Sua filha é feia. Ela conhece a perda de perto, leva cidades inteiras em seu ventre.
Quando criança, parentes não a seguravam. Ela era madeira estilhaçada e água do mar. Diziam que ela lhes lembrava a guerra.
No seu décimo quinto aniversário, você a ensinou a trançar o cabelo como corda e perfumá-lo com incenso.
Você a fez gargarejar com água de rosas e, enquanto ela engasgava, você dizia: garotas macaanto como você não deveriam cheirar a solidão ou vazio.
Você é a mãe dela. Por que não a avisou, não a amparou como um barco em ruínas e não lhe disse que os homens não a amarão se ela estiver coberta de continentes, se seus dentes forem pequenas colônias, se seu estômago for uma ilha, se suas coxas forem fronteiras?
Que homem quer se deitar e ver o mundo arder em seu quarto?
O rosto de sua filha é uma pequena rebelião, suas mãos, uma guerra civil, há um campo de refugiados atrás de cada orelha, um corpo repleto de coisas feias,
Your daughter is ugly. She knows loss intimately, carries whole cities in her belly.
As a child, relatives wouldn’t hold her. She was splintered wood and sea water. They said she reminded them of the war.
On her fifteenth birthday you taught her how to tie her hair like rope and smoke it over burning frankincense.
You made her gargle rosewater and while she coughed, said macaanto girls like you shouldn’t smell of lonely or empty.
You are her mother. Why did you not warn her, hold her like a rotting boat and tell her that men will not love her if she is covered in continents, if her teeth are small colonies, if her stomach is an island if her thighs are borders?
What man wants to lay down and watch the world burn in his bedroom?
Your daughter’s face is a small riot, her hands are a civil war, a refugee camp behind each ear, a body littered with ugly things
Você é um corcel correndo sozinha
e ele tenta doma-la
compara você a uma autoestrada impossível
para uma casa em chamas
diz que você o está cegando
que ele nunca poderia deixar você
esquecer que você
não quer nada além de você
que você o atordoa, você é insustentável
que toda mulher antes ou depois de você
está embebida no seu nome
que você enche a boca dele
que os dentes dele doem com a memória do sabor
do seu corpo apenas uma grande sombra buscando a sua
mas que você é sempre muito intensa
assustadora no jeito que você o deseja
sem-vergonha e sacrificial
ele lhe diz que nenhum homem pode viver à altura daquele
que habita a sua cabeça
e você tentou mudar, não foi?
fechou mais a boca
tentou ser mais suave
mais bonita
menos volátil, menos desperta
mas mesmo enquanto dormia você podia senti-lo
se afastando de você em seus sonhos
então o que você queria fazer amor
abrir a cabeça dele?
você não pode fazer dos seres humanos um lar
alguém já deveria ter-lhe dito isso
e se ele quer ir embora
então deixe-o ir
você é assustadora
e estranha e bela
algo que nem todos sabem como amar.
Trad.: Nelson Santander
N. do T.: quem me apresentou esse belo poema foi minha filha, Ariadne, que “encomendou” também a sua tradução. Como eu não sou louco de dizer não para a mulher mais assustadora e estranha e bela de minha vida, eis o resultado. É seu, filha.
for women who are ‘difficult’ to love
You are a horse running alone
and he tries to tame you
compares you to an impossible highway
to a burning house
says you are blinding him
that he could never leave you
forget you
want anything but you
you dizzy him, you are unbearable
every woman before or after you
is doused in your name
you fill his mouth
his teeth ache with memory of taste
his body just a long shadow seeking yours
but you are always too intense
frightening in the way you want him
unashamed and sacrificial
he tells you that no man can live up to the one who
lives in your head
and you tried to change didn’t you?
closed your mouth more
tried to be softer
prettier
less volatile, less awake
but even when sleeping you could feel
him travelling away from you in his dreams
so what did you want to do love
split his head open?
you can’t make homes out of human beings
someone should have already told you that
and if he wants to leave
then let him leave
you are terrifying
and strange and beautiful
something not everyone knows how to love.
ninguém sai de casa a não ser que a casa seja a boca de um tubarão você só corre para a fronteira quando vê a cidade inteira correndo também
seus vizinhos correm mais rápidos do que você respiram o sangue em suas gargantas o menino com quem você ia para a escola e que a beijou atordoada atrás da velha fábrica de estanho segura uma arma maior do que o próprio corpo você só sai de casa quando a casa não deixa você ficar.
ninguém sai de casa a não ser que a casa a persiga fogo sob os seus pés sangue quente em sua barriga não é algo que você tenha planejado fazer até a lâmina queimar ameaças em seu pescoço e mesmo assim você carregou o hino silenciosamente apenas rasgando seu passaporte em um banheiro de aeroporto soluçando enquanto cada pedacinho de papel deixava claro que você não iria voltar.
você tem que entender que ninguém coloca seus filhos em um barco a menos que a água seja mais segura do que a terra ninguém queima as palmas das mãos sob trens debaixo de vagões ninguém passa dias e noites no estômago de um caminhão se alimentando de jornais a menos que as milhas percorridas signifiquem algo mais do que a jornada ninguém rasteja sob cercas ninguém quer ser espancado lamentado
ninguém escolhe campos de refugiados ou revistas íntimas em que seu corpo fica todo dolorido ou a prisão, porque a prisão é mais segura do que uma cidade de fogo e um carcereiro na noite é melhor do que um caminhão de homens que se parecem com seu pai ninguém poderia aguentar ninguém teria estômago pra isso nenhuma pele seria resistente o suficiente
vão para casa negros refugiados imigrantes imundos suplicantes de asilo sugando nosso país até seca-lo pretos com as mãos estendidas eles cheiram estranho selvagens bagunçaram seu país e agora querem bagunçar o nosso como fazem as palavras os olhares de reprovação escorrem pelas suas costas talvez porque o golpe seja mais suave do que um membro arrancado
ou as palavras sejam mais ternas do que quatorze homens entre suas pernas ou os insultos sejam mais fáceis de engolir do que cascalho do que osso do que o corpo do seu filho em pedaços. eu quero ir para casa, mas a casa é a boca de um tubarão a casa é o cano da arma e ninguém deixaria sua casa a menos que a casa persiga você até a costa a menos que a casa mande você acelerar seus passos deixar suas roupas para trás rastejar através do deserto vagar pelos oceanos afogar-se salvar-se passar fome implorar esquecer o orgulho sua sobrevivência é mais importante
ninguém sai de casa até que a casa seja uma voz suada em seu ouvido dizendo – vá embora, fuja de mim agora eu não sei o que me tornei mas sei que qualquer lugar é mais seguro do que aqui
Trad.: Nelson Santander
Home
no one leaves home unless home is the mouth of a shark you only run for the border when you see the whole city running as well
your neighbors running faster than you breath bloody in their throats the boy you went to school with who kissed you dizzy behind the old tin factory is holding a gun bigger than his body you only leave home when home won’t let you stay
no one leaves home unless home chases you fire under feet hot blood in your belly it’s not something you ever thought of doing until the blade burnt threats into your neck and even then you carried the anthem under your breath only tearing up your passport in an airport toilets sobbing as each mouthful of paper made it clear that you wouldn’t be going back
you have to understand, that no one puts their children in a boat unless the water is safer than the land no one burns their palms under trains beneath carriages no one spends days and nights in the stomach of a truck feeding on newspaper unless the miles travelled means something more than journey. no one crawls under fences no one wants to be beaten pitied
no one chooses refugee camps or strip searches where your body is left aching or prison, because prison is safer than a city of fire and one prison guard in the night is better than a truckload of men who look like your father no one could take it no one could stomach it no one skin would be tough enough
the go home blacks refugees dirty immigrants asylum seekers sucking our country dry niggers with their hands out they smell strange savage messed up their country and now they want to mess ours up how do the words the dirty looks roll off your backs maybe because the blow is softer than a limb torn off
or the words are more tender than fourteen men between your legs or the insults are easier to swallow than rubble than bone than your child body in pieces. i want to go home, but home is the mouth of a shark home is the barrel of the gun and no one would leave home unless home chased you to the shore unless home told you to quicken your legs leave your clothes behind crawl through the desert wade through the oceans drown save be hunger beg forget pride your survival is more important
no one leaves home until home is a sweaty voice in your ear saying- leave, run away from me now i dont know what i’ve become but i know that anywhere is safer than here