Emily Jungmin Yoon – Entre o equinócio de outono e o solstício de inverno, hoje

Li um poema coreano
com o verso “Hoje você é o mais jovem
que jamais será”. Hoje sou a mais velha
que já fui. Hoje bebemos
chá de trigo sarraceno. Hoje há calor
em meu apartamento. Hoje penso
na palavra coreana chada.
Significa frio. Significa estar cheio.
Significa bater. Vestir. Hoje estamos gastos.
Hoje você veste o frio. Sua pele gelada.
Meu coração bate sob a pele. Alguém disse
que o inverno quebrou suas janelas. O calor de dentro
e o frio de fora lançaram raios através da vidraça.
Hoje meu coração veste-se de você como de cortinas. Hoje
ele se enche de você. A janela do meu quarto
está cheia de folhas prestes a cair. Chada, você diz. É chá.
Nós bebemos. Faz frio lá fora.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Between Autumn Equinox and Winter Solstice, Today

I read a Korean poem
with the line “Today you are the youngest
you will ever be.” Today I am the oldest
I have been. Today we drink
buckwheat tea. Today I have heat
in my apartment. Today I think
about the word chada in Korean.
It means cold. It means to be filled with.
It means to kickTo wear. Today we’re worn.
Today you wear the cold. Your chilled skin.
My heart kicks on my skin. Someone said
winter has broken his windows. The heat inside
and the cold outside sent lightning across glass.
Today my heart wears you like curtains. Today
it fills with you. The window in my room
is full of leaves ready to fall. Chada, you say. It’s tea.
We drink. It is cold outside.

Manuel António Pina – As vozes

A infância vem
pé ante pé
sobe as escadas
e bate à porta

– Quem é?
– É a mãe morta
– São coisas passadas
– Não é ninguém

Tantas vozes fora de nós!
E se somos nós quem está lá fora
e bate à porta? E se nos fomos embora?
E se ficamos sós?

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 12/02/2019

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Julia Hartwig – Assim será

Tudo retornará
E não será em forma de cinzas ou ruínas
tudo será como antes da extinção

à vista e em flor
Amizades não desfeitas
poços não envenenados
combates ainda repletos de esperança de êxito

Incontáveis estrelas
Uma lua desconhecida
Nós ainda ignorantes
do que pode ser realizado
e daquilo que para sempre
nos será arrebatado

Trad.: Nelson Santander, a partir da versão em espanhol vertida do polonês por Antonio Benitez Burraco e Anna Sobieska – i: “Eso volverá”, 2007; Dualidad, Antología poética; Vaso Roto, 2013, pág. 107; Tr. Antonio Benitez Burraco y Anna Sobieska

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Así será

Eso volverá
No será en forma de rescoldos ni de ruinas
todo estará como antes del exterminio

a la luz y en flor
Amistades no desavenidas
pozos no envenenados
batallas repletas aún de esperanza en la victoria

Estrellas incontables
Una luna no reconocida
Nosotros ignorantes todavía
de lo que puede cumplirse
y de lo que para siempre
nos será arrebatado

Manuel Vilas – O último Elvis

Respeita sempre a decadência das mulheres
e dos homens que amaram ou pelo menos tentaram amar
a vida e esta os chamuscou ou lhes quebrou os ossos da face,
as entranhas e as veias e o fígado e o nobre coração.
Respeita todos os sagrados e humildes naufrágios
dos seres humanos.

Respeita aqueles que se suicidaram.

Respeita aqueles que se lançaram aos oceanos.

Por favor, não fales mal deles, suplico-te de joelhos.

Ama toda essa gente, essa multidão, esse rio amarelo
da História de todos quantos foram derrotados tão injustamente,
ou tão justamente,
não importa.

Gente que acelerou em uma curva.

Gente que escondia garrafas pelos cantos de suas casas.

Gente que chorava nos parques dos subúrbios das cidades.

Gente que se envenenava com pílulas, com álcool,
com insônias aterrorizantes, com vinte horas de cama todos os
dias.

Eles tentaram, mas não conseguiram.

Gente a quem sobravam três quartos de suas pequenas
geladeiras.

Gente que não tinha com quem conversar por semanas.

Gente que não comia para não comer sozinha.

Eles são igualmente adoráveis, juro-te.

Um dia haverão de brilhar.

Nomeemos tudo o que
nos tornou seres humanos.

Para que não haja medo, nem inveja, nem maldade.

Amo, celebro e exalto todos os naufrágios
de todos os seres humanos que pisaram neste mundo.

Porque o fracasso jamais existiu,
porque o fracasso não é justo e ninguém merece fracassar,
absolutamente ninguém.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 10/02/2019

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

El último Elvis

Respeta siempre la destrucción de las mujeres
y de los hombres que amaron o intentaron, al menos, amar
la vida y esta les quemó o les rompió los huesos de la cara,
las entrañas y las venas y el hígado y el buen corazón,
respeta todos los sagrados y los más humildes hundimientos
de los seres humanos.

Respeta a quienes se suicidaron.

Respeta a quienes se arrojaron a los océanos.

No hables mal de ellos, te lo ruego, te lo pido de rodillas.

Ama a toda esa gente, esa muchedumbre, ese río amarillo
de la Historia de todos cuantos perdieron tan injustamente,
o tan justamente,
da igual.

Gente que aceleró en una curva.

Gente que escondía botellas en los rincones de su casa.

Gente que lloraba en los parques de las afueras de las ciudades.

Gente que se envenenaba con pastillas, con alcohol,
con insomnios aterradores, con veinte horas de cama todos los días.

Lo intentaron, pero no lo consiguieron.

Gente a quien le sobraba tres cuartas partes de su pequeño frigorífico.

Gente que no tenía con quién hablar semanas enteras.

Gente que no comía por no comer sola.

Son hermosos igualmente, te lo juro.

Resplandecerán un día.

Nombremos todo aquello
que nos convirtió en seres humanos.

Para que no haya miedo, ni envidia, ni maldad.

Amo, celebro, y exalto todos los hundimientos
de todos los seres humanos que pisaron este mundo.

Porque el fracaso no existió jamás,
porque no es justo el fracaso y nadie merece fracasar,
absolutamente nadie.

Dean Young – Ode às cinzas

Quando a vi mais adiante, corri dois quarteirões
gritando seu nome; depois, percebendo que não era
você, mas uma sósia assustada, continuei
correndo, gritando agora aos céus, perpetuando
sua fama e seu brilho. Desde que
fui incinerado, muitas vezes voltei a este pensamento –
o de que todas as coisas amadas são perseguidas e nunca capturadas,
mesmo enquanto dormia ao meu lado, você estava voando.
Pelo menos não se pode perder o que nunca se teve, a peneira
do eu reteve apenas alguns pedaços maiores, maxilar,
aliança de casamento, um único sonho reiterado,
um acalanto em cada elegia, descrições
do mar inscritas no deserto, sua sombrinha
quebrada, eu afirmando que poderia consertá-la.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Ash Ode

When I saw you ahead I ran two blocks
shouting your name then realizing it wasn’t
you but some alarmed pretender, I went on
running, shouting now into the sky,
continuing your fame and luster. Since I’ve
been incinerated, I’ve oft returned to this thought,
that all things loved are pursued and never caught,
even as you slept beside me you were flying off.
At least what’s never had can’t be lost, the sieve
of self stuck with just some larger chunks, jawbone,
wedding ring, a single repeated dream,
a lullaby in every elegy, descriptions
of the sea written in the desert, your broken
umbrella, me claiming I could fix it.

Walter Savage Landor – Epitáfio

Não lutei com ninguém; nada valia a lida.
Amei a natureza, e, tanto quanto, a arte;
As mãos, estas aqueci no fogo da vida
Que naufraga; estou pronto para o desate.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 09/02/2019

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Dying Speech of an Old Philosopher

I strove with none, for none was worth my strife:
Nature I loved, and, next to Nature, Art:
I warm’d both hands before the fire of Life;
It sinks; and I am ready to depart.

Warsan Shire – Feia

“Ugly”, by Anna Ginsburg

Feia

Sua filha é feia.
Ela conhece a perda de perto,
leva cidades inteiras em seu ventre.

Quando criança, parentes não a seguravam.
Ela era madeira estilhaçada e água do mar.
Diziam que ela lhes lembrava a guerra.

No seu décimo quinto aniversário, você a ensinou
a trançar o cabelo como corda
e perfumá-lo com incenso.

Você a fez gargarejar com água de rosas
e, enquanto ela engasgava, você dizia:
garotas macaanto como você não deveriam cheirar
a solidão ou vazio.

Você é a mãe dela.
Por que não a avisou,
não a amparou como um barco em ruínas
e não lhe disse que os homens não a amarão
se ela estiver coberta de continentes,
se seus dentes forem pequenas colônias,
se seu estômago for uma ilha,
se suas coxas forem fronteiras?

Que homem quer se deitar
e ver o mundo arder
em seu quarto? 

O rosto de sua filha é uma pequena rebelião,
suas mãos, uma guerra civil,
há um campo de refugiados atrás de cada orelha,
um corpo repleto de coisas feias,

mas Deus, 
o mundo não
lhe cai bem?

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Ugly

Your daughter is ugly.
She knows loss intimately,
carries whole cities in her belly.
 
As a child, relatives wouldn’t hold her.
She was splintered wood and sea water.
They said she reminded them of the war.
  
On her fifteenth birthday you taught her
how to tie her hair like rope 
and smoke it over burning frankincense.
 
You made her gargle rosewater
and while she coughed, said
macaanto girls like you shouldn’t smell
of lonely or empty.
 
You are her mother.
Why did you not warn her,
hold her like a rotting boat
and tell her that men will not love her
if she is covered in continents,
if her teeth are small colonies,
if her stomach is an island
if her thighs are borders?
 
What man wants to lay down 
and watch the world burn 
in his bedroom? 
 
Your daughter’s face is a small riot,
her hands are a civil war,
a refugee camp behind each ear,
a body littered with ugly things
 
but God, 
doesn’t she wear
the world well.

Giuseppe Ungaretti – In Memoriam

  Locvizza, 30 de setembro de 1916

Chamava-se
Moammed Sceab

Descendente
de emires de nômades
suicida
porque não tinha mais
Pátria

Amou a França
e mudou de nome

Foi Marcel
mas não era francês
e já não sabia
viver
na tenda dos seus
onde se escuta a cantilena
do Alcorão
saboreando um café

E não sabia
desatar
o canto
do seu abandono

Acompanhei-o
junto com a dona da pensão
onde vivíamos
em Paris
do número 5 da rue des Carmes
esquálido beco em declive

Descansa
no cemitério de Ivry
subúrbio que parece
sempre
em dia
de
decomposta feira

E talvez apenas eu
ainda saiba
que viveu

Trad.: Geraldo Holanda Cavalcanti

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 08/02/2019

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

In Memoria

  Locvizza il 30 settembre 1916.

Si chiamava
Moammed Sceab

Discendente
di emiri di nomadi
suicida
perché non aveva più
Patria
Amò la Francia
e mutò nome

Fu Marcel
ma non era Francese
e non sapeva più
vivere
nella tenda dei suoi
dove si ascolta la cantilena
del Corano
gustando un caffè

E non sapeva
sciogliere
il canto
del suo abbandono

L’ho accompagnato
insieme alla padrona dell’albergo
dove abitavamo
a Parigi
dal numero 5 della rue des Carmes
appassito vicolo in discesa.

Riposa
nel camposanto d’Ivry
sobborgo che pare
sempre
in una giornata
di una
decomposta fiera

E forse io solo
so ancora
che visse

Sharon Olds – Depois

Depois que o urso de 250 quilos passa por mim,
da esquerda para a direita, a apenas um metro e meio de distância,
percebo que agora começo a respirar pesadamente
no meio dos meus doze degraus — então eu me
deito na cama e ofego por um tempo.
E o tremor se intensifica, de modo que, quando estou cozinhando,
literalmente misturo alguns ingredientes às pressas,
sal e açúcar e arroz cru espalhados pelo chão.
Os equipamentos que me mantêm viva estão se deteriorando,
quando fecho a tela, vaza gel de osso sobre as teclas,
e a pele de meus antebraços pende como riachos de seda molhada.
Acho que pensei que poderia ser poupada do extremo da morte.
Em uma de suas últimas noites, meu querido1 começou a cantarolar,
canções loucas, enquanto seu cérebro se apagava — selvagens e terríveis,
mas engraçadas também, acho que pensei que talvez
vivesse mais 100 anos para descrever esses solos.
E Galway2 — talvez eu continuasse cantando para ele, já que ele não
podia mais.
Mas quando vi, na última foto, a sobrancelha de Willy
ainda arqueada como se estivesse caçando, atenta a algo distante,
um canino curvo, um cardo-mariano em sua boca,
e os lençóis amarrados em sua cintura em um
nó poderoso,
a cabeça de Willy emergindo como um encaracolado buquê de flores esbranquiçadas,
minha boca balbuciou e meus olhos jorraram
como se fossem a aquarela do jarro azul descansando em seu
lençol fúnebre
com o “Obrigado” em azul — Willy em seu cenário
de nuvens se acomodando na montanha.
Um dia, minhas lágrimas se esgotarão —
por ora, é uma honra derramá-las por Willy e Bwindi
e Galway e Charlie. E talvez, se eu tiver sorte,
Bobbie e Catherine possam me envolver para o meu dia de banho,
me cobrir com panos e me deitar
na manjedoura da terra, com Carl, e Hazel.

Trad.: Nelson Santander

N. do. T.:

1. A autora se refere ao seu parceiro por mais de duas décadas, Carl Wallman, que faleceu de câncer em 2020 e a quem é dedicada toda a parte dois da seção “Elegies”, de seu último livro, Balladz, do qual este poema foi retirado;

2. Galway Kinnell, poeta irlandês, amigo e mentor da autora, que morreu em 2014.

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

After

After the quarter-ton bear walks past me,
left to right, six feet away,
I notice that now I start breathing heavily
halfway up my dozen stairs—then I
lie on the bed and pant for a while.
And the tremor is worse, so that, when I’m cooking, I am
literally throwing a few ingredients together,
salt and sugar and raw rice on the floor around my feet.
My equipment for staying alive is wearing out,
my screen when I close it leaks bone-gel on the keys,
and the skin of my forearms hangs down in watered-silk rivulets.
I think I had thought I might be spared the extreme of dying.
On one of his last nights, my darling began caroling,
mad songs, as his brain was going—wild and terrible
but funny, too, I think I thought I might
live for 100 more years to describe those solos.
And Galway—maybe I would go on and on singing him since he no
longer could.
But when I saw, in the last portrait, Willy’s eyebrow
still cocked as if hunting, attentive to something at a distance,
one canine curved, a milk-thorn in his mouth,
and the bedlinen his body was wrapped in tied at the waist in a
powerful knot,
Willy’s head emerging as a curly off-white harvest bouquet.
My mouth warbled and my eyes poured
as if from the watercolor of the blue pitcher resting on his
winding-sheet
with the blue Thank You—Willy in his cloud
setting into the mountain.
Someday I will run out of tears—
they are honored now to be shedding for Willy and Bwindi,
and Galway and Charlie. And maybe, if I’m lucky,
Bobbie and Catherine might bundle me up for my wash-day,
wrap me in swaddling clothes and lay me
in the manger of the earth, with Carl, and Hazel.

Raymond Carver – Vocês não sabem o que é o amor (uma noite com Charles Bukowski)

Vocês não sabem o que é o amor disse Bukowski
Eu tenho 51 anos e olhem pra mim
estou apaixonado por essa garota
estou louco por ela mas ela também está
então tudo bem cara é assim que deve ser
Eu entro no sangue delas e elas não conseguem se livrar
Elas tentam de tudo pra se afastar de mim
mas no fim todas acabam voltando
Todas voltaram pra mim a não ser
aquela que eu enterrei
Por essa eu chorei
mas eu chorava fácil naquele tempo
Não me deixem partir pras bebidas pesadas
porque eu fico mau
Posso sentar aqui e beber cerveja
com vocês hippies a noite toda
Posso beber dez litros dessa cerveja
e nada isso é como água
Mas se me deixarem beber de verdade
vou começar a jogar gente pelas janelas
Vou jogar qualquer um pela janela
já fiz isso antes
Mas vocês não sabem o que é o amor
Vocês não sabem porque nunca
estiveram apaixonados é simples assim
Estou com essa garota sabe ela é bonita
Ela me chama de Bukowski
Bukowski ela diz com aquela vozinha
e eu digo O quê
Mas vocês não sabem o que é o amor
Estou dizendo o que é
mas vocês não estão ouvindo
Nenhum de vocês aqui nesse bar
reconheceria o amor se ele chegasse
e picasse vocês bem no rabo
Eu pensava que leituras de poesia eram uma vergonha
Olhe eu tenho 51 e rodei um bocado
eu sei que elas são uma vergonha
mas eu disse a mim mesmo Bukowski
passar fome é uma vergonha maior ainda
Então aí estão vocês e nada é do jeito que deveria ser
Aquele sujeiro como é mesmo o nome Galway Kinnell
eu via foto dele numa revista
Ele tem uma bela fuça
mas é um professor
Deus vocês podem imaginar
Mas vocês também são professores
e agora eu já estou insultando vocês
Não nunca ouvi falar dele
nem desse outro
São todos cupins
Talvez seja ego eu já não leio muito agora
mas essa gente que constrói
reputações com cinco ou seis livros
cupins
Bukowski ela diz
Por que você escuta música clássica o dia inteiro
Tentem ouvi-la dizendo isso
Bukowski porque você escuta música clássica o dia inteiro
Isso te surpreende não é mesmo
Você não pensaria que um bastardo tosco como eu
poderia ouvir música clássica o dia inteiro
Brahms Rachmaninoff Bartok Telemann
Merda eu nunca poderia escrever aqui
Muito silêncio árvores demais
Eu gosto da cidade lá é o meu lugar
Coloco minha música clássica toda manhã
e sento diante da minha máquina
acendo um charuto e fumo desse jeito veja
e digo Bukowski você é um cara de sorte
Bukowski você já passou por tudo
e é um cara de sorte
e a fumaça azul percorre a mesa
e pela janela eu vejo a avenida Delongpre
e observo as pessoas indo e vindo pela calçada
e trago o charuto assim
e então deixo o charuto no cinzeiro desse jeito
e respiro fundo
e começo a escrever
Bukowski isso é a vida eu digo
é bom ser pobre é bom ter hemorroidas
é bom estar apaixonado
Mas vocês não sabem como é
Vocês não sabem como é estar apaixonado
Se vocês a vissem saberiam o que estou dizendo
Ela pensou que eu vinha aqui pra transar
Ela simplesmente sabia
Merda eu tenho 51 e ela 25
e estamos apaixonados e ela é ciumenta
Deus como é bonito
ela disse que arrancaria meus olhos à unha se eu viesse aqui pra transar
Pois bem isso sim é amor
O que qualquer um de vocês pode saber
Me deixem contar uma coisa
Conheci homens na cadeia que tinham mais estilo
do que as pessoas que vadiam nas universidades
e vão a leituras de poesia
São chupadores de sangue que vêm só pra ver
se as meias do poeta estão sujas
ou se o sovaco dele cheira mal
Acreditem não vou desapontá-los
Mas quero que vocês se lembrem disso
só existe um poeta nesse bar essa noite
só um poeta nessa cidade essa noite
talvez só um poeta de verdade nesse país essa noite
e sou eu
O que qualquer um de vocês sabe sobre a vida
O que qualquer um de vocês sabe sobre sobre qualquer coisa
Quem de vocês já foi demitido de um emprego
ou bateu na sua garota
ou mesmo apanhou da sua garota
Eu fui demitido da Sears & Roebuck cinco vezes
Eles me demitiam e contratavam de novo
Eu trabalhava no estoque deles quando tinha 35
e fui em cana por roubar biscoitos
Eu sei como é eu estive lá
Agora tenho 51 anos e estou apaixonado
Essa garota ela diz
Bukowski
e eu digo O quê e ela diz
Eu acho que você é cheio de merda
e eu digo baby você me entende
Ela é a única mulher no mundo
homem ou mulher
de quem eu ouviria isso
Mas vocês não sabem o que é o amor
Todas elas acabaram voltando pra mim
cada uma delas voltou
a não ser aquela de quem falei
aquela que eu enterrei
Ficamos juntos sete anos
Bebíamos muito
Eu vejo um ou dois datilógrafos nesse bar
Não vejo nenhum poeta
E não me surpreende
Você tem que ter amado pra escrever poesia
e vocês não sabem o que é amar
esse é o problema de vocês
Me dê um pouco desse troço
Isso mesmo sem gelo
Está bom assim está ótimo
Então vamos botar esse show na estrada
Eu sei o que eu disse mas vou tomar um só
Isso é bom
Okay então vamos lá vamos acabar logo com isso
mas depois é melhor ninguém ficar perto
de uma janela aberta

Trad.: Cide Piquet

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 07/02/2019

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Raymond Carver – You don’t know what love is (an evening with Charles Bukowski)

You don’t know what love is Bukowski said
I’m 51 years old look at me
I’m in love with this young broad
I got it bad but she’s hung up too
so it’s all right man that’s the way it should be
I get in their blood and they can’t get me out
They try everything to get away from me
but they all come back in the end
They all came back to me except
the one I planted
I cried over that one
but I cried easy in those days
Don’t let me get onto the hard stuff man
I get mean then
I could sit here and drink beer
with you hippies all night
I could drink ten quarts of this beer
and nothing it’s like water
But let me get onto the hard stuff
and I’ll start throwing people out windows
I’ll throw anybody out the window
I’ve done it
But you don’t know what love is
You don’t know because you’ve never
been in love it’s that simple
I got this young broad see she’s beautiful
She calls me Bukowski
Bukowski she says in this little voice
and I say What
But you don’t know what love is
I’m telling you what it is
but you aren’t listening
There isn’t one of you in this room
would recognize love if it stepped up
and buggered you in the ass
I used to think poetry readings were a copout
Look I’m 51 years old and I’ve been around
I know they’re a copout
but I said to myself Bukowski
starving is even more of a copout
So there you are and nothing is like it should be
That fellow what’s his name Galway Kinnell
I saw his picture in a magazine
He has a handsome mug on him
but he’s a teacher
Christ can you imagine
But then you’re teachers too
here I am insulting you already
No I haven’t heard of him
or him either
They’re all termites
Maybe it’s ego I don’t read much anymore
but these people who build
reputations on five or six books
termites
Bukowski she says
Why do you listen to classical music all day
Can’t you hear her saying that
Bukowski why do you listen to classical music all day
That surprises you doesn’t it
You wouldn’t think a crude bastard like me
could listen to classical music all day
Brahms Rachmaninoff Bartok Telemann
Shit I couldn’t write up here
Too quiet up here too many trees
I like the city that’s the place for me
I put on my classical music each morning
and sit down in front of my typewriter
I light a cigar and I smoke it like this see
and I say Bukowski you’re a lucky man
Bukowski you’ve gone through it all
and you’re a lucky man
and the blue smoke drifts across the table
and I look out the window onto Delongpre Avenue
and I see people walking up and down the sidewalk
and I puff on the cigar like this
and then I lay the cigar in the ashtray like this and take a deep breath
and I begin to write
Bukowski this is the life I say
it’s good to be poor it’s good to have hemorrhoids
it’s good to be in love
But you don’t know what it’s like
You don’t know what it’s like to be in love
If you could see her you’d know what I mean
She thought I’d come up here and get laid
She just knew it
She told me she knew it
Shit I’m 51 years old and she’s 25
and we’re in love and she’s jealous
Jesus it’s beautiful
she said she’d claw my eyes out if I came up here
and got laid
Now that’s love for you
What do any of you know about it
Let me tell you something
I’ve met men in jail who had more style
than the people who hang around colleges
and go to poetry readings
They’re bloodsuckers who come to see
if the poet’s socks are dirty
or if he smells under the arms
Believe me I won’t disappoint em
But I want you to remember this
there’s only one poet in this room tonight
only one poet in this town tonight
maybe only one real poet in this country tonight
and that’s me
What do any of you know about life
What do any of you know about anything
Which of you here has been fired from a job
or else has beaten up your broad
or else has been beaten up by your broad
I was fired from Sears and Roebuck five times
They’d fire me then hire me back again
I was a stockboy for them when I was 35
and then got canned for stealing cookies
I know what’s it like I’ve been there
I’m 51 years old now and I’m in love
This little broad she says
Bukowski
and I say What and she says
I think you’re full of shit
and I say baby you understand me
She’s the only broad in the world
man or woman
I’d take that from
But you don’t know what love is
They all came back to me in the end too
every one of em came back
except that one I told you about
the one I planted We were together seven years
We used to drink a lot
I see a couple of typers in this room but
I don’t see any poets
I’m not surprised
You have to have been in love to write poetry
and you don’t know what it is to be in love
that’s your trouble
Give me some of that stuff
That’s right no ice good
That’s good that’s just fine
So let’s get this show on the road
I know what I said but I’ll have just one
That tastes good
Okay then let’s go let’s get this over with
only afterwards don’t anyone stand close
to an open window