Joan Margarit – Não estava distante, não era difícil

Chegou um tempo
em que a vida que se perde já não causa dor,
em que a luxúria é apenas
uma lâmpada inútil, e a inveja é esquecida.
É um tempo de perdas prudentes, necessárias,
e não é um tempo de chegar
mas de partir. O amor, agora,
por fim se une à inteligência.
Não estava distante,
não era difícil. É um tempo
que não me deixa mais que o horizonte
como medida da solidão.
Um tempo de tristeza protetora.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO, com alterações na tradução: poema publicado na página originalmente em 12/06/2018

Joan Margarit – No estaba lejos, no era difícil

Ha llegado este tiempo
cuando ya no hace daño la vida que se pierde,
cuando ya la lujuria es tan sólo
una lámpara inútil, y la envidia se olvida.
Es un tiempo de pérdidas prudentes, necesarias,
y no es un tiempo de llegar
sino de irse. El amor, ahora,
por fin coincide con la inteligencia.
No estaba lejos,
no era difícil. Es un tiempo
que no me deja más que el horizonte
como medida de la soledad.
Un tiempo de tristeza protectora.

Juan Vicente Piqueras – O pouco que sei

Sei que o penar não vale a pena.

Sei que a felicidade é indizível.

Sei que o amor, essa missão selvagem,
delicada, impossível, é a única forma
de estar neste mundo sem errar.

Sei que a morte resolve tudo.
Sei que a morte, não, quero dizer, a vida
é um pintassilgo em uma árvore seca
ou em uma amendoeira em flor,
cantando para a luz,
dando graças aos céus por tudo
sem o saber.

Trad.: Nelson Santander

Lo poco que sé

Sé que la pena no vale la pena.

Sé que la dicha no puede ser dicha.

Sé que el amor, esa misión salvaje,
delicada, imposible, es la única forma
de estar en este mundo sin errar.

Sé que la muerte lo resuelve todo.
Sé que la muerte, no, quiero decir la vida
es un jilguero en un árbol desnudo
o en un almendro en flor,
cantándole a la luz,
dando gracias al cielo por todo
sin saberlo.

Joan Margarit – Discurso do Método

Já de criança buscava as janelas
para pode fugir com o olhar.
Desde então, se entro em um lugar,
olho com atenção onde deixo meu casaco
e onde está a porta de saída.
Liberdade, para mim, significa fuga.
Há muitas portas no mundo.
Inclusive o sexo, em caso de emergência,
pode sê-lo, embora todas vão se fechando
e, para fugir, rapidamente fiquem
apenas as janelas da infância.
De par em par abertas para poder saltar.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO, com alterações na tradução: poema publicado na página originalmente em 07/06/2018

Discurso del Método

De niño ya buscaba las ventanas
para poder huir con la mirada.
Desde entonces, si entro en un lugar,
miro con atención dónde dejo el abrigo
y dónde está la puerta de salida.
Libertad, para mí, quiere decir huida.
Hay muchas puertas en el mundo.
Incluso el sexo, en caso de emergencia,
puede serlo, aunque todas van cerrándose
y, para huir, muy pronto quedarán
tan solo las ventanas de la infancia.
De par en par abiertas para poder saltar.

Idea Vilariño – Ou quem sabe nove

Talvez tivemos só sete noites
não sei
não as contei
como poderia ter feito.
Talvez não mais que seis
ou quem sabe nove.
Não sei,
mas valeram a pena
como o amor mais duradouro.
Talvez
com quatro ou cinco noites dessas,
mas precisamente como essas,
talvez
se possa viver
como de um longo amor
uma vida inteira.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO, com pequenas alterações na tradução: poema publicado na página originalmente em 06/05/2018

Idea Vilariño – O fueron nueve

Tal vez tuvimos sólo siete noches
no sé
no las conté
cómo hubiera podido.
Tal vez no más que seis
o fueron nueve.
No sé
pero valieron
como el más largo amor.
Tal vez
de cuatro o cinco noches como esas
pero precisamente como esas
tal vez
pueda vivirse
como de un largo amor
toda una vida.

Eduardo Chirinos – O que meu pai realmente quer de mim

1
Esta noite tive um sonho. Seguia meu pai
por uma estrada de terra. Os dois íamos a cavalo
e mal trocávamos uma palavra. Ao longe, avistava-se
a sombra de alguns salgueiros, as luzes de um povoado
desconhecido e remoto. De repente, meu pai deteve
seu cavalo e perguntou se eu sabia para onde íamos.
Respondi que não. Então estamos bem, ele me disse.

2
Os cavalos do sonho conheciam o caminho
de cor. Bastava abandonar as
rédeas, deixar-se levar. Isso me causava uma
certa apreensão, talvez até um pouco de medo.
Meu pai, por outro lado, parecia muito tranquilo.
Pensei, parece tranquilo porque está morto.

3
Aqui é onde vivo, disse ele, como se me tirasse
uma venda. Foi muito pouco o que vi. Só uma
árida planície de pedras, redemoinhos de arenito,
ossos amarelados de cavalos. O que achas?
Não soube o que dizer. Estava com sede e me doía um
pouco a garganta. É um lugar bonito, ele disse,
mas às vezes gostaria de voltar. Então
por que não voltas?, perguntei. Porque é
mais fácil que tu venhas para cá, disse. E desapareceu.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO, com pequenas alterações na tradução: poema publicado na página originalmente em 03/05/2018

Eduardo Chirinos – Lo que mi padre quiere realmente de mí

1
Anoche tuve un sueño. Acompañaba a mi padre
por un camino de tierra. Los dos íbamos a caballo
y apenas cruzábamos palabras. A lo lejos se veía
la sombra de unos sauces, las luces de un pueblo
desconocido y remoto. De pronto, mi padre detuvo
su caballo y preguntó si yo sabía a dónde íbamos.
Le contesté que no. Entonces vamos bien, me dijo.

2
Los caballos del sueño sabían de memoria
el recorrido. Era cuestión de abandonar las
riendas, de dejarse llevar. Eso me causaba un
poco de aprensión, incluso un poco de miedo.
Mi padre, en cambio, parecía muy tranquilo.
Pensé, parece tranquilo porque está muerto.

3
Aquí es donde vivo, dijo como si me quitara
una venda. Fue muy poco lo que vi. Sólo un
páramo de piedras, remolinos de arenisca,
huesos de caballos amarillos. ¿Qué te parece?
No supe qué decir. Tenía sed y me dolía un
poco la garganta. Es un lugar hermoso, dijo,
pero a veces me gustaría regresar. ¿Por qué
no regresas, entonces?, pregunté. Porque es
más fácil que tú vengas me dijo. Y desapareció.

Javier Salvago – Um pouco mais sábios, um pouco mais cegos

Quando não somos mais jovens, nos convencemos
de que o diabo sabe mais por ser mais velho
e admitimos que os anos nos ensinam
a distinguir a realidade do sonho.
Talvez não. Talvez a vida só
se nos mostre uma vez – quando temos
olhos para aprecia-la – e depois vamos
esquecendo seu rosto e seu segredo.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO, com ligeiras alterações na tradução: poema publicado no blog originalmente em 30/05/2018

Un poco más sabios, un poco más ciegos

Cuando uno ya no es joven, se convence
de que el diablo sabe más por viejo,
y admite que los años nos enseñan
a distinguir la realidad del sueño.
Y, acaso, no. Quizá la vida sólo
se nos muestra una vez — cuando tenemos
ojos para apreciarla — y luego vamos
olvidando su rostro y su secreto.

Javier Salvago – Convém não esquecer

Por esta via
que chamam vida, vamos
com cautela devida,

tal qual um cego.
Mas em cinzas termina
todo e qualquer fogo.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 27/05/2018

Conviene no Olvidarlo

Por esta senda,
que llaman vida, todos
vamos a tientas,

igual que un ciego.
En ceniza terminan
todos los fuegos.

Mario Benedetti – Tempo sem Tempo

Preciso de tempo, necessito desse tempo
que os outros deixam de lado
porque lhes sobra ou já não sabem
o que fazer com ele
tempo
em branco
em rubro
em verde
mesmo em castanho escuro
não me importa a cor
cândido tempo
que eu não posso abrir
e fechar
como uma porta

tempo para olhar uma árvore, um farol
para caminhar à beira do descanso
para pensar que bom que hoje seja inverno
para morrer um pouco
e nascer em seguida
e dar-me conta
e dar-me corda
preciso do tempo necessário para
chapinhar algumas horas na vida
e investigar por que estou triste
e me habituar ao meu velho esqueleto

tempo para esconder-me
no canto de um galo
e para reaparecer
em um relincho
e para estar em dia
para estar à noite
tempo sem recato e sem relógio

quer dizer, preciso
ou seja, necessito
digamos que me faz falta
tempo sem tempo.

trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO, com alterações na tradução: poema publicado no blog originalmente em 19/05/2018

Mario Benedetti – Tiempo sin Tiempo

Preciso tiempo necesito ese tiempo
que otros dejan abandonado
porque les sobra o ya no saben
que hacer con él
tiempo
en blanco
en rojo
en verde
hasta en castaño oscuro
no me importa el color
cándido tiempo
que yo no puedo abrir
y cerrar
como una puerta

tiempo para mirar un árbol un farol
para andar por el filo del descanso
para pensar qué bien hoy es invierno
para morir un poco
y nacer enseguida
y para darme cuenta
y para darme cuerda
preciso tiempo el necesario para
chapotear unas horas en la vida
y para investigar por qué estoy triste
y acostumbrarme a mi esqueleto antiguo

tiempo para esconderme
en el canto de un gallo
y para reaparecer
en un relincho
y para estar al día
para estar a la noche
tiempo sin recato y sin reloj

vale decir preciso
o sea necesito
digamos me hace falta
tiempo sin tiempo.

Roger Wolfe – A Última Noite da terra

O melro de todos os anos voltou a visitar minha casa
E, no entanto, ainda estou aqui.
Sua melodia não muda, já o disse antes.
Mas meu trabalho é constatar o óbvio,
e é isso que o melro me faz lembrar.
O tempo passa, as pessoas envelhecem e morrem
por sua própria mão ou com ajuda.
As palavras escorrem pelo ralo
do que já foi chamado de “história secreta”.
Tudo flui e se perde, os rios no mar,
o mar na imensidão inconcebível do cosmos,
o cosmos no nada do qual não deveria ter saído.
Enquanto isso, digitamos.
Um surdo tamborilar contra séculos de morte programada
e um futuro de indefinição certeira.
Um batalhão de patéticos escribas do esquecimento
implorando por duas camisas para o caminho até o patíbulo.
No entanto, não é o frio o problema, mas o medo.
E é o melro, em sua ignorância, quem conhece a verdade.
Executa sem hesitação
o ritual imposto pela biologia.
E depois morrerá. Sem epitáfios, como este,
que desaparecerão num esgar de indiferença
entre as chamas da última noite da terra,
quando nada mais fará sentido,
se é que algo já fez sentido alguma vez.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO, com alterações na tradução: poema publicado no blog originalmente em 16/05/2018

Roger Wolfe – La última noche de la tierra

El mirlo de todos los años ha vuelto a visitar mi casa
y todavía sigo aquí.
Su música no cambia y eso ya lo he escrito.
Pero mi trabajo es constatar lo obvio
y eso es lo que el mirlo me viene a recordar.
El tiempo pasa, la gente se hace vieja, se muere,
por su propia mano o con ayuda.
Las palabras van bajando por el desagüe
de lo que alguien ha llamado la intrahistoria.
Todo fluye y se pierde, los ríos en el mar,
el mar en la inmensidad inabarcable del cosmos,
el cosmos en la nada de la que no debió salir.
Mientras tanto tecleamos.
Un sordo tamborileo contra siglos de muerte programada
y un futuro de certera incertidumbre.
Un batallón de patéticos amanuenses del olvido
exigiendo dos camisas para el camino hacia el patíbulo.
Pero no es el frío el problema, sino el miedo.
Y es el mirlo, en su ignorancia, el que sabe la verdad.
Cumple sin la más mínima estridencia
el ritual que le ha impuesto la biología.
Luego morirá. Sin epitafios, como éste,
que se deshagan con una mueca indiferente
entre las llamas de la última noche de la Tierra,
cuando nadie entienda ya ningún significado,
si es que algo tuvo sentido alguna vez.

José Infante – [A morte é definitivamente o fim]

A morte é definitivamente o fim, por mais
que nos tentem enganar com cânticos,
com hinos, com orações e salmos.
A morte é o fim e é justo
que seja assim. Que não haja
recompensas nem punições. Somente
que nos deixem perdermo-nos no nada,
de onde viemos sem ter sido
previamente convidados.

Trad.: Nelson Santander

[La muerte sí es el final]

La muerte sí es el final por mucho
que intenten engañarnos con canciones,
con himnos, con plegarias y salmos.
Es la muerte el final y es justo
que así sea. Que no existan
ni premios ni castigos. Solamente
que nos dejen perdernos en la nada,
desde donde vinimos sin haber sido
previamente invitados.