retina
Eu, que nunca pensei deixar de ser
filha, faço agora de mãe da minha mãe
aos domingos: sou a sua muleta nos
longos corredores da casa antiga e
chego-lhe mantas aos joelhos porque
os velhos tremem em vida com o frio
da morte. Para fugir às coisas que a
entristecem, pergunto-lhe por gente
do passado, pois sei que o que sucedeu
ontem já está demasiado longe da sua
memória – e, nos dias bons, a resposta
dura a tarde inteira. Ao princípio,
a minha mãe censurava a forma como eu
ia vestida, mas já há muito tempo que não
diz nada. Pensei que tivesse finalmente
acertado com o seu gosto, ou que ela,
derrotada, tivesse desistido de me mudar.
Só depois percebi que já não me vê.