De pé neste penhasco, aceito a mentira da paisagem. Tudo é inacessível: o orvalho – que é suor vegetal – e o comboio que passa. Uma cegonha voa a preto e branco. Tem o seu ninho no cimo da igreja que fica junto ao cemitério. Estranho paradoxo, a pedra testemunha a fugacidade, a carne é apenas um leito para o tempo. (Cada osso que tenho é uma lápide pelos mortos que escondo no meu íntimo.) Para quê contar o tempo que nos resta? Viver é abraçar escuridões: do que não sabemos ao que não sabemos, de uma distância a outra distância. Tudo é inacessível. Quem vê um comboio passar compreende o resto. Trad.: Manuel de Freitas
REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 24/07/2018