Adrienne Rich – (Dedicatórias)

Eu sei que você está lendo este poema
tarde, antes de deixar o seu escritório
com uma intensa luz amarelada e uma janela fosca
na lassidão de um prédio silencioso e desbotado
muito depois da hora do rush. Eu sei que você está lendo este poema
em pé em uma livraria distante do oceano
em um dia cinzento do início da primavera, fracos flocos
impulsionados pelos vastos espaços das planícies ao seu redor.
Eu sei que você está lendo este poema
em um quarto onde coisas demais aconteceram com você,
onde as roupas de cama repousam em rolos estagnados sobre o colchão
e a mala aberta fala de fuga,
mas você não pode partir ainda. Eu sei que você está lendo este poema
enquanto o metrô reduz a velocidade e antes de subir correndo as escadas
para um novo tipo de amor
que a sua vida nunca permitiu.
Eu sei que você está lendo este poema à luz
da tela da televisão onde imagens sem som tremeluzem e se movimentam
enquanto você aguarda as notícias da intifada.
Eu sei que você está lendo este poema em uma sala de espera
de olhos que se encontram e se desencontram e de identificação com estranhos.
Eu sei que você está lendo este poema à luz fluorescente
do tédio e do cansaço de jovens que são subestimados,
e subestimam a si mesmos, em uma idade muito precoce. Eu sei
que você está lendo este poema através de sua visão fraca, as grossas
lentes ampliando estas letras além de todo significado, mas você segue lendo
porque mesmo o alfabeto é precioso.
Eu sei que você está lendo este poema enquanto caminha impaciente ao lado do fogão
onde o leite é aquecido, uma criança chorando em seu ombro, um livro em sua mão
porque a vida é curta e você também tem sede.
Eu sei que você está lendo este poema que não está em seu idioma,
adivinhando algumas palavras enquanto outras prendem a sua atenção
e eu quero saber que palavras são estas.
Eu sei que você está lendo este poema enquanto ouve algo, entre a amargura e a esperança,
e retornando à tarefa que você não pode recusar.
Eu sei que você está lendo este poema porque não há mais nada para ler
onde você desembarcou, despojado como está.

Trad.: Nelson Santander

(Dedications)

I know you are reading this poem
late, before leaving your office
of the one intense yellow lamp-spot and the darkening window
in the lassitude of a building faded to quiet
long after rush-hour. I know you are reading this poem
standing up in a bookstore far from the ocean
on a grey day of early spring, faint flakes driven
across the plains’ enormous spaces around you.
I know you are reading this poem
in a room where too much has happened for you to bear
where the bedclothes lie in stagnant coils on the bed
and the open valise speaks of flight
but you cannot leave yet. I know you are reading this poem
as the underground train loses momentum and before running up the stairs
toward a new kind of love
your life has never allowed.
I know you are reading this poem by the light
of the television screen where soundless images jerk and slide
while you wait for the newscast from the intifada.
I know you are reading this poem in a waiting-room
of eyes met and unmeeting, of identity with strangers.
I know you are reading this poem by fluorescent light
in the boredom and fatigue of the young who are counted out,
count themselves out, at too early an age. I know
you are reading this poem through your failing sight, the thick
lens enlarging these letters beyond all meaning yet you read on
because even the alphabet is precious.
I know you are reading this poem as you pace beside the stove
warming milk, a crying child on your shoulder, a book in your hand
because life is short and you too are thirsty.
I know you are reading this poem which is not in your language
guessing at some words while others keep you reading
and I want to know which words they are.
I know you are reading this poem listening for something, torn between bitterness and hope
turning back once again to the task you cannot refuse.
I know you are reading this poem because there is nothing else left to read
there where you have landed, stripped as you are.

Adrienne Rich – Fotografias do Hubble: Após Sappho

Deve ser a visão mais desejada de todas
a pessoa com quem você espera viver e morrer

entrando numa sala, voltando-se para olhar para você, vis-à-vis
Deveria haver ainda algo

mais desejável: a ex-estase das galáxias,
tão afastadas de nós que não há vocabulário

mas equações matemáticas e óticas
que permitem que a visão atravesse o tempo

em liberações e lacerações de luz e poeira,
expostas como uma cavidade corporal, violeta verde lívida e venosa, lindas

— além do bem e do mal como sempre manchadas em sonho
além do remorso, da desilusão, do medo da morte

ou da vida, do ódio
de ordem, do ódio de destruição

além deste amor que agita
o ar toda vez que ela entra na sala

Estas impersonae, como as chamamos,
não irão nos invadir como nas telas do cinema

elas são tão antigas, tão novas, nós não somos para elas
nós olhamos ou não para elas de dentro da nebulosidade leitosa

de nosso oblíquo olhar
mas elas não olham para trás e não podemos feri-las

Trad.: Nelson Santander

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Hubble Photographs: after Sapho

It should be the most desired sight of all
the person with whom you hope to live and die

walking into a room, turning to look at you, sight for sight
Should be yet I say there is something

more desirable: the ex-stasis of galaxies
so out from us there’s no vocabulary

but mathematics and optics
equations letting sight pierce through time

into liberations, lacerations of light and dust
exposed like a body’s cavity, violet green livid and venous, gorgeous

—beyond good and evil as ever stained into dream
beyond remorse, disillusion, fear of death

or life, rage
for order, rage for destruction

beyond this love which stirs
the air every time she walks into the room

These impersonae, however we call them
won’t invade us as on movie screens

they are so old, so new, we are not to them
we look at them or don’t from within the milky gauze

of our tilted gazing
but they don’t look back and we cannot hurt them