Donizete Galvão – Solitude

Juntos, em solitude.
Cada qual com sua chaga.
Cada qual com sua cruz.
Dois corpos ardentes tão próximos,
separados pela geografia
que a mágoa desenha.
Entre os braços,
interpõem-se
desertos, salinas e dunas.
O amor morreu?
Não. Condenou-se.
Soterrou-se em veios
de duro e negro minério.
Duas árvores cujas raízes
trançaram-se rumo ao fundo.
Que frutos falhos e ásperos
nessas mãos antes tão íntimas,
que, mesmo durante o sono,
permanecem bem fechadas.

Donizete Galvão – Ruminações

Nunca saí dessa roceira Minas
que nos dá aflição e dor como herança.
Lamaçal de bosta de vaca
no curral bem em frente da casa.
Cheiro de leite azedo nos latões
e de óleo queimado para expulsar bernes.
Jardins de dália e corações magoados,
chás de consolda e escaldados de quirera.
A avó socando o arroz no pilão,
preparando decoada para o sabão
ou com rodilhas para o feixe de lenha.
Compras sem um item supérfluo
anotadas nas cadernetas de armazém.
Terras tomadas por sapé e sorocaba
e vendidas para pagar promissórias.
Vidas acanhadas atrás de janelas
na cidade que não definha nem prospera.
Rancores cultivados durante anos,
as mesquinharias de parentes.
Amor ressabiado, apenas sugerido,
abraços sem calor, corpos com arestas.
Podem dar-me asas, cheques de viagem,
mandar-me para velejar em Bizâncio.
Recolho, rumino e regurgito
a as aspereza daqueles dias.
Rejeito sua rica hospedagem.
Sou um estranho em suas festas.
Nunca saí desse círculo de ferro.
Nunca saí dessa Minas que não termina.

Donizete Galvão – Não sabe

O amor que não sabe morrer
persiste no olhar do cão
abandonado que,
ao menor gesto,
abana o rabo
na espera do afago.
Está no vaso de planta
esquecido no sobrado
sem moradores.

O amor que não sabe morrer
não pretende tocar o céu.
Quer ficar aqui mesmo –
pedestre, incauto e reles.
Não ouve a ladainha dos mortos.
Nem quer a extrema-unção.