robespierre,
a mandíbula rota entre as mãos –,
Churruca em sua barrica como um trono
escarlate, os passos já contados
de Lincoln ao sair para o teatro,
o estertor de Trotski e seus queixumes
de javali, Madero e seu olhar
que ninguém contestou: por que me matam?,
os caralhos, os ais, os silêncios
do criminoso, do santo, do pobre diabo,
cemitérios de frases de anedotas
que os cães retóricos escarvam,
o delírio, o relincho, o ruído obscuro
que fazemos ao morrer e esse arquejo
da vida que nasce e o som
de ossos esmagados na briga
e a boca de espuma do profeta
e seu grito e o grito do verdugo
e o grito da vítima…
são chamas
os olhos e são chamas o que veem,
chama a orelha e chama o som,
brasa os lábios e tição a língua,
o tato e o que toca, o pensamento
e o pensado, chama o que o pensa,
tudo se queima, o universo é chama,
arde o mesmo nada que não é nada
senão um pensar em chamas, fumaça ao final:
não há verdugo nem vítima…
e o grito
na tarde de sexta?, e o silêncio
que se cobre de signos, o silêncio
que diz sem dizer, não diz nada?,
não são nada os gritos dos homens?,
não passa nada quando passa o tempo?

— não passa nada, somente um pestanejo
do sol, um movimento apenas, nada,
não há redenção, o tempo não volta atrás,
os mortos estão fixos em sua morte
e não modem morrer de outra morte,
intocáveis, cravados em seu gesto,
desde sua solidão, desde sua morte
sem remédio nos olham sem nos mirar,
sua morte já é a estátua de sua vida,
um sempre já estar nada para sempre,
cada minuto é nada para sempre,
um rei fantasma rege tuas pulsações
e teu gesto final, tua dura máscara
lavra sobre teu rosto mutante:
somos o monumento de uma vida
alheia e não vivida, apenas nossa,

— a vida, quando foi deveras nossa?,
quando somos deveras o que somos?,
bem-visto não somos, nunca somos
a sós senão vertigem e vazio,
esgares no espelho, horror e vômito,
nunca a vida é nossa, é dos outros,
a vida não é de ninguém, todos somos
a vida – pão de sol para os outros,
os outros todos que nós somos –,
sou outro quando sou, os meus atos
são mais meus se são também de todos,
para que possa ser tenho de ser outro,
sair de mim, buscar-me entre os outros,
os outros que não são se não existo,
os outros que me dão plena existência,
não sou, não há eu, sempre somos nós,
a vida é outra, sempre além, mais longe,
fora de ti, de mim, sempre horizonte,
vida que nos desvive e aliena,
que nos inventa um rosto e o desgasta,
fome de ser, oh morte, pão de todos,

Eloísa, Perséfone, Maria,
mostra finalmente teu rosto para que veja
minha verdadeira cara, a do outro,
minha cara de nós sempre todos,
cara de árvore e de padeiro,
de motorista e de nuvem e de marinheiro,
cara de sol e arroio e Pedro e Paulo,
cara de solitário coletivo,
desperta-me, já nasço:
vida e morte
pactuam em ti, senhora da noite,
torre de claridade, rainha da alvorada,
virgem lunar, mãe da água mãe,
corpo do mundo, casa da morte,
caio sem fim desde meu nascimento,
caio em mim mesmo sem tocar meu fundo,
recolhe-me em teus olhos, junta o pó
disperso e reconcilia minhas cinzas,
ata meus ossos divididos, sopra
sobre meu ser, enterra-me em tua terra,
teu silêncio dê paz ao pensamento
contra si mesmo irado;
abre a mão,
senhora de sementes que são dias,
o dia é imortal, ascende, cresce,
acaba de nascer e nunca acaba,
cada dia é nascer, um nascimento
é cada amanhecer e eu amanheço,
amanhecemos todos, amanhece
o sol cara de sol, João amanhece
com sua cara de João cara de todos,

porta do ser, desperta-me, amanhece,
deixa-me ver o rosto deste dia,
deixa-me ver o rosto desta noite,
tudo se comunica e transfigura,
arco de sangue, ponte de latejos,
leva-me ao outro lado desta noite,
aonde eu sou tu somos nós,
ao reino de pronomes enlaçados,

porta do ser: abre teu ser, desperta,
aprende a ser também, lavra tua cara,
trabalha tuas facções, tem um rosto
para ver meu rosto e que te veja,
para ver a vida até a morte,
rosto de mar, de pão, de rocha e fonte,
manancial que dissolve nossos rostos
no rosto sem nome, o ser sem rosto,
indizível presença de presenças…

quero seguir, ir mais além, e não posso:
o instante se despenhou em outro e outro,
dormi sonhos de pedra que não sonha
e ao cabo dos anos ouvi cantar
como pedras meu sangue encarcerado,
com um rumor de luz cantava o mar,
uma a uma cediam as muralhas,
todas as portas desmoronavam
e o sol saqueava por minha frente,
despregava minhas pálpebras fechadas,
desprendia meu ser de sua envoltura,
me arrancava de mim, me separava
de meu bruto dormir séculos de pedra
e sua magia de espelhos revivia
um salgueiro de cristal, um choupo de água,
um alto repuxo que o vento arqueja,
uma árvore bem plantada mas dançante,
um caminhar de rio que se curva,
avança, retrocede, dá um rodeio
e chega sempre:

México, 1957

Trad.: Floriano Martins

Piedra de sol


La treizième revient...c’est encor la première;
et c’est toujours la seule-ou c’est le seul moment;
car es-tu reine, ô toi, la première ou dernière?
es-tu roi, toi le seul ou le dernier amant?

Gérard de Nerval, Arthèmis


Un sauce de cristal, un chopo de agua, 
un alto surtidor que el viento arquea, 
un árbol bien plantado mas danzante, 
un caminar de río que se curva, 
avanza, retrocede, da un rodeo 
y llega siempre: 
                      un caminar tranquilo 
de estrella o primavera sin premura, 
agua que con los párpados cerrados 
mana toda la noche profecías, 
unánime presencia en oleaje, 
ola tras ola hasta cubrirlo todo, 
verde soberanía sin ocaso 
como el deslumbramiento de las alas 
cuando se abren en mitad del cielo, 
un caminar entre las espesuras 
de los días futuros y el aciago 
fulgor de la desdicha como un ave 
petrificando el bosque con su canto 
y las felicidades inminentes 
entre las ramas que se desvanecen, 
horas de luz que pican ya los pájaros, 
presagios que se escapan de la mano, 

una presencia como un canto súbito, 
como el viento cantando en el incendio, 
una mirada que sostiene en vilo 
al mundo con sus mares y sus montes, 
cuerpo de luz filtrado por un ágata, 
piernas de luz, vientre de luz, bahías, 
roca solar, cuerpo color de nube, 
color de día rápido que salta, 
la hora centellea y tiene cuerpo, 
el mundo ya es visible por tu cuerpo, 
es transparente por tu transparencia, 

voy entre galerías de sonidos, 
fluyo entre las presencias resonantes, 
voy por las transparencias como un ciego, 
un reflejo me borra, nazco en otro, 
oh bosque de pilares encantados, 
bajo los arcos de la luz penetro 
los corredores de un otoño diáfano, 

voy por tu cuerpo como por el mundo, 
tu vientre es una plaza soleada, 
tus pechos dos iglesias donde oficia 
la sangre sus misterios paralelos, 
mis miradas te cubren como yedra, 
eres una ciudad que el mar asedia, 
una muralla que la luz divide 
en dos mitades de color durazno, 
un paraje de sal, rocas y pájaros 
bajo la ley del mediodía absorto, 

vestida del color de mis deseos 
como mi pensamiento vas desnuda, 
voy por tus ojos como por el agua, 
los tigres beben sueño de esos ojos, 
el colibrí se quema en esas llamas, 
voy por tu frente como por la luna, 
como la nube por tu pensamiento, 
voy por tu vientre como por tus sueños, 

tu falda de maíz ondula y canta, 
tu falda de cristal, tu falda de agua, 
tus labios, tus cabellos, tus miradas, 
toda la noche llueves, todo el día 
abres mi pecho con tus dedos de agua, 
cierras mis ojos con tu boca de agua, 
sobre mis huesos llueves, en mi pecho 
hunde raíces de agua un árbol líquido, 

voy por tu talle como por un río, 
voy por tu cuerpo como por un bosque, 
como por un sendero en la montaña 
que en un abismo brusco se termina 
voy por tus pensamientos afilados 
y a la salida de tu blanca frente 
mi sombra despeñada se destroza, 
recojo mis fragmentos uno a uno 
y prosigo sin cuerpo, busco a tientas, 

corredores sin fin de la memoria, 
puertas abiertas a un salón vacío 
donde se pudren todos lo veranos, 
las joyas de la sed arden al fondo, 
rostro desvanecido al recordarlo, 
mano que se deshace si la toco, 
cabelleras de arañas en tumulto 
sobre sonrisas de hace muchos años, 

a la salida de mi frente busco, 
busco sin encontrar, busco un instante, 
un rostro de relámpago y tormenta 
corriendo entre los árboles nocturnos, 
rostro de lluvia en un jardín a obscuras, 
agua tenaz que fluye a mi costado, 

busco sin encontrar, escribo a solas, 
no hay nadie, cae el día, cae el año, 
caigo en el instante, caigo al fondo, 
invisible camino sobre espejos 
que repiten mi imagen destrozada, 
piso días, instantes caminados, 
piso los pensamientos de mi sombra, 
piso mi sombra en busca de un instante, 

busco una fecha viva como un pájaro, 
busco el sol de las cinco de la tarde 
templado por los muros de tezontle: 
la hora maduraba sus racimos 
y al abrirse salían las muchachas 
de su entraña rosada y se esparcían 
por los patios de piedra del colegio, 
alta como el otoño caminaba 
envuelta por la luz bajo la arcada 
y el espacio al ceñirla la vestía 
de un piel más dorada y transparente, 

tigre color de luz, pardo venado 
por los alrededores de la noche, 
entrevista muchacha reclinada 
en los balcones verdes de la lluvia, 
adolescente rostro innumerable, 
he olvidado tu nombre, Melusina, 
Laura, Isabel, Perséfona, María, 
tienes todos los rostros y ninguno, 
eres todas las horas y ninguna, 
te pareces al árbol y a la nube, 
eres todos los pájaros y un astro, 
te pareces al filo de la espada 
y a la copa de sangre del verdugo, 
yedra ue avanza, envuelve y desarraiga 
al alma y la divide de sí misma, 
escritura de fuego sobre el jade, 
grieta en la roca, reina de serpientes, 
columna de vapor, fuente en la peña, 
circo lunar, peñasco de las águilas, 
grano de anís, espina diminuta 
y mortal que da penas inmortales, 
pastora de los valles submarinos 
y guardiana del valle de los muertos, 
liana que cuelga del cantil del vértigo, 
enredadera, planta venenosa, 
flor de resurrección, uva de vida, 
señora de la flauta y del relámpago, 
terraza del jazmín, sal en la herida, 
ramo de rosas para el fusilado, 
nieve en agosto, luna del patíbulo, 
escritura del mar sobre el basalto, 
escritura del viento en el desierto, 
testamento del sol, granada, espiga, 

rostro de llamas, rostro devorado, 
adolescente rostro perseguido 
años fantasmas, días circulares 
que dan al mismo patio, al mismo muro, 
arde el instante y son un solo rostro 
los sucesivos rostros de la llama, 
todos los nombres son un solo nombre 
todos los rostros son un solo rostro, 
todos los siglos son un solo instante 
y por todos los siglos de los siglos 
cierra el paso al futuro un par de ojos, 

no hay nada frente a mí, sólo un instante 
rescatado esta noche, contra un sueño 
de ayuntadas imágenes soñado, 
duramente esculpido contra el sueño, 
arrancado a la nada de esta noche, 
a pulso levantado letra a letra, 
mientras afuera el tiempo se desboca 
y golpea las puertas de mi alma 
el mundo con su horario carnicero, 

sólo un instante mientras las ciudades, 
los nombres, lo sabores, lo vivido, 
se desmoronan en mi frente ciega, 
mientras la pesadumbre de la noche 
mi pensamiento humilla y mi esqueleto, 
y mi sangre camina más despacio 
y mis dientes se aflojan y mis ojos 
se nublan y los días y los años 
sus horrores vacíos acumulan, 

mientras el tiempo cierra su abanico 
y no hay nada detrás de sus imágenes 
el instante se abisma y sobrenada 
rodeado de muerte, amenazado 
por la noche y su lúgubre bostezo, 
amenazado por la algarabía 
de la muerte vivaz y enmascarada 
el instante se abisma y se penetra, 
como un puño se cierra, como un fruto 
que madura hacia dentro de sí mismo 
y a sí mismo se bebe y se derrama 
el instante translúcido se cierra 
y madura hacia dentro, echa raíces, 
crece dentro de mí, me ocupa todo, 
me expulsa su follaje delirante, 
mis pensamientos sólo son su pájaros, 
su mercurio circula por mis venas, 
árbol mental, frutos sabor de tiempo, 

oh vida por vivir y ya vivida, 
tiempo que vuelve en una marejada 
y se retira sin volver el rostro, 
lo que pasó no fue pero está siendo 
y silenciosamente desemboca 
en otro instante que se desvanece: 

frente a la tarde de salitre y piedra 
armada de navajas invisibles 
una roja escritura indescifrable 
escribes en mi piel y esas heridas 
como un traje de llamas me recubren, 
ardo sin consumirme, busco el agua 
y en tus ojos no hay agua, son de piedra, 
y tus pechos, tu vientre, tus caderas 
son de piedra, tu boca sabe a polvo, 
tu boca sabe a tiempo emponzoñado, 
tu cuerpo sabe a pozo sin salida, 
pasadizo de espejos que repiten 
los ojos del sediento, pasadizo 
que vuelve siempre al punto de partida, 
y tú me llevas ciego de la mano 
por esas galerías obstinadas 
hacia el centro del círculo y te yergues 
como un fulgor que se congela en hacha, 
como luz que desuella, fascinante 
como el cadalso para el condenado, 
flexible como el látigo y esbelta 
como un arma gemela de la luna, 
y tus palabras afiladas cavan 
mi pecho y me despueblan y vacían, 
uno a uno me arrancas los recuerdos, 
he olvidado mi nombre, mis amigos 
gruñen entre los cerdos o se pudren 
comidos por el sol en un barranco, 

no hay nada en mí sino una larga herida, 
una oquedad que ya nadie recorre, 
presente sin ventanas, pensamiento 
que vuelve, se repite, se refleja 
y se pierde en su misma transparencia, 
conciencia traspasada por un ojo 
que se mira mirarse hasta anegarse 
de claridad: 
                yo vi tu atroz escama, 
Melusina, brillar verdosa al alba, 
dormías enroscada entre las sábanas 
y al despertar gritaste como un pájaro 
y caíste sin fin, quebrada y blanca, 
nada quedó de ti sino tu grito, 
y al cabo de los siglos me descubro 
con tos y mala vista, barajando 
viejas fotos: 
                no hay nadie, no eres nadie, 
un montón de ceniza y una escoba, 
un cuchillo mellado y un plumero, 
un pellejo colgado de unos huesos, 
un racimo ya seco, un hoyo negro 
y en el fondo del hoyo los dos ojos 
de una niña ahogada hace mil años, 

miradas enterradas en un pozo, 
miradas que nos ven desde el principio, 
mirada niña de la madre vieja 
que ve en el hijo grande un padre joven, 
mirada madre de la niña sola 
que ve en el padre grande un hijo niño, 
miradas que nos miran desde el fondo 
de la vida y son trampas de la muerte 
—¿o es al revés: caer en esos ojos 
es volver a la vida verdadera?, 

¡caer, volver, soñarme y que me sueñen 
otros ojos futuros, otra vida, 
otras nubes, morirme de otra muerte! 
—esta noche me basta, y este instante 
que no acaba de abrirse y revelarme 
dónde estuve, quién fui, cómo te llamas, 
cómo me llamo yo: 
                            ¿hacía planes 
para el verano —y todos los veranos— 
en Christopher Street, hace diez años, 
con Filis que tenía dos hoyuelos 
donde bebían luz los gorriones?, 
¿por la Reforma Carmen me decía 
"no pesa el aire, aquí siempre es octubre", 
o se lo dijo a otro que he perdido 
o yo lo invento y nadie me lo ha dicho?, 
¿caminé por la noche de Oaxaca, 
inmensa y verdinegra como un árbol, 
hablando solo como el viento loco 
y al llegar a mi cuarto —siempre un cuarto— 
no me reconocieron los espejos?, 
¿desde el hotel Vernet vimos al alba 
bailar con los castaños — "ya es muy tarde" 
decías al peinarte y yo veía 
manchas en la pared, sin decir nada?, 
¿subimos juntos a la torre, vimos 
caer la tarde desde el arrecife? 
¿comimos uvas en Bidart?, ¿compramos 
gardenias en Perote?, 
                                nombres, sitios, 
calles y calles, rostros, plazas, calles, 
estaciones, un parque, cuartos solos, 
manchas en la pared, alguien se peina, 
alguien canta a mi lado, alguien se viste, 
cuartos, lugares, calles, nombres, cuartos, 

Madrid, 1937, 
en la Plaza del Ángel las mujeres 
cosían y cantaban con sus hijos, 
después sonó la alarma y hubo gritos, 
casas arrodilladas en el polvo, 
torres hendidas, frentes esculpidas 
y el huracán de los motores, fijo: 
los dos se desnudaron y se amaron 
por defender nuestra porción eterna, 
nuestra ración de tiempo y paraíso, 
tocar nuestra raíz y recobrarnos, 
recobrar nuestra herencia arrebatada 
por ladrones de vida hace mil siglos, 
los dos se desnudaron y besaron 
porque las desnudeces enlazadas 
saltan el tiempo y son invulnerables, 
nada las toca, vuelven al principio, 
no hay tú ni yo, mañana, ayer ni nombres, 
verdad de dos en sólo un cuerpo y alma, 
oh ser total... 
                    cuartos a la deriva 
entre ciudades que se van a pique, 
cuartos y calles, nombres como heridas, 
el cuarto con ventanas a otros cuartos 
con el mismo papel descolorido 
donde un hombre en camisa lee el periódico 
o plancha una mujer; el cuarto claro 
que visitan las ramas de un durazno; 
el otro cuarto: afuera siempre llueve 
y hay un patio y tres niños oxidados; 
cuartos que son navíos que se mecen 
en un golfo de luz; o submarinos: 
el silencio se esparce en olas verdes, 
todo lo que tocamos fosforece; 
mausoleos de lujo, ya roídos 
los retratos, raídos los tapetes; 
trampas, celdas, cavernas encantadas, 
pajareras y cuartos numerados, 
todos se transfiguran, todos vuelan, 
cada moldura es nube, cada puerta 
da al mar, al campo, al aire, cada mesa 
es un festín; cerrados como conchas 
el tiempo inútilmente los asedia, 
no hay tiempo ya, ni muro: ¡espacio, espacio, 
abre la mano, coge esta riqueza, 
corta los frutos, come de la vida,
tiéndete al pie del árbol, bebe el agua!, 

todo se transfigura y es sagrado, 
es el centro del mundo cada cuarto, 
es la primera noche, el primer día, 
el mundo nace cuando dos se besan, 
gota de luz de entrañas transparentes 
el cuarto como un fruto se entreabre 
o estalla como un astro taciturno 
y las leyes comidas de ratones, 
las rejas de los bancos y las cárceles, 
las rejas de papel, las alambradas, 
los timbres y las púas y los pinchos, 
el sermón monocorde ede las armas, 
el escorpión meloso y con bonete, 
el tigre con chistera, presidente 
del Club Vegetariano y la Cruz Roja, 
el burro pedagogo, el cocodrilo 
metido a redentor, padre de pueblos, 
el Jefe, el tiburón, el arquitecto 
del porvenir, el cerdo uniformado, 
el hijo pedilecto de la Iglesia 
que se lava la negra dentadura 
con el agua bendita y toma clases 
de inglés y democracia, las paredes 
invisibles, las máscaras podridas 
que dividen al hombe de los hombres, 
al hombre de sí mismo, 
                                se derrumban 
por un instante inmenso y vislumbramos 
nuestra unidad perdida, el desamparo 
que es ser hombres, la gloria que es ser hombres 
y compartir el pan, el sol, la muerte, 
el olvidado asombro de estar vivos; 

amar es combatir, si dos se besan 
el mundo cambia, encarnan los deseos, 
el pensamiento encarna, brotan las alas 
en las espaldas del esclavo, el mundo 
es real y tangible, el vino es vino, 
el pan vuelve a saber, el agua es agua, 
amar es combatir, es abrir puertas, 
dejar de ser fantasma con un número 
a perpetua cadena condenado 
por un amo sin rostro; 
                                el mundo cambia 
si dos se miran y se reconocen, 
amar es desnudarse de los nombres: 
"déjame ser tu puta", son palabras 
de Eloísa, mas él cedió a las leyes, 
la tomó por esposa y como premio 
lo castraron después; 
                                mejor el crimen, 
los amantes suicidas, el incesto 
de los hermanos como dos espejos 
enamorados de su semejanza, 
mejor comer el pan envenenado, 
el adulterio en lechos de ceniza, 
los amores feroces, el delirio, 
su yedra ponzoñosa, el sodomita 
que lleva por clavel en la solapa 
un gargajo, mejor ser lapidado 
en las plazas que dar vuelta a la noria 
que exprime la substancia de la vida, 
cambia la eternidad en horas huecas, 
los minutos en cárceles, el tiempo 
en monedas de cobre y mierda abstracta; 

mejor la castidad, flor invisible 
que se mece en los tallos del silencio, 
el difícil diamante de los santos 
que filtra los deseos, sacia al tiempo, 
nupcias de la quietud y el movimiento, 
canta la soledad en su corola, 
pétalo de cristal en cada hora, 
el mundo se despoja de sus máscaras 
y en su centro, vibrante transparencia, 
lo que llamamos Dios, el ser sin nombre, 
se contempla en la nada, el ser sin rostro 
emerge de sí mismo, sol de soles, 
plenitud de presencias y de nombres; 

sigo mi desvarío, cuartos, calles, 
camino a tientas por los corredores 
del tiempo y subo y bajo sus peldaños 
y sus paredes palpo y no me muevo, 
vuelvo donde empecé, busco tu rostro, 
camino por las calles de mí mismo 
bajo un sol sin edad, y tú a mi lado 
caminas como un árbol, como un río 
caminas y me hablas como un río, 
creces como una espiga entre mis manos, 
lates como una ardilla entre mis manos, 
vuelas como mil pájaros, tu risa 
me ha cubierto de espumas, tu cabeza 
es un astro pequeño entre mis manos, 
el mundo reverdece si sonríes 
comiendo una naranja, 
                                el mundo cambia 
si dos, vertiginosos y enlazados, 
caen sobre las yerba: el cielo baja, 
los árboles ascienden, el espacio 
sólo es luz y silencio, sólo espacio 
abierto para el águila del ojo, 
pasa la blanca tribu de las nubes, 
rompe amarras el cuerpo, zarpa el alma, 
perdemos nuestros nombres y flotamos 
a la deriva entre el azul y el verde, 
tiempo total donde no pasa nada 
sino su propio transcurrir dichoso, 

no pasa nada, callas, parpadeas 
(silencio: cruzó un ángel este instante 
grande como la vida de cien soles), 
¿no pasa nada, sólo un parpadeo? 
—y el festín, el destierro, el primer crimen, 
la quijada del asno, el ruido opaco 
y la mirada incrédula del muerto 
al caer en el llano ceniciento, 
Agamenón y su mugido inmenso 
y el repetido grito de Casandra 
más fuerte que los gritos de las olas, 
Sócrates en cadenas" (el sol nace, 
morir es despertar: "Critón, un gallo 
a Esculapio, ya sano de la vida"), 
el chacal que diserta entre las ruinas 
de Nínive, la sombra que vio Bruto 
antes de la batalla, Moctezuma 
en el lecho de espinas de su insomnio, 
el viaje en la carretera hacia la muerte 
—el viaje interminable mas contado 
por Robespierre minuto tras minuto, 
la mandíbula rota entre las manos—, 
Churruca en su barrica como un trono 
escarlata, los pasos ya contados 
de Lincoln al salir hacia el teatro, 
el estertor de Trotsky y sus quejidos 
de jabalí, Madero y su mirada 
que nadie contestó: ¿por qué me matan?, 
los carajos, los ayes, los silencios 
del criminal, el santo, el pobre diablo, 
cementerio de frases y de anécdotas 
que los perros retóricos escarban, 
el delirio, el relincho, el ruido obscuro 
que hacemos al morir y ese jadeo 
que la vida que nace y el sonido 
de huesos machacadosen la riña 
y la boca de espuma del profeta 
y su grito y el grito del verdugo 
y el grito de la víctima... 
                                    son llamas 
los ojos y son llamas lo que miran, 
llama la oreja y el sonido llama, 
brasa los labios y tizón la lengua, 
el tacto y lo que toca, el pensamiento 
y lo pensado, llama el que lo piensa, 
todo se quema, el universo es llama, 
arde la misma nada que no es nada 
sino un pensar en llamas, al fin humo: 
no hay verdugo ni víctima... 
                                        ¿y el grito 
en la tarde del viernes?, y el silencio 
que se cubre de signos, el silencio 
que dice sin decir, ¿no dice nada?, 
¿no son nada los gritos de los hombres?, 
¿no pasa nada cuando pasa el tiempo? 

—no pasa nada, sólo un parpadeo 
del sol, un movimiento apenas, nada, 
no hay redención, no vuelve atrás el tiempo, 
los muerto están fijos en su muerte 
y no pueden morirse de otra muerte, 
intocables, clavados en su gesto, 
desde su soledad, desde su muerte 
sin remedio nos miran sin mirarnos, 
su muerte ya es la estatua de su vida, 
un siempre estar ya nada para siempre, 
cada minuto es nada para simepre, 
un rey fantasma rige sus latidos 
y tu gesto final, tu dura máscara 
labra sobre tu rostro cambiante: 
el monumento somos de una vida 
ajena y no vivida, apenas nuestra, 

—¿la vida, cuándo fue de veras nuestra?, 
¿cuando somos de veras lo que somos?, 
bien mirado no somos, nunca somos 
a solas sino vértigo y vacío, 
muecas en el espejo, horror y vómito, 
nunca la vida es nuestra, es de los otros, 
la vida no es de nadie, todos somos 
la vida —pan de sol para los otros, 
los otros todos que nosotros somos—, 
soy otro cuando soy, los actos míos 
son más míos si son también de todos, 
para que pueda ser he de ser otro, 
salir de mí, buscarme entre los otros, 
los otros que no son si yo no existo, 
los otros que me dan plena existencia, 
no soy, no hay yo, siempre somos nosotros, 
la vida es otra, siempre allá, más lejos, 
fuera de ti, de mí, siempre horizonte, 
vida que nos desvive y enajena, 
que nos inventa un rostro y lo desgasta, 
hambre de ser, oh muerte, pan de todos, 

Eloísa, Perséfona, María, 
muestra tu rostro al fin para que vea 
mi cara verdadera, la del otro, 
mi cara de nosotros siempre todos, 
cara de árbol y de panadero, 
de chófer y de nube y de marino, 
cara de sol y arroyo y Pedro y Pablo, 
cara de solitario colectivo, 
despiértame, ya nazco: 
                                vida y muerte 
pactan en ti, señora de la noche, 
torre de claridad, reina del alba, 
virgen lunar, madre del agua madre, 
cuerpo del mundo, casa de la muerte, 
caigo sin fin desde mi nacimiento, 
caigo en mí mismo sin tocar mi fondo, 
recógeme en tus ojos, junta el polvo 
disperso y reconcilia mis cenizas, 
ata mis huesos divididos, sopla 
sobre mi ser, entiérrame en tu tierra, 
tu silencio dé paz al pensamiento 
contra sí mismo airado; 
                                abre la mano, 
señora de semillas que son días, 
el día es inmortal, asciende, crece, 
acaba de nacer y nunca acaba, 
cada día es nacer, un nacimiento 
es cada amanecer y yo amanezco, 
amanecemos todos, amanece 
el sol cara de sol, Juan amanece 
con su cara de Juan cara de todos, 

puerta del ser, despiértame, amanece, 
déjame ver el rostro de este día, 
déjame ver el rostro de esta noche, 
todo se comunica y transfigura, 
arco de sangre, puente de latidos, 
llévame al otro lado de esta noche, 
adonde yo soy tú somos nosotros, 
al reino de pronombres enlazados, 

puerta del ser: abre tu ser, despierta, 
aprende a ser también, labra tu cara, 
trabaja tus facciones, ten un rostro 
para mirar mi rostro y que te mire, 
para mirar la vida hasta la muerte, 
rostro de mar, de pan, de roca y fuente, 
manantial que disuelve nuestros rostros 
en el rostro sin nombre, el ser sin rostro, 
indecible presencia de presencias... 

quiero seguir, ir más allá, y no puedo: 
se despeñó el instante en otro y otro, 
dormí sueños de piedra que no sueña 
y al cabo de los años como piedras 
oí cantar mi sangre encarcelada, 
con un rumor de luz el mar cantaba, 
una a una cedían las murallas, 
todas las puertas se desmoronaban 
y el sol entraba a saco por mi frente, 
despegaba mis párpados cerrados, 
desprendía mi ser de su envoltura, 
me arrancaba de mí, me separaba 
de mi bruto dormir siglos de piedra 
y su magia de espejos revivía 
un sauce de cristal, un chopo de agua, 
un alto surtidor que el viento arquea, 
un árbol bien plantado mas danzante, 
un caminar de río que se curva, 
avanza, retrocede, da un rodeo 
y llega siempre: 

México, 1957

Octavio Paz – Antes do Começo

Ruídos confusos, claridade incerta.
Outro dia começa.
Um quarto em penumbra
e dois corpos estendidos.
Em minha fronte me perco
numa planície vazia.
E as horas afiam suas navalhas.
Mas a meu lado tu respiras;
íntima e longínqua
fluis e não te moves.
Inacessível se te penso,
com os olhos te apalpo,
te vejo com as mãos.
Os sonhos nos separam
e o sangue nos reúne:
Somos um rio que pulsa.
Sob tuas pálpebras amadurece
a semente do sol.
O mundo
No entanto, não é real,
o tempo duvida:
Só uma coisa é certa,
o calor da tua pele.
Em tua respiração escuto
as marés do ser,
a sílaba esquecida do Começo.

Trad.: Antônio Moura

 

Octavio Paz – Antes del Comienzo

Ruidos confusos, claridad incierta
Otro día comienza.
Es un cuarto en penumbra
y dos cuerpos tendidos.
En mi frente me pierdo
por un llano sin nadie.
Ya las horas afilan sus navajas.
Pero a mi lado tú respiras;
entrañable y remota
fluyes y no te mueves.
Inaccesible si te pienso,
con los ojos te palpo,
te miro con las manos.
Los sueños nos separan
y la sangre nos junta:
somos un río de latidos.
Bajo tus párpados madura
la semilla del sol.
El mundo
no es real todavía,
el tiempo duda:
sólo es cierto
el calor de tu piel.
En tu respiración escucho
la marea del ser,
la sílaba olvidada del Comienzo.