Seán Hewitt – Fantasma

i.

Despertando, quase de manhã, mas ainda
de um escuro metálico, fechado, no quarto:
um som dentro do meu sonho, apenas um lamento
no início, que depois se torna humano, um uivo
que se eleva na rua do lado de fora, fica sem resposta
e então se eleva novamente. De cueca, tremendo
junto à janela de uma só vidraça, mas não vendo ninguém
entre as sombras escuras dos carros estacionados
ou dos arbustos, eu saio seminu: mãos tremendo,
a porta da frente destrancada e depois aberta,
e junto à pilastra do alpendre, sob um cone
de luz laranja, um rapaz caído,
bêbado, soluçando como se sua vida inteira
estivesse se desatando em som.

 
ii.

E agora, eu me lembro de uma tarde,
voltando da escola, meu pai escavando
a raiz de uma conífera no jardim – eu o vi
olhar para cima, subitamente alerta, sair pelo portão do fundo
em direção ao beco atrás dos terraços, e voltar
em pânico com um menino nos braços. Eu o reconheci,
mais ou menos da minha idade, da escola, por seus dreadlocks,
suas mechas turquesas; mas agora pendendo
sob o próprio peso, seus pulsos escorrendo
sobre o jeans enlameado do meu pai e o azulejo do pátio.
Eu conhecia, mesmo então, os rumores sobre ele;
fiquei pensando, enquanto enrolávamos e atávamos lençóis rasgados
em torno de suas veias abertas, em como poderíamos compartilhar,
uma vez que a verdade fosse revelada, um vínculo, um sangue eletivo.

 
iii.

Noites mais tarde, dormi apenas pela metade, esperando
a qualquer momento ouvir de novo alguém do lado de fora,
como se o tempo pudesse ser apanhado em uma espiral,
o mesmo menino percorrendo a rota mapeada
pelas ruas escuras na mesma hora
até a minha porta. De novo, abri a janela,
e fiquei esperando para vê-lo chegar, descalço, talvez,
pelo caminho. Todas as noites, e nenhum sinal, até eu pensar
que talvez fosse só eu, ou um sonho meu,
pedindo, noite após noite, para ser recebido na soleira
e autorizado a retornar para o quarto frio de minha vida.
Mas então, para cada um de nós, uma ferida deve ser dada
ou produzida – há sempre a alma esperando
na porta do corpo, pedindo para ser solta.

Trad.: Nelson Santander

Ghost

i.

Waking, close to morning but still
a shuttered, metal dark in the room:
a sound inside my dream, only a whimper
at first, then becoming human, a howl
raised in the street outside, left unanswered
then raised again. In my boxers, shivering
by the single-paned window, but seeing no one
among the black shapes of the parked cars
or hedges, I went out half-dressed: hands shaking,
front door unlocked then pushed open,
and by the column of the porch, under a cone
of orange light, a young man slumped,
drunk, sobbing like his whole life
was unfurling into sound.

 
ii.

And now, I am reminded of one afternoon,
home from school, my father digging out
the root of a conifer in the garden – I saw him
look up, suddenly alert, leave by the back gate
into the alley behind the terraces, and return
panicked with a boy in his arms. I recognised him,
about my age, from school, by his dreadlocks,
his turquoise streak of hair; but now lolling
under his own weight, his wrists draining
over my father’s mudded jeans and the patio tiles.
I knew, even then, the rumours about him;
thought as we wrapped and pinned torn sheets
around his opened veins, how we might share,
once the truth was out, a bond, an elective blood.

 
iii.

Nights later, I only half-slept, expecting
at any moment to hear someone again outside,
as though time might be caught in a loop,
the same boy walking the mapped route
along the dark streets at the same hour
to my door. Again, I unshuttered the window,
stood waiting to see him come, barefoot, maybe,
down the path. Each night, no sign, until I thought,
perhaps, it was only me, or a dream of myself,
asking nightly to be greeted at the threshold,
allowed back into the cold room of my life.
But then, in each of us, a wound must be made
or given – there is always the soul waiting
at the door of the body, asking to be let out.