Josep M. Rodríguez – Equação

De pé neste penhasco,
aceito a mentira da paisagem.

Tudo é inacessível:
o orvalho
     – que é suor vegetal –
e o comboio que passa.

Uma cegonha voa a preto e branco.

Tem o seu ninho no cimo da igreja
que fica junto ao cemitério.
Estranho paradoxo,

a pedra testemunha a fugacidade,
a carne é apenas um leito para o tempo.

(Cada osso que tenho é uma lápide
pelos mortos que escondo no meu íntimo.)

Para quê contar o tempo que nos resta?

Viver é abraçar escuridões:
do que não sabemos ao que não sabemos,
de uma distância a outra distância.
Tudo é inacessível.

Quem vê um comboio passar compreende o resto.

Trad.: Manuel de Freitas

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 24/07/2018

Josep M. Rodríguez – matéria e forma

Como expressar dor na dor
ao saber da morte de uma amiga.

Não sei o que fazer.
Do mesmo modo que a água é anterior ao rio

e a matéria
antecede a luz, mas é a luz
que lhe confere forma,

assim se cala a dor dentro de mim
até que há algo lá fora que a prende

e me ocupa.

Dor
na dor:
toda morte é um sol feito em pedaços.

Trad.: Manuel de Freitas
matéria y forma

Cómo expresar dolor en el dolor 
al conocer la muerte de una amiga . 

No sé qué hacer .
Del modo en el que el agua es anterior al río 

y la materia 
antecede a la luz , pero es la luz 
la que confiere forma , 

a así calla el dolor dentro de mí 
hasta que hay algo fuera que lo prende 

y me ocupa . 

Dolor 
en el dolor: 
toda muerte es un sol hecho pedazos.

Josep M. Rodríguez – Talvez Amor

Abro o guarda-chuva
           e é um sol escuro.
Manhã de São João.

O asfalto reluz como uma língua suja

e as gotas de chuva
soam como mosquitos contra o vidro do carro.
Atravesso a rua,

só me cruzo com desconhecidos.

Quantas vezes parado num semáforo,
no balcão de um bar
           ou numa livraria
não teremos coincidido com alguém que mais tarde
se converteu em amigo ou talvez em amor.

Reflicto-me na água das poças.
Não me dou por vencido:

Também para a dor existem limites.

Trad.: Manuel de Freitas

Josep M. Rodríguez – Equação

De pé neste penhasco,
aceito a mentira da paisagem.

Tudo é inacessível:
o orvalho
     – que é suor vegetal –
e o comboio que passa.

Uma cegonha voa a preto e branco.

Tem o seu ninho no cimo da igreja
que fica junto ao cemitério.
Estranho paradoxo,

a pedra testemunha a fugacidade,
a carne é apenas um leito para o tempo.

(Cada osso que tenho é uma lápide
pelos mortos que escondo no meu íntimo.)

Para quê contar o tempo que nos resta?

Viver é abraçar escuridões:
do que não sabemos ao que não sabemos,
de uma distância a outra distância.
Tudo é inacessível.

Quem vê um comboio passar compreende o resto.

Trad.: Manuel de Freitas

Josep M. Rodríguez – Primeira Visita ao Zoológico

Tinha doze anos e a minha mãe
me presenteava com um mundo só para mim:

– Se a tristeza fosse um animal?

– Se a tristeza fosse um animal…
seria um besouro.

E dizia-lhe então que havia dias
em que esse besouro fabricava
uma bola muito grande na minha garganta.

Os olhos da minha mãe eram de coruja.
Pareciam entender-me sem falar.

– E como te imaginas sendo mais velho?

Não sei o que respondi,
tinha doze anos:

ainda não compreendia que crescer
era ir ao zoológico
e só ver grades.

Trad.: Nelson Santander


Josep M. Rodríguez – Primera Visita al Zoo

Tenía doce años y mi madre
me regalaba un mundo para mí:

‒¿Si la tristeza fuese un animal?

‒Si la tristeza fuese un animal…
pues un escarabajo.

Y entonces le contaba que había días
en que ese escarabajo fabricaba
una bola muy grande en mi garganta.

Los ojos de mi madre eran de búho.
Parecía entenderme sin hablar.

‒¿Y cómo te imaginas ser mayor?

No sé qué respondí,
tenía doce años:

aún no comprendía que crecer
es ir al zoo
y sólo ver barrotes.