Mário Chamie – Cervo, Servo

1.
E vem: som em torno,
rumorações de margem, várzea vagido
entre o mato
de onde o mato cerca       rinha menor
de vinda.

Refém: já muxoxo,
convocações de talos, talhos rangidos
entre o pasto
de onde o pasto fecha       largo maior
de lida.

Também: alto vôo,
movemenções de asas, vácuos movidos
entre o vasto
de onde o vasto cobre       casa menor
de vista.

Contém: surdo gemer,
inquietações de choro, tosco pedido
entre o salto
de onde o salto abre       fuga maior
de chispa.

Fuga: mulo correr,
cabritações de gamo, ganho corrido
entre o casco
de onde o casco toca       corpo motor
de vida.

2.

Pára: antes do cerco
indo, vinha fechando
o cervo, círculo do medo.

Anda: então o cerco
vindo, ia mirando
o alvo, trêmulo no erro.

Volta: e logo o cervo
vendo, move correndo
os cornos, garras de lenho.

Fica: mas sem defesa
deixa o corpo à vista
o servo, perdida presa.

3.

Chifres, move-se a cabeça:
varas e luz no crânio, olhos marca
na testa
porque a testa mostra         liso gesto
de nesga.

Galhos, une-se o feixe:
nervos e veios na anca, fibra óssea
na coxa
porque a coxa invoca         pulo salto
de mola.

Olhos, trinca-se a fenda:
claros sóis na vista, vítreo pátio
na treva
porque a treva ensombra         fero golpe
de fera.

Listas, risca-se o corpo:
linhas e véu na pele, mancha nódoa
no peito
porque o peito enverga         malho risco
de relho.

Tiros, chumba-se o lombo:
ecos e voz no campo, sangue poça
no mato
porque o mato marca         pista passo
de pata.

Laços, prende-se a presa:
suor e dó na cara,         cacto lasca
na cerca
porque a cerca espinha        prego farpa
de lenha.

Queda, queda-se o servo:
chifres e mé na tarde, trégua baque
do corpo
porque o cervo tomba         fardo peso
de morto.

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 21/09/2017

Mário Chamie – Fantasma

Um fantasma ausente
põe tijolo sobre
tijolo ao seu redor.

Primeiro mede o terreno
Divide o espaço.
Calca com o pé
a planta
que não floresce.
Mas que cresce
sob estacas
de cimento.

Depois, a ausência
se preenche.
O fantasma move
a cal, a pedra, a pá.
O fantasma move
o corpo já presente
do lugar em que está.

Presente e ausente,
um fantasma se acasala
Move seu corpo
de carne e osso.
Come a própria argamassa
e se desfaz
no próprio fosso.
Tijolo sobre tijolo
um fantasma fez seu poço.

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 24/10/2016

Mário Chamie – Cervo, Servo

1.
E vem: som em torno,
rumorações de margem, várzea vagido
entre o mato
de onde o mato cerca       rinha menor
de vinda.

Refém: já muxoxo,
convocações de talos, talhos rangidos
entre o pasto
de onde o pasto fecha       largo maior
de lida.

Também: alto vôo,
movemenções de asas, vácuos movidos
entre o vasto
de onde o vasto cobre       casa menor
de vista.

Contém: surdo gemer,
inquietações de choro, tosco pedido
entre o salto
de onde o salto abre       fuga maior
de chispa.

Fuga: mulo correr,
cabritações de gamo, ganho corrido
entre o casco
de onde o casco toca       corpo motor
de vida.

2.

Pára: antes do cerco
indo, vinha fechando
o cervo, círculo do medo.

Anda: então o cerco
vindo, ia mirando
o alvo, trêmulo no erro.

Volta: e logo o cervo
vendo, move correndo
os cornos, garras de lenho.

Fica: mas sem defesa
deixa o corpo à vista
o servo, perdida presa.

3.

Chifres, move-se a cabeça:
varas e luz no crânio, olhos marca
na testa
porque a testa mostra         liso gesto
de nesga.

Galhos, une-se o feixe:
nervos e veios na anca, fibra óssea
na coxa
porque a coxa invoca         pulo salto
de mola.

Olhos, trinca-se a fenda:
claros sóis na vista, vítreo pátio
na treva
porque a treva ensombra         fero golpe
de fera.

Listas, risca-se o corpo:
linhas e véu na pele, mancha nódoa
no peito
porque o peito enverga         malho risco
de relho.

Tiros, chumba-se o lombo:
ecos e voz no campo, sangue poça
no mato
porque o mato marca         pista passo
de pata.

Laços, prende-se a presa:
suor e dó na cara,         cacto lasca
na cerca
porque a cerca espinha        prego farpa
de lenha.

Queda, queda-se o servo:
chifres e mé na tarde, trégua baque
do corpo
porque o cervo tomba         fardo peso
de morto.

Mário Chamie – Fantasma

Um fantasma ausente
põe tijolo sobre
tijolo ao seu redor.

Primeiro mede o terreno
Divide o espaço.
Calca com o pé
a planta
que não floresce.
Mas que cresce
sob estacas
de cimento.

Depois, a ausência
se preenche.
O fantasma move
a cal, a pedra, a pá.
O fantasma move
o corpo já presente
do lugar em que está.

Presente e ausente,
um fantasma se acasala
Move seu corpo
de carne e osso.
Come a própria argamassa
e se desfaz
no próprio fosso.
Tijolo sobre tijolo
um fantasma fez seu poço.