Emmanuel Santiago – Lembro-me das Madrugadas

Lembro-me das madrugadas
de Minas, quando o frio
era vidro moído na carne
e, lívido, o orvalho lustrava
o gume das estrelas, que
luziam no brilho sombrio
do céu noturno (negro veludo).

Através da neblina, em dança
imóvel e milenar, tremulava
o vulto oblíquo das montanhas.
E aquilo era tudo que eu sabia
do horizonte e suas promessas
de se espraiar em lugares, pessoas
e acontecimentos, pois o mar de Minas
é o lençol de suas sombras, o linho de sua
neblina, e suas montanhas, e suas insônias.

O tempo ainda não havia fincado
sua árvore de cadáveres na soleira
de minha porta, suas raízes de ruínas,
mas os esqueletos no armário já eram
matéria-prima da memória, desde sempre.

Lembro-me das madrugadas
de Minas, quando o frio
era fagulha na pele, e eu
era apenas um moleque
melancólico. Então, o vento
espalha aquela velha melodia
que oscila no silêncio.