Josep M. Rodríguez – matéria e forma

Como expressar dor na dor
ao saber da morte de uma amiga.

Não sei o que fazer.
Do mesmo modo que a água é anterior ao rio

e a matéria
antecede a luz, mas é a luz
que lhe confere forma,

assim se cala a dor dentro de mim
até que há algo lá fora que a prende

e me ocupa.

Dor
na dor:
toda morte é um sol feito em pedaços.

Trad.: Manuel de Freitas
matéria y forma

Cómo expresar dolor en el dolor 
al conocer la muerte de una amiga . 

No sé qué hacer .
Del modo en el que el agua es anterior al río 

y la materia 
antecede a la luz , pero es la luz 
la que confiere forma , 

a así calla el dolor dentro de mí 
hasta que hay algo fuera que lo prende 

y me ocupa . 

Dolor 
en el dolor: 
toda muerte es un sol hecho pedazos.

Amalia Bautista – Agora

Agora que a estrada que devo percorrer
é um viaduto sobre uma rodovia
que dá medo de olhar, porque o abismo
implacável me chama.
Agora que morreu a esperança
como uma ave expulsa de seu ninho
por irmãos mais fortes.
Agora que é noite o dia todo,
inverno o ano todo
e as semanas só têm segundas-feiras,
onde olhar, para onde voltar os olhos,
que eu não encontre os olhos da morte?

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO (com alterações e correções na tradução): poema publicado no blog originalmente em 09/01/2018

Ahora

Ahora que el camino que debo recorrer
es un paso elevado sobre una carretera
que da miedo mirar, porque el abismo
implacable me llama.
Ahora que se ha muerto la esperanza
como un pájaro echado de su nido
por hermanos más fuertes.
Ahora que es de noche todo el día,
invierno todo el año
y las semanas sólo tienen lunes,
¿dónde mirar, dónde volver los ojos,
que no encuentre los ojos de la muerte?

Sean O’Brien – Contando a chuva

Verifique o gás e guarde a chave da porta de trás.
Tranque tudo. Certifique-se de que o fez
E então saia e conte a chuva, e desta vez
Faça-o direito. Você não estará em casa nunca mais.

Trad.: Nelson Santander

Counting the Rain

Check the gas and hide the back door key.
Lock up. Make sure you have, and then
Go out and count the rain, and this time
Do it properly. You won’t be home again.

Amalia Bautista – Os meus melhores desejos

Que a vida te pareça suportável.
Que a culpa não afogue a esperança.
Que não te rendas nunca.
Que o caminho que sigas seja sempre escolhido
entre dois pelo menos.
Que te interesse a vida tanto como tu a ela.
Que não te apanhe o vício
de prolongar as despedidas.
E que o peso da terra seja leve
sobre os teus pobres ossos.
Que a tua recordação ponha lágrimas nos olhos
de quem nunca te disse que te amava.

Trad.: Inês Dias

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 07/01/2018

Mis Mejores Deseos

Que la vida te sea llevadera.
Que la culpa no ahogue la esperanza.
Que no te rindas nunca.
Que el camino que tomes sea siempre elegido
entre dos por lo menos.
Que te importe la vida tanto como tú a ella.
Que no te atrape el vicio
de prolongar las despedidas.
Que el peso de la tierra sea leve
sobre tus pobres huesos.
Que tu recuerdo ponga lágrimas en los ojos
de quien nunca te dijo que te amaba.

Jaime Manrique – O céu sobre a casa de minha mãe

É uma noite de julho
perfumada com gardênias.
Brilham a lua e as estrelas
sem revelar a essência da noite.
Ao longo do crepúsculo
— com suas gradações cada vez mais intensas de ônix,
e o resplendor dourado das estrelas e das sombras —
minha mãe arrumou a casa, o jardim, a cozinha.
Agora, enquanto ela dorme,
eu caminho em seu jardim,
imerso no vazio desta hora.
Os nomes de muitas
flores e árvores me escapam,
e antes havia mais pinheiros
onde agora florescem as laranjeiras.
Esta noite penso em todos os céus
que já observei e que uma vez amei.
Esta noite as sombras
ao redor da casa são benignas.
O céu é uma câmara escura
que projeta imagens desfocadas.
Na casa de minha mãe,
os brilhos das estrelas
me perfuram com nostalgia,
e cada fio da rede que circunda este universo
é uma ferida que não cicatriza.

Trad.: Nelson Santander

El cielo encima de la casa de mi madre

Es una noche de julio
perfumada de gardenias.
La luna y las estrellas brillan
sin revelar la esencia de la noche.
A través del anochecer
—con sus gradaciones cada vez más intensas de ónix,
y el resplandor dorado de los astros, de las sombras—
mi madre ha ido ordenando su casa, el jardín, la cocina.
Ahora, mientras ella duerme,
yo camino en su jardín,
inmerso en la soledad de esta hora.
Se me escapan los nombres
de muchos árboles y flores,
y había más pinos antes
donde los naranjos florecen ahora.
Esta noche pienso en todos los cielos
que he contemplado y que alguna vez amé.
Esta noche las sombras
alrededor de la casa son benignas.
El cielo es una cámara oscura
que proyecta imágenes borrosas.
En la casa de mi madre
los destellos de los astros
me perforan con nostalgia,
y cada hilo de la red que circunvala este universo
es una herida que no sana.

Amalia Bautista – O que fazes aqui

Pensei que te havia dito adeus,
um adeus definitivo, ao deitar-me,
quando pude finalmente fechar meus olhos
e esquecer-me de ti e de tuas artimanhas,
tua insistência, tuas más intenções,
da tua capacidade de anular-me.
Pensei que te havia dito adeus
para todo o sempre, e desperto
e te encontro de novo junto a mim,
dentro de mim, me envolvendo, ao meu lado,
invadindo-me, sufocando-me, diante
dos meus olhos, na minha vida
à minha sombra, nas minhas entranhas,
em cada pulsação do meu sangue, entrando
pelo meu nariz quando respiro, espiando
através de minhas pupilas, ateando fogo
nas palavras que minha boca diz.
E agora, o que eu faço? Como posso
banir-te de mim ou acostumar-me
a conviver contigo? Comecemos
demonstrando maneiras impecáveis:
Bom dia, tristeza.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO (com pequenas alterações na tradução): poema publicado no blog originalmente em 06/01/2018

Amalia Bautista – Qué haces aquí

Crei que te había dicho adiós,
un adiós contundente, al acostarme
cuando pude por fin cerrar los ojos
y olvidarme de tí y de tus argucias
de tu insistencia, de tu mala baba,
de tu capacidad para anularme.
Creí que te había dicho adiós
del todo y para siempre, y me despierto
y te encuentro denuevo junto a mi,
dentro de mi, abarcándome, a mi vera,
invadiendome, ahogandome, delante
de mis ojos, enfrente en mi vida
debajo de mi sombra, en mis entrañas,
en cada pulso de mi sangre, entrando
por mi nariz cuando respiro, viendo
por mis pupilas, arrojando fuego
en las palabras que mi boca dice.
Y ahora ¿que hago yo? ¿como podría
desterrarte de mi o acostumbrarme
a convivir contigo? empezaremos
por demostrar modales impecables.
Buenos dias, tristeza.

Alice Walker – Mesmo assim

O amor, se é amor, nunca acaba.
Ele fica incrustado em nós,
como veios de ouro na Terra,
esperando a luz ,
esperando para ser encontrado.

Trad.: Nelson Santander

Even So

Love, if it is love, never goes away.
It is embedded in us,
like seams of gold in the Earth,
waiting for light,
waiting to be struck.

João Cabral de Melo Neto – Como a Morte se Infiltra

Certo dia, não se levanta
porque quer demorar na cama.

No outro dia ele diz por que:
é porque lhe dói algum pé.

No outro dia o que dói é a perna,
E nem pode apoiar-se nela.

Dia a dia lhe cresce um não,
um enrodilhar-se de cão.

Dia a dia ele aprende o jeito
em que menos lhe pesa o leito.

Um dia faz fechar as janelas:
dói-lhe o dia lá fora delas.

Há um dia em que não se levanta:
deixa-o para a outra semana,

Outra semana sempre adiada,
que ele não vê por que apressá-la.

Um dia passou vinte e quatro horas
incurioso do que é de fora.

Outro dia já não distinguiu
noite e dia, tudo é vazio.

Um dia, pensou: respirar,
eis um esforço que se evitar.

Quem deixou-o, a respiração?
Muda de cama. Eis seu caixão.

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 04/01/2018

Stephen Dunn – Andrógino

Meu perdido amor, quando Zeus nos dividiu em dois —
nossa inteligência e completude
uma ameaça aos deuses — foi o início
desta dor, desta perpétua peregrinação…

Já a vi nas ruas fervilhantes e concupiscentes,
casei-me com você, ao entardecer, a segui
pelos bares; sempre que a encontrava,
a reconhecia como alguém que já vira antes.
Eu não conseguia escolher não responder ao desejo.
Apenas você compreende.

Velho agora, admito que estou
satisfeito há horas observando os cervos
jogarem com suas vidas ágeis e nervosas.
Ponderei sobre as flores e sem tristeza
observei-as deixarem cair suas folhas amarelas.

Em sonhos, você ainda sussurra para mim
e em sonhos eu sussurro de volta.
Mas fazemos menos planos.

Vou lhe contar, Andrógino, o que sei hoje
sobre o sublime. É aquele momento
quando um composto muda
de um estado para outro. É química.
Todos os amantes sabem que é a química,
não a física, que faz o mundo girar.

E talvez quando nos encontrarmos novamente
depois de uma de nossas longas jornadas em direção ao outro,
você me encontre desejando
fazer pouco mais do que pentear para trás
uma mecha de cabelo que caiu
em seu rosto, muito perto de um olho.

Estaremos sentados lado a lado,
ao meio-dia, em um parque.
Não conseguiremos ver o sol
devido ao excesso de luz.
Levarei minha mão para o seu rosto
e você inclinará sua bochecha em minha direção,
e eu moverei aquela mecha de cabelo, agora grisalha,
para onde eu sempre gostei.

Trad.: Nelson Santander

Androgyne

My lost love, back when Zeus split us in two —
our intelligence and completeness
a threat to the gods — this ache
began, this perpetual wandering…

I’ve seen you in the teeming, concupiscent
streets, I married you, at dusk I followed you
into bars; every time I found you
I recognized you as someone seen before.
I could not choose not to respond to desire.
Only you understand.

Old now, I admit to you
I’ve been content for hours watching deer
play out their nimble, nervous lives.
I’ve considered flowers and without sadness
watched them drop their yellow leaves.

In dreams you still whisper to me
and in dreams I whisper back.
But we make fewer plans.

I will tell you, Androgyne, what I learned today
about the sublime. It’s that moment
when a compound changes
from one state to another. It’s chemistry.
All lovers know it’s chemistry,
not physics, that makes the world go round.

And maybe when we meet again
after one of our long journeys toward the other,
you will find me wishing
to do little more than brush back
a lock of hair that’s fallen
across your face, too close to an eye.

We’ll be sitting side by side,
noontime, in a park.
We’ll not be able to see the sun
due to the excess of light.
I’ll raise my hand to your face
and you’ll tilt your cheek my way,
and I’ll move that lock of hair, now gray,
to where I’ve always liked it to be.

Laura Liuzzi – Fio Sem Fim

Chega-se, enfim, à última página
embora deixe claro: não se chega
ao fim. Um mesmo fio fino frágil
mas firme, da mesma fibra de rio
conduz memória e história: storage
— está estendido para sempre
e para sempre soará, suará
a cada renovação do sol, mesmo
quando atingirmos o final —
mesmo assim não se chegará
ao fim.

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 30/12/2017