Doentes.
Nós, todos
doentes. Há tanto
doentes
todos. Nós.
Pungidos, conquanto
impunes.
Não,
não impunes.
Não
se constrói impune
a casa
sobre covas.
Não se ergue
o prédio
em grão-cemitério.
Não
sem
velar e lavar
carinhosos
e doridos
os ossos
e os dentes.
Não impunes.
Doentes
de cada gota
derramada.
Por nós
ou avós.
Os parentes
doentes
em cada gota
que corre.
A casa
abala-se. O sangue
embebe
os alicerces.
A mola
mestre afrouxa.
O reboco
despenca.
Não
se constrói
república impune
nas costas
de escravos
e depois se mente
impune, mente,
finge-se fraterno,
diz irmão,
diz irmã,
mas mente impune.
Não sente
na pele,
não cose
as costas,
não pede
perdão
e bença
a irmão, a irmã
pela construção
impune
da casa
sobre suas covas,
do prédio
sobre suas costas
em frangalhos.
Punidos
não fomos,
mas não
estamos impunes.
Estamos doentes.
Nossas costas
destrinchadas.
Entre
trincheiras.
Nossas casas
ensangüentadas.
E o Omo
não lava.
Os ossos.
E o sangue.
O Omo
não lava.
SOS
SOS
tele-
grafam os ossos.
Doentes. De cada
mãe
de pele tonalizada.
De rubro, de negro.
Cada mãe
roubada,
sequestrada
e violentada.
E morta. O Omo
não lava
os sequestros,
não desmancha
as mortes.
De mães. De filhos
doentes.
As manchas
que a família merece.
Todos
nós, uns doentes
de beber
sangue e comer
carne,
nós que moemos
gente,
todos nós
uns Pôncios Pilatos
nesta Jerusalém
infernal.
Não há Cristo
que baste.
Não há Cristo
que lave
com sangue o sangue.
Basta de lavar
o sangue com sangue.
Basta.
Doentes.
Basta a doença
já sangrada,
diagnosticada
e sem bula.
Doentes pilhamos,
pilhados e doentes.
E a aula de Pilates
não cura
os doentes,
e a aula de Yoga
não cura
os doentes,
e os ovos
orgânicos
não pagam
os ossos
orgânicos
ainda
que em cálcio.
E os docentes
não adoçam
o amargo
em
nós.
Cauterizados,
nós
calcificados.
SOS SOS
tele
-grafam os ossos.
A nós,
uns doentes,
nós,
os doentes.
*
[in memoriam Marielle Franco]