Ted Kooser – Pais

Meus falecidos pais tentam se manter fora do meu caminho.
Quando entro em um cômodo, eles já o deixaram,
foram procurar o que precisa ser feito
em outra parte da casa, meu pai com o aspirador,
minha mãe com pano de pó e o lustra-móveis. Às vezes,
ouço seus velhos chinelos tamborilando
pelo corredor, ou vejo por um breve instante
o que poderia ser a bainha da saia dela
ao passar por uma porta. Deixo todos os produtos de limpeza
onde são fáceis de encontrar, e eles parecem durar
para sempre. “Vocês não precisam partir!”, grito
pelos cômodos ecoantes, mas eles nunca
olham para trás. Eles deixam os pisos reluzindo
por onde passam, e se lembram de apagar as luzes.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Parents

My dead parents try to keep out of my way.
When I enter a room they have already left it,
gone off to find something that ought to be done
elsewhere in the house, my dad rolling the Hoover,
my mother with dust rag and Pledge. At times
I’ve heard their old slippers, pattering away
down the hall, or seen for only an instant
what might be the hem of her skirt as it swept
through a door. I leave all the cleaning supplies
where they’re easy to find, and they seem to last
forever. “You don’t need to go!” I call out
through the echoing rooms, but they’ve never
turned back. They leave the floors shining
behind them, and remember to turn off the lights.

Czesław Miłosz – Uma descrição honesta de mim mesmo com um copo de whisky num aeroporto, digamos, em Minneapolis

Meus ouvidos captam cada vez menos as conversas, meus olhos vêm se tornando fracos, embora sigam insaciáveis.

Vejo suas pernas em minissaias, em calças compridas, em tecidos ondulantes,

Observo uma a uma, separadamente, suas bundas e coxas, acalentado por sonhos pornô.

Velho depravado, é chegada a hora da cova, não dos jogos e folguedos da juventude.

Mas eu faço o que sempre fiz: componho cenas dessa terra sob as ordens da imaginação erótica.

Não é que eu deseje estas criaturas em particular, desejo tudo, e elas são como um signo de uma união extática.

Não é minha culpa se somos feitos assim, metade contemplação desinteressada, metade apetite.

Se um dia eu puder subir aos Céus, lá haverá de ser como aqui, exceto por estar eu desfeito de meus sentidos embotados e do peso de meus ossos.

Transformado em puro olhar, absorverei, como antes, as proporções dos corpos humanos, as cores das irises, uma rua parisiense na alvorada de junho, e toda a inconcebível, a inconcebível multiplicidade das coisas visíveis.

Trad.: Pedro Gonzaga

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 09/06/2019

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Uczciwe opisanie samego siebie nad szklanką whisky na lotnisku, dajmy na to w Minneapolis

Moje uszy coraz mniej słyszą z rozmów, moje oczy słabną, ale dalej są nienasycone.

Widzę ich nogi w minispódniczkach, spodniach albo w powiewnych tkaninach,

Każdą podglądam osobno, ich tyłki i uda, zamyślony, kołysany marzeniami porno.

Stary lubieżny dziadu, pora tobie do grobu, nie na gry i zabawy młodości.

Nieprawda, robię to tylko, co zawsze robiłem, układając sceny tej ziemi z rozkazu erotycznej wyobraźni.

Nie pożądam tych właśnie stworzeń, pożądam wszystkiego, a one są jak znak ekstatycznego obcowania.

Nie moja wina, że jesteśmy tak ulepieni, w połowie z bezinteresownej kontemplacji, i w połowie z apetytu.

Jeżeli po śmierci dostanę się do Nieba, musi tam być jak tutaj, tyle że pozbędę się tępych zmysłów i ociężałych kości.

Zmieniony w samo patrzenie, będę dalej pochłaniał proporcje ludzkiego ciała, kolor irysów, paryską ulicę w czerwcu o świcie, całą niepojętą, niepojętą mnogość widzianych rzeczy.

Homero Aridjis – Pela Porta Verde

Pela porta verde

Para Eva Sofia

Sou um indocumentado da eternidade.
Sem papéis, ultrapassei as fronteiras do tempo.
Detido pelos agentes de imigração do nascimento
e da morte, lancei-me
ao tabuleiro de xadrez dos dias.
Fiscais astutos, em busca de lembranças valiosas,
vasculharam minha bagagem de sombras.
Nada a declarar. Nada a lamentar.
Passei pela porta verde.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Por la puerta verde

A Eva Sofia

Soy un indocumentado de la eternidad.
Sin papeles he cruzado las fronteras del tiempo.
Detenido por los agentes migratorios del nacimiento
y de la muerte, he saltado
en el tablero de ajedrez de los días.
Aduaneros sagaces en busca de recuerdos de valor
han hurgado en mis valijas de sombras.
Nada que declarar. Nada que lamentar.
He pasado por la puerta verde.

Nicolás Guillén – Um poema de amor

Não sei. Ignoro-o.
Desconheço todo o tempo que andei
sem encontrá-la novamente.
Quem sabe um século? Talvez.
Talvez um pouco menos: noventa e nove anos.
Ou um mês. Poderia ser. De qualquer forma
um tempo enorme, enorme, enorme.
Ao fim como uma rosa súbita,
repentina campânula tremendo,
a notícia.
Saber de pronto
que ia voltar a vê-lá, que a teria
perto, tangível, real, como nos sonhos.
Que troar surdo
Rodando-me nas veias,
estalando lá em cima
sob meu sangue, em uma
noturna tempestade!
E o achado, em seguida? E a maneira
como ninguém compreenderia
que essa é nossa própria maneira?
Um roçar apenas, um contato elétrico,
um apertão conspiratório, uma olhada,
um palpitar do coração
gritando, ululando com silenciosa voz.
Depois
(já o sabeis desde os quinze anos)
esse ruflar das palavras presas,
palavras de olhos baixos,
penitenciais,
entre testemunhas inimigas,
ainda
um amor de “o amo”
de “você”, de “bem gostaria,
mas é impossível…” De “não podemos,
não, você deve pensar melhor…”
É um amor assim,
é um amor de abismo na primavera,
cortês, cordial, feliz, fatal.
A despedida, logo,
genérica,
no turbilhão dos amigos.
Vê-la partir e amá-la como nunca;
e já sem olhos seguir a vê-la ao longe,
lá longe, e ainda segui-lá
ainda mais longe,
feita de noite,
de mordida, beijo, insônia,
veneno, êxtase, convulsão,
suspiro, sangue, morte…
Feita
dessa substância conhecida
com que amassamos uma estrela.

Trad.: Pedro Gonzaga

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 06/06/2019

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Un poema de amor

No sé. Lo ignoro.
Desconozco todo el tiempo que anduve
sin encontrarla nuevamente.
¿Tal vez un siglo? Acaso.
Acaso un poco menos: noventa y nueve años.
¿O un mes? Pudiera ser. En cualquier forma,
un tiempo enorme, enorme, enorme.

Al fin, como una rosa súbita,
repentina campánula temblando,
la noticia.
Saber de pronto
que iba a verla otra vez, que la tendría
cerca, tangible, real, como en los sueños.
¡Qué explosión contenida!
¡Qué trueno sordo
rodándome en las venas,
estallando allá arriba
bajo mi sangre, en una
nocturna tempestad!
¿Y el hallazgo, en seguida? ¿Y la manera
de saludarnos, de manera
que nadie comprendiera
que ésa es nuestra propia manera?
Un roce apenas, un contacto eléctrico,
un apretón conspirativo, una mirada,
un palpitar del corazón
gritando, aullando con silenciosa voz.

Después
(ya lo sabéis desde los quince años)
ese aletear de las palabras presas,
palabras de ojos bajos,
penitenciales,
entre testigos enemigos.
Todavía
un amor de «lo amo»,
de «usted», de «bien quisiera,
pero es imposible»… De «no podemos,
no, piénselo usted mejor»…
Es un amor así,
es un amor de abismo en primavera,
cortés, cordial, feliz, fatal.
La despedida, luego,
genérica,,
en el turbión de los amigos.
Verla partir y amarla como nunca;
seguirla con los ojos,
y ya sin ojos seguir viéndola lejos,
allá lejos, y aun seguirla
más lejos todavía,
hecha de noche,
de mordedura, beso, insomnio,
veneno, éxtasis, convulsión,
suspiro, sangre, muerte…
Hecha
de esa sustancia conocida
con que amasamos una estrella.

Vijay Seshadri – Chaleiras Reluzentes de Cobre

Amigos mortos voltando à vida, famílias falecidas
falando línguas vivas e mortas, suas mentes retentivas,
os cinco sentidos intactos, suas pegadas como as de borboletas,
a compaixão brilhando em rostos indulgentes —
esta é uma das minhas coisas favoritas.
Gosto tanto disso que passo o tempo todo dormindo.
Lua de dia e sol à noite me encontram disperso
nos sonhos profundos onde eles aparecem.
Nos campos de varas-de-ouro, na cidade das cinco pirâmides,
diante da imperatriz com o rosto derretido, sob
a sombra do majestoso Plátano, eles simplesmente surgem.
“Está tudo bem”, parecem dizer. “Sempre esteve”.
Eles são tímidos e polidos.
(Quem diria que os mortos fossem tão educados?)
Eles não querem assustar; suas cabeças não giram feito cata-ventos.
Eles não almejam meu corpo,
nem possuir a terra ou se vingar.
Estão mortos, entende?, eles não existem. E, além do mais,
por que se importariam? Eles são subatômicos, horizontais. Pense nisso.
Um deles timidamente me oferece um lápis.
Os olhos sob as pálpebras movem-se cada vez mais rápido.
Pelo interfone da casa em que há tanto tempo não se ouve música,
o reverendo Al Green canta:
“Nunca pude vislumbrar o amanhã.
Nunca me contaram sobre a tristeza”.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Bright Copper Kettles

Dead friends coming back to life, dead family,
speaking languages living and dead, their minds retentive,
their five senses intact, their footprints like a butterfly’s,
mercy shining from their comprehensive faces—
this is one of my favorite things.
I like it so much I sleep all the time.
Moon by day and sun by night find me dispersed
deep in the dreams where they appear.
In fields of goldenrod, in the city of five pyramids,
before the empress with the melting face, under
the towering plane tree, they just show up.
“It’s all right,” they seem to say. “It always was.”
They are diffident and polite.
(Who knew the dead were so polite?)
They don’t want to scare me; their heads don’t spin like weather vanes.
They don’t want to steal my body
and possess the earth and wreak vengeance.
They’re dead, you understand, they don’t exist. And, besides,
why would they care? They’re subatomic, horizontal. Think about it.
One of them shyly offers me a pencil.
The eyes under the eyelids dart faster and faster.
Through the intercom of the house where for so long there was no music,
the right Reverend Al Green is singing,
“I could never see tomorrow.
I was never told about the sorrow.”

Ian Hamilton – Vizinhos

Das janelas
Do decadente hotel do outro lado da rua
Misteriosos hóspedes noturnos emergem
Em suas varandas
Para aspirar o ar fresco da noite.

Nós os deixamos nos observar
Em nossas vidas pacatas.
Eles nos permitem imaginar
o que o destino lhes reservou.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 05/06/2019

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Neighbours

From the bay windows
Of the mouldering hotel across the road from us
Mysterious, one-night itinerants emerge
On to their balconies
To breathe the cool night air.

We let them stare
In at our quiet lives.
They let us wonder what’s become of them.

Claudia Emerson – A Moldura, uma Epístola

A maioria das coisas que você fez pra mim — baú de cobertores,
mesinha portátil, a cadeira de balanço sem braços — dei
a amigos que poderiam usá-las sem
se lembrar das horas perdidas ali,
por não terem sido testemunhas daqueles projetos,
dos tediosos acabamentos. Mas retive
o espelho, talvez porque, como todo espelho,
na maior parte desses anos ele tenha sido invisível,
parte da parede, ou definido pelo reflexo —
seguro — já que o reflexo, afinal, muda.
Pendurei-o aqui na entrada, no corredor escuro
desta casa que você nunca verá, para que
amplificasse a luz escassa,
transformando-se em uma janela menor e mais recuada. Ninguém
permanece diante dele por muito tempo. Mas esta manhã,
enquanto vestia o sobretudo e ajeitava
o cabelo, vi além do meu rosto a moldura
que você fez pra mim, admirando pela primeira
vez o modo como a cerejeira que você mesmo cortou
e aplainou havia escurecido, exatamente como você previu.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Frame, an Epistle

Most of the things you made for me—blanket-
chest, lapdesk, the armless rocker—I gave
away to friends who could use them and not
be reminded of the hours lost there,
not having been witness to those designs,
the tedious finishes. But I did keep
the mirror, perhaps because like all mirrors,
most of these years it has been invisible,
part of the wall, or defined by reflection—
safe—because reflection, after all, does change.
I hung it here in the front, dark hallway
of this house you will never see, so that
it might magnify the meager light,
become a lesser, backward window. No one
pauses long before it. But this morning,
as I put on my overcoat, then straightened
my hair, I saw outside my face its frame
you made for me, admiring for the first
time the way the cherry you cut and planed
yourself had darkened, just as you said it would.

Ada Limón – A capa de chuva

Quando o médico sugeriu cirurgia
e uma órtese por toda minha infância,
meus pais se apressaram em me levar
à fisioterapia, massagens intensas,
osteopatia, e logo minha coluna torta
desenrolou-se um pouco, pude respirar novamente,
e me movimentar mais, um corpo livre
da dor. Minha mãe pedia que eu cantasse
para ela durante todo o trajeto de quarenta e cinco minutos
pela Middle Two Rock Road e quarenta e cinco
minutos de volta da fisioterapia.
Ela dizia que até minha voz parecia livre
da minha espinha depois. Então eu cantava e cantava,
porque achava que ela gostava. Nunca
lhe perguntei do que ela abria mão para me levar,
ou como tinha sido seu dia antes desta tarefa. Hoje,
com a idade que ela tinha, eu estava voltando para casa de
mais uma consulta para minha coluna, cantando com o rádio
uma música piegas, mas sincera,
e vi uma mãe tirar sua própria capa de chuva
e dá-la para sua filha pequena quando
uma tempestade tomou conta da tarde. Meu Deus,
pensei, passei toda minha vida debaixo da capa de chuva dela
achando que era uma maravilha
eu nunca ter me molhado.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

The raincoat

When the doctor suggested surgery
and a brace for all my youngest years,
my parents scrambled to take me
to massage therapy, deep tissue work,
osteopathy, and soon my crooked spine
unspooled a bit, I could breathe again,
and move more in a body unclouded
by pain. My mom would tell me to sing
songs to her the whole forty-five minute
drive to Middle Two Rock Road and forty-
five minutes back from physical therapy.
She’d say, even my voice sounded unfettered
by my spine afterward. So I sang and sang,
because I thought she liked it. I never
asked her what she gave up to drive me,
or how her day was before this chore. Today,
at her age, I was driving myself home from yet
another spine appointment, singing along
to some maudlin but solid song on the radio,
and I saw a mom take her raincoat off
and give it to her young daughter when
a storm took over the afternoon. My god,
I thought, my whole life I’ve been under her
raincoat thinking it was somehow a marvel
that I never got wet.

Larry Levis – Estrelas de Inverno

Certa vez, meu pai quebrou a mão de um homem
No escapamento de um trator John Deere. O homem,
Rubén Vásquez, queria matar o próprio pai
Com uma faca de fruta afiada, & segurava
A ponta curva dela, levemente, entre os dois
Primeiros dedos, para cortar
Horizontalmente, & com surpreendente graça,
A garganta. Era como um bico brilhante na mão,
E, por um momento, a luz permaneceu
Naqueles cipós. Quando tudo acabou,
Meu pai simplesmente entrou & almoçou, & depois, como sempre,
Ficou sozinho no escuro, ouvindo música.
Ele nunca mencionou aquilo.

Nunca entendi como alguém poderia arriscar sua vida
E depois ouvir Vivaldi.

Às vezes, saio para o quintal à noite,
E fico olhando através dos galhos úmidos de um carvalho
No inverno, & percebo que estou olhando para as estrelas
Novamente. Uma fina camada delas, brilhando
E persistindo.

Olhar para elas costumava me fazer sentir mais leve.
Na Califórnia, essa luz era mais próxima.
Em uma Califórnia que ninguém verá novamente,
Meu pai começou a morrer. Algo
Dentro dele está lentamente tomando de volta
Cada palavra que lhe foi dada.
Agora, ao tentarmos conversar, vejo meu pai
Buscar uma sílaba perdida como se ela pudesse
Resolver tudo, & agora, mesmo sem lembrar
A palavra para isso, ele se envergonha…
Se pensa na mente como um lugar continuamente
Visitado, uma cidade inteira situada atrás
Dos olhos, & brilhando, posso imaginar, agora, seu fim —
Como quando as luzes se apagam, uma a uma,
Em um hotel à noite, até que finalmente
Todos os viajantes estejam dormindo, ou até que
Mesmo o brilho tênue do saguão seja uma espécie
De sono; & enquanto a mulher atrás da escrivaninha
Aplica mais esmalte nas unhas,
Você quase pode acreditar que o elevador,
Ao subir, deve se abrir sob a luz das estrelas.

Eu fico na rua, & não entro.
Esse foi o nosso acordo, no meu nascimento.

E durante anos acreditei
Que o que não era pronunciado entre nós se tornava vazio
E puro, como a luz das estrelas, & persistia.

Entendi tudo errado.
Acabei acreditando nas palavras da mesma forma que um cientista
Crê no carbono, após a morte.

Esta noite, estou falando com você, pai, embora
Esteja tranquilo aqui no meio-oeste, onde uma brisa,
Do calibre de um punho, desperta o frio novamente —
O que pode ser tudo o que resta de você & de mim.

Quando saí de casa aos dezessete, parti para sempre.

Aquela fina névoa de estrelas continua,
Como um sorriso que encontrou uma forma final e silenciosa
Em um céu escuro. Significa tudo
O que não pode ser dito. Olha, está vazio lá fora, & frio.
Frio o suficiente para reconciliar
Até mesmo um pai, até mesmo um filho.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Winter Stars

My father once broke a man’s hand
Over the exhaust pipe of a John Deere tractor. The man,
Rubén Vásquez, wanted to kill his own father
With a sharpened fruit knife, & he held
The curved tip of it, lightly, between his first
Two fingers, so it could slash
Horizontally, & with surprising grace,
Across a throat. It was like a glinting beak in a hand,
And, for a moment, the light held still
On those vines. When it was over,
My father simply went in & ate lunch, & then, as always,
Lay alone in the dark, listening to music.
He never mentioned it.

I never understood how anyone could risk his life,
Then listen to Vivaldi.

Sometimes, I go out into this yard at night,
And stare through the wet branches of an oak
In winter, & realize I am looking at the stars
Again. A thin haze of them, shining
And persisting.

It used to make me feel lighter, looking up at them.
In California, that light was closer.
In a California no one will ever see again,
My father is beginning to die. Something
Inside him is slowly taking back
Every word it ever gave him.
Now, if we try to talk, I watch my father
Search for a lost syllable as if it might
Solve everything, & though he can’t remember, now,
The word for it, he is ashamed . . .
If you can think of the mind as a place continually
Visited, a whole city placed behind
The eyes, & shining, I can imagine, now, its end—
As when the lights go off, one by one,
In a hotel at night, until at last
All of the travelers will be asleep, or until
Even the thin glow from the lobby is a kind
Of sleep; & while the woman behind the desk
Is applying more lacquer to her nails,
You can almost believe that the elevator,
As it ascends, must open upon starlight.

I stand out on the street, & do not go in.
That was our agreement, at my birth.

And for years I believed
That what went unsaid between us became empty,
And pure, like starlight, & that it persisted.

I got it all wrong.
I wound up believing in words the way a scientist
Believes in carbon, after death.

Tonight, I’m talking to you, father, although
It is quiet here in the Midwest, where a small wind,
The size of a wrist, wakes the cold again—
Which may be all that’s left of you & me.

When I left home at seventeen, I left for good.

That pale haze of stars goes on & on,
Like laughter that has found a final, silent shape
On a black sky. It means everything
It cannot say. Look, it’s empty out there, & cold.
Cold enough to reconcile
Even a father, even a son.

Manuel António Pina – Café do molhe

Perguntavas-me
(ou talvez não tenhas sido
tu, mas só a ti
naquele tempo eu ouvia)

por que a poesia,
e não outra coisa qualquer:
a filosofia, o futebol, alguma mulher?
Eu não sabia

que a resposta estava
numa certa estrofe de
um certo poema de
Frei Luis de Léon que Poe

(acho que era Poe)
conhecia de cor,
em castelhano e tudo.
Porém se o soubesse

de pouco me teria
então servido, ou de nada.
Porque estavas inclinada
de um modo tão perfeito

sobre a mesa
e o meu coração batia
tão infundadamente no teu peito
sob a tua blusa acesa

que tudo o que soubesse não o saberia.
Hoje sei: escrevo
contra aquilo de que me lembro,
essa tarde parada, por exemplo.

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 02/06/2019

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog