Charles Simic – Igreja de madeira

É só uma choupana fechada com uma torre
Sob o céu de um verão escaldante
Em uma estrada secundária percorrida raramente
Onde as sombras de árvores grandes
Roçam-se tranquilamente como forcas enfileiradas,
E corvos privados de carniça
Grasnam uns com os outros sobre dias melhores.

A congregação talvez ainda esteja em oração.
Das fotos salpicadas, famílias de fazendeiros
Enfileiradas com suas cabeças inclinadas
Como se ouvissem seus passos se aproximando.
Tão lentamente que você deve estar se perguntando
Como é que estamos aqui num minuto
E, no seguinte, desaparecemos para sempre?

Experimente a porta fechada e bata uma vez.
Os corvos ficarão fora de visão.
Acima de você, o campanário inclinado
Ainda sentindo o impacto da última tormenta.
E depois o silêncio da tarde…
Mesmo o descrente deve sentir a sua força.

Trad.: Nelson Santander

Wooden Church

It’s just a boarded-up shack with a tower
Under the blazing summer sky
On a back road seldom travelled
Where the shadows of tall trees
Graze peacefully like a row of gallows,
And crows with no carrion in sight
Caw to each other of better days.

The congregation may still be at prayer.
Farm folk from fly-specked photos
Standing in rows with their heads bowed
As if listening to your approaching steps.
So slow they are, you must be asking yourself
How come we are here one minute
And in the very next gone for ever?

Try the locked door, then knock once.
The crows will stay out of sight.
High above you, there is the leaning belfry
Still feeling the blow of the last storm.
And then the silence of the afternoon . . .
Even the unbeliever must feel its force.

Ada Limón – Mar aberto

Não adianta enganar e tramar e perder
os outros fantasmas, empurrar o sepultado mais fundo
no lodo arenoso, na lama ribeirinha, pois mesmo assim você vem,
minha fiel, o som de um corpo tão persistente
na água que eu não sei dizer se é uma onda ou você
movendo-se através das ondas. Um mês antes de morrer
você escreveu uma carta aos velhos amigos dizendo que nadou
com um grupo de golfinhos em mar aberto, despedindo-se,
mas o que você mais falou foi sobre o olho.
Aquele enorme olho inquisitivo de um peixe desconhecido
que passou por você durante o derradeiro mergulho desafiador.
Na costa, você descreveu o peixe como nada que
já tivesse visto antes, um colosso azul-acinzentado se movendo lenta
e pacientemente nas profundas e insondáveis
águas do Pacífico Norte. Naquela noite, eu ouvi mais
sobre aquele peixe e aquele olho do que qualquer outra coisa.
Não sei por que isso me ocorreu essa manhã.
Chuva morna e sem saída para o mar, eu não sou digna da imagem.
Mas não consigo deixar de pensar que algo a viu, algo
deu testemunho de você lá fora no oceano
onde você não era a mãe nem a esposa de ninguém,
mas você em sua pele original, pouco antes de morrer,
sendo observada, e hoje contigo em minha cozinha
agora que dez anos se passaram, eu fiquei tão feliz por você.

Trad.: Nelson Santander

Open water

It does no good to trick and weave and lose
the other ghosts, to shove the buried deeper
into the sandy loam, the riverine silt, still you come,
my faithful one, the sound of a body so persistent
in water I cannot tell if it is a wave or you
moving through waves. A month before you died
you wrote a letter to old friends saying you swam
with a pod of dolphins in open water, saying goodbye,
but what you told me most about was the eye.
That enormous reckoning eye of an unknown fish
that passed you during that last–ditch defiant swim.
On the shore, you described the fish as nothing
you’d seen before, a blue–gray behemoth moving slowly
and enduringly through its deep fathomless
North Pacific waters. That night, I heard more
about that fish and that eye than anything else.
I don’t know why it has come to me this morning.
Warm rain and landlocked, I don’t deserve the image.
But I keep thinking how something saw you, something
was bearing witness to you out there in the ocean
where you were no one’s mother, and no one’s wife,
but you in your original skin, right before you died,
you were beheld, and today in my kitchen with you
now ten years gone, I was so happy for you.

Maggie Smith – Boa estrutura

A vida é breve, embora eu esconda isso dos meus filhos.
A vida é breve, e eu abreviei a minha
de mil maneiras deliciosas e imprudentes,
mil maneiras deliciosamente imprudentes
que esconderei dos meus filhos. O mundo é pelo menos
cinquenta por cento terrível, e esta é uma estimativa
conservadora, embora eu esconda isso dos meus filhos.
Para cada pássaro, há uma pedra atirada contra outro.
Para cada criança amada, há uma destroçada, ensacada,
mergulhada em um lago. A vida é breve e o mundo
é pelo menos meio terrível, e para cada estranho
gentil há um que irá quebrar você, embora eu esconda
isso dos meus filhos. Estou tentando vender o mundo para eles
E qualquer corretor de imóveis que se preze,
conduzindo-o através de um verdadeiro pardieiro, chilreia
sobre sua boa estrutura: este lugar poderia ser maravilhoso,
não é mesmo? Você poderia tornar este lugar maravilhoso.

Trad.: Nelson Santander

Good bones

Life is short, though I keep this from my children.
Life is short, and I’ve shortened mine
in a thousand delicious, ill-advised ways,
a thousand deliciously ill-advised ways
I’ll keep from my children. The world is at least
fifty percent terrible, and that’s a conservative
estimate, though I keep this from my children.
For every bird there is a stone thrown at a bird.
For every loved child, a child broken, bagged,
sunk in a lake. Life is short and the world
is at least half terrible, and for every kind
stranger, there is one who would break you,
though I keep this from my children. I am trying
to sell them the world. Any decent realtor,
walking you through a real shithole, chirps on
about good bones: This place could be beautiful,
right? You could make this place beautiful.

Stephen Dobyns – Percepções

O terrível desequilíbrio que ocorre com a idade
quando você de repente vê que, de suas amizades,

mais morreram do que restaram vivos. E que ocasionalmente
suas lembranças são tão reais que a morte mais recente

pode-se tornar uma segunda morte menor. Todas
aquelas conversas no meio de uma frase cessadas.

Todos aqueles planos atirados na lixeira. O que
você pode fazer a não ser, quando anoitece,

sentar-se na varanda? A última luz do dia recobre
de vermelho as folhas da enseada de cobre.

Trad.: Nelson Santander

Recognitions

The awful imbalance that occurs with age
when you suddenly see that more friends

have died, than remain alive. And at times
their memory seems so real that the latest

realization of a death can become a second,
smaller death. All those talks cut off in midsentence.

All those plans tossed in the trash.
What can you do but sit out on the porch

when evening comes? The day’s last light
reddens the leaves of the copper beach.

Richard Brautigan – Buu, para sempre

Girando como um fantasma
na base de um
     pião,
sou assombrado por todo
espaço em que
vou viver sem
     você.

Trad.: Nelson Santander

Boo, Forever

Spinning like a ghost
on the bottom of a
     top,
I’m haunted by all
the space that I
will live without
     you.

Daniel Jonas – Ossétia

Ou como uma foto de Karpukhin
a Madonna ampara com o braço um
dos lados do triângulo
e deixa um derradeiro beijo escorrer por ele
até à cabeça morta
do seu menino no catre.

Uma cena difícil: a contenção
das sombras, do chiaroscuro,
o profundo luto quando a luta
cedeu a sua luz.

De preto ela
emoldurando a palidez do seu querido,
o crânio envolto numa ligadura,
halo de mártires.

O inconsolável.

O fotojornalismo
tem fortes influências da renascença.
Algo de terror.
Algo de Leonardo.

W. S. Merwin – Juventude

Durante toda a juventude estive procurando por você
sem saber o que eu procurava

ou de como chama-la acho que eu nem
mesmo sabia o que estava procurando como

poderia reconhece-la quando a visse como fiz
vezes sem conta quando você apareceu para mim

como apareceu nua oferecendo-se
inteiramente naquele momento e deixou-

me respira-la toca-la prova-la sabendo
não mais do que eu sabia e somente quando

comecei a pensar em perde-la é que eu a
reconheci quando você já era

parte lembrança parte a distância que resta
minha nas maneiras em que aprendi a sentir sua falta

do que não conseguimos reter as estrelas são feitas

Trad.: Nelson Santander

Youth

Through all of youth I was looking for you
without knowing what I was looking for

or what to call you I think I did not
even know I was looking how would I

have known you when I saw you as I did
time after time when you appeared to me

as you did naked offering yourself
entirely at that moment and you let

me breathe you touch you taste you knowing
no more than I did and only when I

began to think of losing you did I
recognize you when you were already

part memory part distance remaining
mine in the ways that I learn to miss you

from what we cannot hold the stars are made

Jane Kenyon – A pera

Há um momento na meia idade
em que você fica entediado, irritado
por sua mente medíocre, assustado.

Neste dia, o sol
arde forte e brilhante,
deixando-o mais desolado.

Acontece sutilmente, como quando uma pera
apodrece de dentro para fora,
e você talvez não perceba
até que as coisas tenham ido longe demais.

Trad.: Nelson Santander

The Pear

There is a moment in middle age
when you grow bored, angered
by your middling mind, afraid.

That day the sun
burns hot and bright,
making you more desolate.

It happens subtly, as when a pear
spoils from the inside out,
and you may not be aware
until things have gone too far.

Eavan Boland – E alma

Minha mãe morreu em um verão —
o mais úmido nos registros do Estado.
Safras apodreciam no oeste.
Toalhas de mesa xadrez dissolviam-se nos jardins.
Cadeiras de praia vazias recolhiam a chuva.
Enquanto eu me dirigia até ela
no trânsito, por entre lilases que gotejavam sombriamente
atrás das casas
e nas calçadas, para prestar-lhe
a última homenagem de uma filha, pensei em algo
que lembrei de
ter ouvido uma vez, que o corpo é, ou
diz-se ser, quase todo feito de
água e ao virar para o sul, ao qual
pertence nossa cidade,
na qual
todo santo dia os elementos começam
uma jornada uns em direção aos outros que nunca,
dado o nosso clima,
falha —
o oceano visível nas bordas recortadas por ele,
a cor da nuvem alcançando a atmosfera,
o Liffey* armazenando um e convocando a outra,
o sal saudando a falta disso no North Wall** e,
como se isso não fosse o suficiente, tudo
terminando quase todas as noites
no centro de nossas conversas —
costa canal oceano rio corrente e agora
mãe e eu seguimos em frente e, embora
a mente não seja confiável no luto, no
aguaceiro próximo quase parecia
que eles poderiam ser a sombra um do outro
do mesmo modo que o corpo é
de cada qual, mas agora
eles estavam novamente em movimento — a névoa na neblina,
a neblina na maresia e ambos no esmalte oleoso
que jazia nas grades
da casa onde ela estava morrendo
quando entrei.

Trad.: Nelson Santander

* O Liffey é um rio no leste da Irlanda que atravessa o centro da cidade de Dublin até sua foz, na Baía daquela cidade.

** Nort Wall: bairro situado do lado norte de Dublin, ao longo do rio Liffey.

And Soul

My mother died one summer—
the wettest in the records of the state.
Crops rotted in the west.
Checked tablecloths dissolved in back gardens.
Empty deck chairs collected rain.
As I took my way to her
through traffic, through lilacs dripping blackly
behind houses
and on curbsides, to pay her
the last tribute of a daughter, I thought of something
I remembered
I heard once, that the body is, or is
said to be, almost all
water and as I turned southward, that ours is
a city of it,
one in which
every single day the elements begin
a journey towards each other that will never,
given our weather,
fail—
the ocean visible in the edges cut by it,
cloud color reaching into air,
the Liffey storing one and summoning the other,
salt greeting the lack of it at the North Wall and,
as if that wasn’t enough, all of it
ending up almost every evening
inside our speech—
coast canal ocean river stream and now
mother and I drove on and although
the mind is unreliable in grief, at
the next cloudburst it almost seemed
they could be shades of each other,
the way the body is
of every one of them and now
they were on the move again—fog into mist,
mist into sea spray and both into the oily glaze
that lay on the railings of
the house she was dying in
as I went inside.

Francisco Brines – Últimos dias

Na herdade ele confina a memória
e o corpo que declina. Tudo morre
sobre este mundo vivo; e a laranjeira,
e o voo do pombo, são traspassados
por um raio outonal de azul.
Acompanham-lhe os livros; as caminhadas
trazem até ele o odor de rosas abertas,
e o suave abatimento dos dias.
Ele ardeu na solidão, e agora escuta
a primavera viva dos melros.
Dias há em que foge de casa,
e no sul, próximo às águas, onde habitam
os jovens, ele se hospeda. Aprecia-lhes
a nudez, suas risadas, a ilusão
que depositam na vida. E eles tocam
nele uma estranheza, seu olhar
vivo, a abolição do entusiasmo.
A Cidade dos Jovens não dorme,
é fogo e é silêncio enquanto o hóspede
se prepara para retornar. Em sua alcova,
retomará a lenta despedida
da vida. Com rosas, e pombos,
e o único desejo que ainda o tenta:
seu próximo retorno à Cidade.
Uma noite, tenta um poema
pessoal, embora vago, como se escrito
por ele, quando jovem, pressentindo
os dias venturosos da velhice.
E é o último engano de sua vida.

Trad.: Nelson Santander

Días Finales


En la heredad recluye la memoria
y el cuerpo que declina. Todo muere
sobre este mundo vivo; y el naranjo,
y el vuelo del palomo, es traspasado
por un rayo otoñal desde el azul.
Se acompaña de libros; los paseos
llevan a él olor de abiertas rosas,
y el suave abatimiento de los días.
Ardió en la soledad, y ahora escucha
la primavera viva de los mirlos.
Algunos días huye de la casa,
y al sur, junto a las aguas, donde habitan
los jóvenes se hospeda. Agradece
su desnudez, sus risas, el engaño
que tienen de la vida. Y ellos tocan
en él una extrañeza, su mirada
viva, la abolición del entusiasmo.
La Ciudad de los Jóvenes no duerme,
es fuego y es silencio, cuando el huésped
se dispone al regreso. En su alcoba
recobrará la lenta despedida
de la vida. Con rosas, y palomos,
y el único deseo que aún le tienta:
su próximo regreso a la Ciudad.
Alguna noche intenta algún poema
personal, aunque vago, como escrito
por él, cuando era joven, presintiendo
los días venturosos de vejez.
Y es el último engaño de su vida