Raquel Lanseros – Invocação

Que não cresça jamais em minhas entranhas
essa calma aparente chamada ceticismo

Fuja eu do ressentimento,
do cinismo,
da imparcialidade dos ombros encolhidos.

Creia eu sempre na vida
Creia eu sempre
nas minhas infinitas possibilidades.

Enganem-me os cantos das sereias,
que minha alma tenha sempre uma pitada de ingenuidade.

Que nunca se pareça minha epiderme
com a pele de um imóvel e congelado
paquiderme.

Que eu chore, todavia,
por sonhos impossíveis
por amores proibidos
por fantasias femininas feitas em pedaços.

Fuja eu do realismo espartilhado.

Conservem-se em meus lábios as canções,
muitas e muito altas e com muitos acordes.

Para o caso de chegarem tempos de silêncio.

Trad.: Nelson Santander

Invocación

Que no crezca jamás en mis entrañas
esa calma aparente llamada escepticismo.

Huya yo del resabio,
del cinismo,
de la imparcialidad de hombros encogidos.

Crea yo siempre en la vida
crea yo siempre
en las mil infinitas posibilidades.

Engáñenme los cantos de sirenas,
tenga mi alma siempre un pellizco de ingenua.

Que nunca se parezca mi epidermis
a la piel de un paquidermo inconmovible,
helado.

Llore yo todavía
por sueños imposibles
por amores prohibidos
por fantasías de niña hechas añicos.

Huya yo del realismo encorsetado.

Consérvense en mis labios las canciones,
muchas y muy ruidosas y con muchos acordes.

Por si vinieran tiempos de silencio.

Raquel Lanseros – A propósito de Eros

De todas as terrenas servidões
que aprisionam meu afã neste cárcere
confesso-me devedora da carne
e de todos os seus íntimos vaivéns
que me fazem mais feliz
       e menos livre.

Às vezes, porém,
a escravidão se mostra soberana
e me sinto senhora do destino.
  Porque sei amar, porque provei da fruta
  e nunca maldisse o seu sabor agridoce,
  porque posso oferecer meu coração intacto
  se o caminho se digna em requere-lo,
  porque suporto em pé, com humilde firmeza,
  o rigor deste fogo que enlouquece.

Neste fragor mudo em que todos somos
rufiões, vagabundos, despossuídos e presos
não existem vencedores nem vencidos
e a manhã não arrenda a ganância do ontem.

Que não entre na batalha quem sucumba
ante o rancor pequeno das humilhações.
Sabei, são necessárias enormes doses
de grandeza de espírito e coragem
nas silenciosas lides da paixão humana.

A recompensa, em troca, é substancial.
 Ser súdito tão só da natureza,
  não temer a morte nem o esquecimento,
   não aceitar da vida nenhuma esmola,
    não conformar-se com menos que tudo.

Trad.: Nelson Santander

A propósito de Eros

De todas las terrenas servidumbres
que aprisionan mi afán en esta cárcel
me confieso deudora de la carne
y de todos sus íntimos vaivenes
que me hacen más feliz
       y menos libre.

A veces, sin embargo,
la esclavitud se muestra soberana
y me siento señora del destino.
  Porque sé amar, porque probé la fruta
  y no maldije nunca su sabor agridulce,
  porque puedo ofrecer mi corazón intacto
  si el camino se digna requerirlo,
  porque resisto en pie, con humilde firmeza,
  el rigor de este fuego que enloquece.

En este fragor mudo en el que todos somos
rufianes, vagabundos, desposeídos y presos
no existen vencedores ni vencidos
y mañana no arrienda la ganancia de ayer.

Que no entre en la batalla quien sucumba
ante el rencor pequeño de las humillaciones.
Sabed, son necesarias descomunales dosis
de grandeza de espíritu y coraje
en las lides calladas de la pasión humana.

La recompensa, en cambio, es sustanciosa.
 Ser súbdito tan sólo de la naturaleza,
  no temer a la muerte ni al olvido,
   no aceptarle a la vida una limosna,
    no conformarse con menos que todo.