Idea Vilariño – Não mais

Não mais será
não mais
não viveremos juntos
não criarei teu filho
não coserei tua roupa
não te terei à noite
não te beijarei ao partir
nunca saberás quem fui
por que me amaram outros.
Não chegarei a saber
por que nem como nunca
nem se era verdade
o que disseste que era
nem quem foste
nem o que fui para ti
nem como teria sido
vivermos juntos
amarmo-nos
esperarmos-nos
ficar.
Já não sou mais do que eu
para sempre e tu

não serás para mim
mais do que tu. Já não estás
em um dia futuro
não saberei onde vives
com quem
nem se te lembras.
Não me abraçarás nunca
como naquela noite
nunca.
Não voltarei a tocar-te.
Não te verei morrer.

Trad.: Nelson Santander

Ya no

Ya no será
ya no
no viviremos juntos
no criaré a tu hijo
no coseré tu ropa
no te tendré de noche
no te besaré al irme
nunca sabrás quién fui
por qué me amaron otros.
No llegaré a saber
por qué ni cómo nunca
ni si era de verdad
lo que dijiste que era
ni quién fuiste
ni qué fui para ti
ni cómo hubiera sido
vivir juntos
querernos
esperarnos
estar.
Ya no soy más que yo
para siempre y tú
ya
no serás para mí
más que tú. Ya no estás
en un día futuro
no sabré dónde vives
con quién
ni si te acuerdas.
No me abrazarás nunca
como esa noche
nunca.
No volveré a tocarte.
No te veré morir.

Nazim Hikmet – O último ônibus

Meia-noite. O último ônibus.
O condutor rasga os bilhetes.
Não me esperam em casa nem uma má notícia
nem a fartura da bebida.
Para mim, é a partida que espera.
Caminho em direção a ela sem medo
ou tristeza.

A escuridão imensa se aproxima de mim.
Posso olhar para o mundo
calma e serenamente, agora.
Já não me surpreende a traição de um amigo,
a faca estocada num aperto de mão.
É tudo em vão, o inimigo já não pode mais me provocar.
Cruzei a floresta dos ídolos
usando meu machado
de que maneira fácil todos desabaram.
Testei as coisas em que acredito, uma vez mais,
boa parte delas se revelou em sua pureza, pelo que sou grato.
Jamais foi meu fulgor tão brilhante,
nunca fui tão livre.

A escuridão imensa se aproxima de mim.
Posso olhar para o mundo
calma e serenamente, agora.
Ergo a cabeça de meu trabalho e olho em volta,
de súbito emerge do passado
uma palavra
um cheiro
um aceno de mão.

A palavra é amiga,
o cheiro maravilhoso,
quem me acena a mão é meu amor.
O que a memória evoca já não me deixa triste.
Não reclamo das memórias.
Não reclamo de nada, de fato,
nem sequer de meu coração
doendo sem parar como um dente gigantesco.

A escuridão imensa se aproxima de mim.
Agora nem o orgulho do ministro nem a conversa fiada do sacristão.
Despejo taças de luz sobre a minha cabeça,
Posso olhar para o sol sem que meus olhos se deslumbrem.
E talvez, que pena,
a mentira mais astuta
já não possa me enganar.
As palavras perderam o poder de me embriagar,
nem as dos outros, nem as minhas próprias.

Assim são as coisas, minha rosa,
terrivelmente a morte se aproxima de mim.
O mundo, mais belo do que nunca, o mundo.
O mundo era minha roupa de baixo, minhas vestes,
Comecei a me despir.
Eu era a janela de um trem,
agora sou a estação.
Eu era a parte interna da casa,
agora sou sua porta aberta.
Amo em dobro os convidados.
E o calor está mais amarelo do que nunca
a neve mais pura do que jamais foi.

Trad.: Pedro Gonzaga

Son Otobüs

Gece yarısı.Son otobüs.
Biletçi kesti bileti.
beni ne bir kara haber bekliyor evde,
ne rakı ziyafeti.
Beni ayrılık bekliyor.
Yürüyorum ayrılığa korkusuz ve kedersiz.

İyice yaklaştı bana büyük karanlık.
Dünyayı telaşsız, rahat seyredebiliyorum artık
Artık şaşırtmıyor beni dostun kahpeliği,
elimi sıkarken sapladığı bıçak.
Nafile, artık kışkırtamıyor beni düşman.
Geçtim putların ormanından baltalayarak
nede kolay yıkılıyorlardı.
Yeniden vurdum mihenge inandığım şeyleri,
çoğu katkısız çıktı çok şükür.
Ne böylesine pırıl pırıl olmuşluğum vardı,
ne böylesine hür.

İyice yaklaştı bana büyük karanlık.
Dünyayı telaşsız, rahat seyredebiliyorum artık.
Bakınıyorum başımı kaldırıp işten,
karşıma çıkıveriyor geçmişten
bir söz
bir konu
bir el işareti.

Söz dostça
koku güzel,
el eden sevgilim.
Kederlendirmiyor artık beni hatıraların daveti
hatıralardan şikayetçi değilim.
Hiçbir şeyden şikayetim yok zaten,
yüreğimin durup dinlenmeden
kocaman bir diş gibi ağrımasından bile.

İyice yaklaştı bana büyük karanlık.
Artık ne kibri nazırın, ne katibin şakşağı.
Tas tas ışık döküyorum başımdan aşağı,
güneşe bakabiliyorum gözüm kamaşmadan.
Ve belki, ne yazık,
hatta en güzel yalan
beni kandıramıyor artık.
Artık söz sarhoş edemiyor beni,
ne başkasının ki, nede kendiminki.

İşte böyle gülüm,
iyice yaklaştı bana ölüm.
Dünya, her zamankinden güzel, dünya.
Dünya, iç çamaşırlarım, elbisemdi,
başladım soyunmağa.
Bir tren penceresiydim,
bir istasyonum şimdi.
Evin içerisiydim,
şimdi kapısıyım kilitsiz.
Bir kat daha seviyorum konukları.
Ve sıcak her zamankisinden sarı,
kar her zamankinden temiz.

Daniel Faria – Infância

e jogava o pião com Deus
enquanto minha mãe estendia roupa
e o meu pai mendigava o pão

e minha alegria nesse tempo
era muito próxima da dos meninos
e de Deus que ganhava sempre

e não sei quem perdi primeiro:
           o pião ou Deus
apenas sei que Deus continua
a jogar com outros meninos

e que no Outono quando saio à praça
nos sentamos e falamos muito
do suave rodopiar das folhas

Sophia de Mello Breyner Andresen – Não te esqueças nunca

Não te esqueças nunca de Thasos nem de Egina
O pinhal a coluna a veemência divina
O templo o teatro o rolar de uma pinha
O ar cheirava a mel e a pedra a resina
Na estátua morava tua nudez marinha
Sob o sol azul e a veemência divina

Não esqueças nunca Treblinka e Hiroshima
O horror o terror a suprema ignomínia

Luis Alberto de Cuenca – O véu protetor

Amanheceu e nós estávamos dentro
da vil realidade, o que não pode
ser bom. Melhor seria que passassem
logo as horas inúteis em que o dia
proscreve a aventura com as normas
do tédio laboral, e que voltassem
a noite e as suas estrelas a envolver-nos
no seu véu fantástico e a dar-nos
a inútil sensação de estarmos vivos.

Trad.: Miguel Filipe Mochila

Yehuda Amichai – 1924

Nasci em 1924. Se eu fosse um violino da minha idade
não seria dos melhores. Como vinho seria um cinco estrelas
ou vinagre. Como cachorro estaria morto. Como um livro
estaria me tornando caro, ou estaria abandonado num sebo qualquer.
Como uma floresta eu seria jovem; como uma máquina, ridículo.
Como uma criatura humana, estou cansado, muito cansado.

Nasci em 1924. Quando penso em criaturas humanas,
vejo apenas as que nasceram no ano em que nasci,
cujas mães trabalharam lado a lado com a minha
onde quer que estivessem, em hospitais ou casas escuras.

Hoje, no meu aniversário, gostaria de recitar
uma prece solene para vocês
cujas vidas já se curvaram sob o peso
das esperanças e das frustrações,
cujos feitos se apequenam, e cujos deuses se multiplicam –
vocês são todos irmãos da minha fé, companheiros
de meu desespero.

talvez vocês encontrem a paz duradoura,
os vivos em suas vidas, os mortos
em estarem mortos.

E quem quer que lembre melhor de sua infância
é o vencedor,
se é que há vencedores.

Trad. Pedro Gonzaga.

https://poesiaemcasa.wordpress.com/2012/02/24/1924-yehuda-amichai/

Walt Whitman – Pleno de vida agora

Pleno de vida agora, consistente, visível,
Eu, quarenta anos vividos, no ano oitenta e três anos dos Estados,
Ao homem que viva daqui a um século, ou dentro de quantos séculos for,
A ti, que ainda não nasceste, dirijo este canto.
Quando leias isto, eu, que agora sou visível, terei me tornado invisível,
Enquanto tu serás consistente e visível, e darás realidade a meus poemas, voltando-te para mim,
Imaginando como seria bom se eu pudesse estar contigo e ser teu camarada:
Faz de conta que eu estou contigo. (E não o duvides muito, porque eu estou aí nesse momento.)

Trad.: Ferreira Gullar

Full of life now

Full of life now, compact, visible,
I, forty years old the eighty-third year of the States,
To one a century hence or any number of centuries hence,
To you yet unborn these, seeking you.
When you read these I that was visible am become invisible,
Now it is you, compact, visible, realizing my poems, seeking me,
Fancying how happy you were if I could be with you and become your comrade;
Be it as if I were with you. (Be not too certain but I am now with you.)

Miguel-Manso – No número de outubro da revista Wire

frente ao fotógrafo e ao leitor
o homem envelhecido parece que já não olha
Mitra o deus sol dos psicadélicos

noutra foto
no interior da revista o poeta está sentado
a uma pequena mesa de frente para a janela
onde as cortinas brancas filtram
a luz e o ruído da rua

sentado na cadeira de rodas
ele espera dentro da claridade
delicada da manhã

e depois durante a noite

assiste ao que resta do mundo
junto à máquina (a soft machine) de escrever
pousada no tampo (eu ia escrever
no tempo) da mesa

não sei se caem pétalas dentro
do olhar de Robert Wyatt não sei o que escreve
agora na tábua das constelações

essa realidade desabitada dos versos
e dos jardins

Andreia C. Faria – San Cibrán de Las

Ainda aos sábados os homens passeiam
pelo que resta das muralhas
e as mulheres procuram vestígios –
os pulsos nus, a canteira e a nascente de água,
a paciência necessária a quem se alimentava desse pão

É também este o meu plano para a velhice:
ervas de que não sei o nome, a ruína interior
de uma casa, animais que serão meus iguais

Em noite de São João vêem-se as estrelas cadentes
se a luz das estradas não contaminam o céu
No chão deste recinto estão as brasas
apagadas dos cigarros, excrementos e latas de cerveja
são as nossas constelações

Gonçalo M. Tavares – uma síntese disto tudo

é porque existe o desejo, o olfato, e o medo,
e os vivos apaixonam-se por outros vivos,
e lembram-se, por vezes, do enorme número de mortos,
e dentro destes há alguns que os fazem desligar a luz e o trabalho,
e o quotidiano aí já não basta,
porque o coração tem em certos dias um orçamento incomportável

E não basta então a mulher que amamos,
nem os filhos
– os que nos vão sobrevive no tempo –
e é preciso sair, e não basta sair para a rua e correr,
é preciso sair dos ossos,
fugir do obrigatório, à casa,
encontrar dentro dos bolsos o bocado de uma carta, de um mapa,
fragmento que possa reconstruir o caminho para a casa da infância
onde Deus era chocolate e o resolvíamos
assim, de uma vez, porque o comíamos

Porque mais tarde crescemos e ganhamos
dinheiro, família, e alguns outros assuntos,
mas perdemos qualquer coisa de que é impossível falar,
de que não sabemos falar.

E é preciso isso tudo,
e por quase tudo o que faltou dizer,
é por isso que é bom, por vezes,
suspender a noite e o coração,
e obrigar o cérebro à paragem surpreendente.

E é por isso que é bom, por vezes,
ocuparmos o corpo no ato de sentar,
e pedir, então, à arte, à literatura, ao teatro,
que nos salve,
por enquanto,
antes de morrermos.

Aqui: http://encontradordebelezas.blogspot.com/2011/03/uma-sintese-disto-tudo-salvacao-e.html