Jorge Valdés Díaz-Vélez – Xochiquetzal

Xochiquetzal1

(Homenagem a Chuang-Tzu2)

Ontem sonhei contigo. Vestias uma
gabardine de pele, e por baixo nada.
Era outono e estavas ensopada
pela chuva; caminhavas em alguma

gare de Madrid indo para lugar
nenhum. Estancavas ocasionalmente
teus passos para sentires transluzente
tua pele resplandecer ao luar

de um espelho invisível em que havia
um homem que sonhava com uma mulher
e uma mulher seminua e bonita,

molhada de orvalho. Mas eu, todavia,
ainda pareço olhar-te suster
o fixo olhar daquela borboleta.

Trad.: Nelson Santander

N. do T.:

1. Segundo este site, Xochiquetzal “é a representação do arquétipo da mulher jovem em pleno vigor sexual. É a divinização da amante, uma deusa essencialmente feminina e seu âmbito é o amor, a volúpia, a sensualidade, o desejo sexual e o prazer em geral.” Mas Xochiquetzal é também uma espécie de borboleta, a Mariposa Cometa Xochiquetzal (Pterourus multicaudata), nativa da América do Norte, muito bonita por seu tamanho e coloração amarela tigrada. No poema, o substantivo próprio pode ser compreendido em ambas as acepções.

2. O poema homenageia o grande mestre taoísta Chuang-Tzu que teria formulado o famoso argumento do sonho, que pode ser assim resumido: depois de caminhar muito durante o dia, Chuang-Tzu adormeceu debaixo de uma amoreira e, em um sono profundo, sonhou ser uma borboleta que passeava pelos lugares que ele acabara de percorrer. Quando acordou, todavia, propôs para si o seguinte dilema filosófico: “Quem sou eu? Sou Chuang-Tzu que sonhou ser uma borboleta ou sou uma borboleta sonhando que se transformou em Chuang-Tzu?” O texto é interpretado, em termos filosóficos, como uma parábola para o seguinte questionamento: o que é realidade e o que é ilusão?

Xochiquetzal

(Homenaje a Chuang-Tzu)

Anoche te soñé. Llevabas una
gabardina de piel, y abajo nada.
Era otoño y estabas empapada
de lluvia; caminabas en alguna

estación de Madrid hacia ninguna
parte. Detenías tus pasos cada
tanto para sentir azafranada
tu piel resplandecer ante la luna

de un espejo invisible donde había
un hombre que soñaba una mujer
y una mujer semidesnuda, hermosa,

mojada en el orvallo. Todavía
me parece mirarte sostener
la mirada de aquella mariposa.

Jorge Valdés Días-Vélez – Pro nobis

Pro nobis

                                        para José Emilio Pacheco


Uma vez mais, abriu o Averno suas mandíbulas escaldantes.
Assomam os pesadelos e o terror da morte
se o sono o invade e se transforma em chama negra,
se, ao dormir, o levam até ele, ao lagar
luxurioso dos demônios. O menino, mudo,
contempla sua silhueta e chora. Na escuridão 
de sua cama ele se sabe mau se não reza
e não implora o perdão do Espírito Santo
pelos remorsos que o próprio Diabo fomenta.
Por todos os seus pecados pede misericórdia
e diz suas orações, repetidamente,
rogando por sua alma enlameada e pela indigna
vizinha de sua rua que beija seus cílios
toda vez que olha para ele; por sua prima Rebeca
com quinze anos completados às margens de uns peitos
de mel e de serpente; por sua irmã, que guarda
revistas de pin-ups no fundo de seu guarda-roupas;
pelas meninas de sua sala de aula que cheiram a jasmim
e a densa primavera, por todas as atrizes
que torturam seu espírito nas tardes de sábado
depois do catecismo. Por sua grande culpa,
tão somente por sua culpa, pede perdão mil vezes,
até que chega o sono narcótico e ele se perde
naquelas miragens que experimenta em sua própria carne
e em nome do Amor que feriu ao jurar em falso.

Trad.: Nelson Santander
Pro nobis

                                        para José Emilio Pacheco

De nuevo abrió sus fauces calientes el Averno.
Vienen las pesadillas y el terror a morir
si el sueño al invadirlo se vuelve flama negra,
si al dormir se lo llevan a él, al lujurioso
lagar de los demonios. El niño enmudecido
contempla su silueta y llora. En la oscuridad
de su cama se sabe maligno si no reza
y no implora el perdón del Espíritu Santo
por los remordimientos que atiza el mismo Diablo.
Por todos sus pecados pide misericordia
y dice sus oraciones, otra vez y otra,
rogando por su alma enlodada y por la indigna
vecina de su calle que besa sus pestañas
cada vez que le mira; por su prima Rebeca
con quince años cumplidos a orillas de unos pechos
de miel y de serpiente; por su hermana, que guarda
revistas de pin-ups al fondo de su armario;
por las chicas del aula olorosas a jazmín
y a densa primavera, por todas las actrices
que torturan su espíritu la tarde de los sábados
después del catecismo. Por su culpa grandísima,
tan sólo por su culpa dice perdón mil veces,
hasta que llega el sueño narcótico y se pierde
en esos espejismos que vive en carne propia
y en nombre del Amor que hirió al jurar en vano.

Jorge Valdés Díaz-Vélez – Polaroide

Polaroide

para Eugenio Montejo

São sete contra a parede, em pé, e um sentado.
Mal conservam os traços desbotados
pelos anos. Os rostos resistem ao desgaste,
embora já não possuam as cores vivas
que ontem os distinguiram. Entre livros e taças,
os olhares sorridentes, as mãos dadas
celebrando a vida na prata e gelatina*
se apagam na sépia de sua jovem promessa.
No verso da foto estão escritos a data,
os nomes e o local desse encontro. Fomos
ao lançamento do livro de um dos amigos
que aparece na polaroide olhando para o vazio.
Depois houve a festa e mais tarde o acidente
nos levou ao cemitério. Dissemos em voz alta
os seus poemas. Os sete contra a parede, em pé,
um lia. Todos ainda nos lembramos dele
e quase que por hábito visito-o levando
girassóis. Todos envelhecemos,
menos ele, ali de olhos fixos. Ele nos olha
de seus 20 anos, que são os anos de sua ausência,
com olhos infinitos voltados para a câmera,
um verão após o outro, embora comece
a degradar seu tom alaranjado no duro
papel-cartão da fotografia.

Trad.: Nelson Santander

N. do T.: neste verso, o poema parece apresentar um interessante jogo de palavras. O poema descreve a torrente de sensações e lembranças que acomete o eu-lírico do poeta diante de uma velha fotografia. Ora, o filme fotográfico “utilizado em fotografia, é constituído por uma base plástica, (…) sobre a qual é depositada uma emulsão fotográfica. Esta é formada por uma fina camada de gelatina que contém cristais de sais de prata sensíveis à luz que chega a ela através da lente da câmera” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Filme_fotogr%C3%A1fico). Por outro lado, o substantivo “plata” significa também moedas de prata e, por extensão, dinheiro. Assim, o verso tanto pode estar-se referindo à fotografia em si quanto ao conteúdo dela: um grupo de jovens amigos bem sucedidos e bem alimentados celebrando a vida em um passado indeterminado.

Polaroid

para Eugenio Montejo

Son siete contra el muro, de pie, y uno sentado.
Apenas si conservan los rasgos desleídos
por los años. Las caras resisten su desgaste,
aunque ya no posean los nítidos colores
que ayer las distinguieron. Entre libros y copas,
las miradas sonrientes, las manos enlazadas
celebrando la vida de plata y gelatina
se borran en el sepia de su joven promesa.
Por detrás de la foto están escritos la fecha,
los nombres y el lugar de aquel encuentro. Fuimos
a presentar el libro de uno de los amigos
que aparece en la polaroid viendo hacia el vacío.
Después se hizo la fiesta y más tarde el accidente
nos llevó al cementerio. Dijimos en voz alta
sus poemas. Los siete contra el muro, de pie,
uno leía. Todos aún lo recordamos
y casi por costumbre le voy a visitar
con girasoles. Todos hemos envejecido
menos él, ahí en la vista fija. Nos mira
desde sus 20 años, que son los de su ausencia,
con ojos infinitos de frente hacia la cámara,
llevándose un verano tras otro, aunque comience
a degradar su tono naranja sobre el duro
cartón de la fotografía.

Jorge Valdés Díaz-Vélez – As flores do mall

As jovens deusas, noturnas
aparições (roupas escuras,
prata queimando seus umbigos)
na cadência da pista,
começam a desbotar
com a premência dos anos,
os problemas, talvez os filhos
que ainda não têm. Olham
agora para os teus olhos com claro
desprezo (já tens quarenta)
e pensas em certas palavras
de Baudelaire que lhes darias
como se fossem teus frutos
(se ao menos se aproximassem), se
soubessem quem foi o poeta.
Mas elas dançam, te rodeiam
sem importar-lhes o que calas.
Envelhecendo sós, saltam
sobre teus textos (tão perpétuos
e frágeis), novas deidades,
elas, que dançam retiradas
de teu vaso de Lladró.

Trad.: Nelson Santander

* N. do T.: o título do poema faz, evidentemente, um trocadilho com o título da obra mais aclamada de Charles Baudelaire (mencionado no poema), Les Fleurs du mal, traduzido no Brasil literalmente como “As Flores do Mal”. Em países da língua espanhola, a palavra inglesa Mall foi devidamente assimilada, o que não ocorreu no Brasil, em que Mall virou Shopping Center – ou apenas Shopping -, Centro Comercial, etc.. Tratando-se de um trocadilho, s.m.j., irrecuperável em português, optei por manter o substantivo em inglês, justamente para não perder o efeito acridoce que a sua utilização empresta ao título.

Las flores del Mall

Las jóvenes diosas, nocturnas
apariciones (ropa oscura,
plata quemando sus ombligos)
en la cadencia de la pista,
comenzarán a despintarse
con la premura de los años,
los problemas, quizá los hijos
que no tienen aún. Ahora
miran tus ojos con un claro
desprecio (ya tienes cuarenta)
y piensas en ciertas palabras
de Baudelaire que les darías
como si fueran frutas tuyas
(si al menos se acercaran), si
supieran quién es el poeta.
Pero ellas danzan, te rodean
sin importarles lo que callas.
Envejeciendo solas, brincan
sobre tus textos (tan perpetuas
y frágiles), deidades nuevas,
ellas, que bailan retiradas
de tu florero de Lladró.

Jorge Valdés Díaz-Vélez – A última vez de Casanova

Giacomo se envolve no crepúsculo do Florian

Perguntas-me, Lesbia, quantos dos teus beijos
seriam suficientes para me satisfazer.
Catulo

Enquanto beijo tua boca, doce
donzela na conquista, mordo
as comissuras de tua mãe
e os lábios que tuas irmãs
cedem ao peso do desejo;
beijo as próximas mulheres
distantes e ainda desconhecidas
por minha cobiça, aquelas
que um dia serão tu em outra
tu, que agora pressionas meus lábios
contra tua máscara de névoa,
e abres o negro veludo
onde minha angústia deposita,
com um grito úmido e abafado,
o rubi do meu coração
fumegante ao pé de teu reflexo.

Trad.: Nelson Santander

La última vez de Casanova

Giacomo se envuelve en el crepúsculo del Florian

Me preguntas cuántos besos tuyos, Lesbia,
me bastarían para estar satisfecho.
Cátulo

Mientras beso tu boca, dulce
doncella en la conquista, muerdo
las comisuras de tu madre
y los labios que tus hermanas
ceden al peso del deseo;
beso a las próximas mujeres
lejanas y desconocidas
aún por mi codicia, aquellas
que algún día serán tú en otra
tú, que ahora oprimes mis labios
contra tu máscara de niebla,
y abres el negro terciopelo
donde mi angustia deposita,
con un grito húmedo y sordo,
el rubí de mi corazón
humeante al pie de tu reflejo.

Jorge Valdés Díaz-Vélez – Matzhevá

/   Em um livro do meu pai, leio
a frase: «A ti, que me lês».
É o título de uma elegia
escrita há dois séculos, ou um sopro
de solitude que se elevou
ao leitor imaginário de 
fora dos círculos do tempo.
Essa linha guarda em cada sílaba
a fresca impressão de sua veemência:
ser uma semente indócil em algum dia
limítrofe ao de agora, garrafa
de aflição lançada por alguém
como qualquer um de nós.
É, junto com a tarde, um epitáfio,
um grito que vem de muito longe,
e que hoje, 29 de fevereiro
de 2000, faz estremecer minhas mãos.
Invoco-a em voz baixa, e ela me ilumina
como uma prece no cativeiro;
pronuncio-a a quem estiver me ouvindo
virar esta página com frio.

Trad.: Nelson Santander

Matzhevá

   En un libro de mi padre, leo
la frase: «A ti, que me estás leyendo».
Es el título de una elegía
escrita hace dos siglos, o un hálito
de la soledumbre que ha subido
al lector imaginario desde
fuera de los círculos del tiempo.
Esa línea guarda en cada sílaba
la fresca impresión de su vehemencia:
ser semilla indócil algún día
limítrofe al de ahora, botella
de quebranto lanzada por alguien
igual a cualquiera de nosotros.
Es, junto a la tarde, un epitafio,
un grito que llega de muy lejos,
y hoy, a 29 de febrero
de 2000, estremece mis manos.
La invoco en voz baja, me ilumina
como una oración en cautiverio;
la digo a quien estuviera oyéndome
doblar esta página con frío.

Jorge Valdés Díaz-Vélez – Formas migratórias

Formas Migratórias

para Katia Alemann

Aprendemos a amar a conta-gotas
essas pequenas pausas de que se veste
o temporal para inundar a solidão
do lado de fora, o ramo entre violeta
e ocre das tardes, o murmúrio
semântico do céu. Nesta ordem,
temos esmaecido a distância,
a longitude sem proporção, as linhas
que se relacionam com as coisas. Curtas
lacunas de ar, esses segundos quebram
o ambíguo conceito de equilíbrio
que na água subjaz e se sustenta
como outra voz dentro do fogo.
Quando clareia e a tarde se harmoniza
em sua límpida explosão em camadas,
aprendemos os mínimos rumores
de onde irrompem cinzas desmemórias.
Com eles, construímos este quarto
saturado de música e de vítreos
aromas de jasmim ou desconhecidos.
Conceitos e raízes que se aglomeram
e edificam uma oval sonora,
um ponto de chegada, outro pretexto
condenado a apalpar nossa garganta
para ouvir-nos dizer: amo esta chuva
quando ela cessa e podemos ouvi-la
abrigar um país debaixo da terra.

Trad.: Nelson Santander

Formas migratorias

para Katia Alemann

Aprendimos a amar a cuentagotas
esas pequeñas pausas que el chubasco
viste para inundar puertas afuera
la soledad, la rama entre violeta
y ocre de las tardes, el murmullo
semántico del cielo. En este orden
hemos desdibujado la distancia,
la longitud sin proporción, las líneas
que relacionan a las cosas. Breves
lagunas de aire, esos segundos quiebran
el ambiguo concepto de equilibrio
que en el agua subyace y se sostiene
al igual que otra voz dentro del fuego.
Cuando escampa y la tarde se armoniza
en su limpia explosión de veladuras,
aprendemos los mínimos rumores
donde irrumpen cenizas desmemorias.
Con ellos construimos este cuarto
que está lleno de música y de vítreos
aromas de jazmín o extranjería.
Nociones y raigambres que se agolpan
y edifican un óvalo sonoro,
un punto de llegada, otro pretexto
condenado a palpar nuestra garganta
para oírnos decir: amo esta lluvia
cuando cesa y podemos escucharla
recoger un país bajo la tierra.

Jorge Valdés Díaz-Vélez – A outra rosa

Ela beijou na rosa
(seu nome era um aguilhão
feminino e brutal)
a imagem de outra rosa

gravada em uma lousa
de mármore, cristalina.
A luz era mais fina
e, ao tato, tão airosa

quanto a flor que ardia
sem pausa em sua memória.
Em outro meio-dia,

a rosa era ilusória
promessa repartida;
e o beijo, a outra vida.

Trad.: Nelson Santander

La otra rosa

Ella besó en la rosa
(su nombre fue una espina
brutal y femenina)
la imagen de otra rosa

grabada en una losa
de mármol, cristalina.
La luz era más fina
y al tacto, tan hermosa

como la flor que ardía
sin pausa en su memoria.
En otro mediodía,

la rosa era ilusoria
promesa compartida;
y el beso, la otra vida.

Jorge Valdés Díaz-Vélez – Ex libris

Eu reli novamente aqueles versos
que falavam de amor e que lemos
na noite em que ardeu Troia e nos perdemos
no fundo de seus negros universos.

Ouvi em cada folha os macios
relevos de tua pele em que achamos
haver bebido ao sol em seus racemos
e ao mar que refletia em seus cicios

fartos nossa ascensão ao precipício.
Fareja-se a luz desses momentos
Ao toque de um vinco. Há um indício

por debaixo das linhas sublinhadas,
uma brisa de ti, teus dedos lentos
abertos em quinas despovoadas.

Trad.: Nelson Santander

Ex libris

He vuelto a releer aquellos versos
que hablaban del amor y que leímos
la noche que ardió Troya y nos perdimos
al fondo de sus negros universos.

He oído en cada página los tersos
acentos de tu piel donde creímos
haber bebido al sol en sus racimos
y al mar que reflejaba en sus diversos

murmullos nuestro ascenso al precipicio.
Se puede oler la luz de esos momentos
Al tacto de un doblez. Queda un indicio

debajo de las líneas subrayadas,
un hálito de ti, tus dedos lentos
abiertos en esquinas despobladas.

Jorge Valdés Días-Vélez – O olival

Não direi a oração que se pronuncia
em outras ocasiões como esta.
Eu vim para enterrar-te. E o meu silêncio
é o outro lugar para onde foste.
Porque não há mais verdade do que a tua memória
e nada a dizer que tu não saibas.
Talvez alguma imagem te restitua
a sombra original, a água de jarro
nos lábios de tua sede, talvez as flores
que incendiavam o quarto com luz pura,
a evocação teimosa de suas corolas
atrás de uma janela, entre as linhas
de Ungaretti ou Cernuda que esquecemos.
Mas tudo é real e é diferente
o ar que aqui respiro, tão fora
de tua respiração e suas raízes. Amanhã
irão ligar e com certeza
alguém dirá que não, que ainda não chegaste.
Seguirá o vale cinzento com suas oliveiras
secando ao sol como se nada
tivesse continuação, e será em vão
que perguntem por ti. Tu terás partido.

El olivar

No diré la oración que se pronuncia
en otras ocasiones como ésta.
Yo he venido a enterrarte. Y mi silencio
es el otro lugar a donde has ido.
Porque no hay más verdad que tu memoria
y nada por decir que no conozcas.
Acaso alguna imagen te devuelva
la sombra original, agua de jarro
en labios de tu sed, tal vez las flores
que incendiaban la estancia con luz pura,
la terca evocación de sus corolas
detrás de un ventanal, entre las líneas
de Ungaretti o Cernuda que olvidamos.
Pero todo es real y es diferente
el aire que respiro aquí, tan fuera
de tu aliento y sus raíces. Mañana
llamarán por teléfono y seguro
alguien dirá que no, que no has llegado.
Seguirá el valle gris con sus olivos
resecándose al sol como si nada
tuviera sucesión, y será en vano
que pregunten por ti. Tú habrás partido.