Javier Salvago – Tesouro divino

A juventude passou.
Tudo está bem quando acaba.
Não voltaria a ser jovem
nem que me pagassem.

Começar a andar de novo
pelo caminho trilhado
dos sonhos ilusórios
e das verdades vagas?

Começar de novo
com as velhas batalhas
e suas velhas feridas?
Voltar aos velhos hábitos,

à noite, ao inferno,
ao gosto pela vida
má? Fazer de tudo
o que é comédia um drama?

Voltar a alimentar-me
de mitos e falácias,
de modas e movimentos,
de palavras gastas?

Carregar sobre os ombros
a fastidiosa carga
de ser interessante,
original?… Que saco!

Fiar-se, como ontem,
na vã esperança
de que tudo será
melhor amanhã?

Ter a vida inteira
pela frente — tanto tempo —,
com o que se passou
para atravessa-la?

A juventude se foi.
Tudo está bem quando acaba.
Nunca voltarei a ser jovem,
graças a Deus.

Trad.: Nelson Santander

Divino tesoro

La juventud pasó.
Bien está lo que acaba.
No volvería a ser joven
ni aunque me lo pagaran.

¿Echar a andar de nuevo
por la senda trillada
de los sueños ilusos
y las verdades vagas?

¿Empezar otra vez
con las viejas batallas
y sus viejas heridas?
¿Volver a las andadas,

a la noche, al infierno,
al gusto por la mala
vida? ¿Hacer de todo,
lo que es comedia, un drama?

¿Volver a alimentarme
de mitos y falacias,
de modas y movidas,
de palabras gastadas?

¿Llevar sobre los hombros
la fastidiosa carga
de ser interesante,
original?… ¡Qué lata!

¿Confiar, como ayer,
en la vana esperanza
de que todo será
mejor en el mañana?

¿Tener toda la vida
por delante —tan larga—,
con lo que uno ha pasado
para ir medio pasándola?

La juventud se fue.
Bien está lo que acaba.
No volveré a ser joven,
a Dios gracias.

Ana Martins Marques – [Você se dá conta]

Você se dá conta
de repente
de que muitos dos poemas que ama
foram na verdade escritos
por seus tradutores:
senhores míopes
enfiados em escritórios improvisados
em quartinhos dos fundos
enquanto os netos jogam bola na sala
jovens mães de família
implorando por umas horas de silêncio
traduzindo versos longos
enquanto ouvem ao fundo bater
como um mar
a máquina de lavar
professoras aposentadas
que se metem a verter ao português os versos
de um velho poeta chileno
funcionários públicos que passam suas horas livres
trocando palavras umas pelas outras
como numa casa de câmbio
doutorandos mal remunerados
autores de outros poemas
que você não ama
debruçados sobre palavras
que você nunca vai ler
e lançando sobre o papel
novas palavras
que se tornarão depois
suas palavras preferidas.

*

Você entrava nesses poemas
como num mar estrangeiro
como daquela vez que entrou no mar
de um outro continente
um mar feminino
sob um sol feminino
e teve a impressão de ter abandonado
partes de si mesma
da sua vida da sua língua do seu nome
junto com as roupas amontoadas
na areia.

*

São muitas
você sabe
as palavras
e esperam
como toras de madeira empilhadas
capim crescido
mercadorias que aguardam
transporte
pequenos barcos a remo sem remo
máquinas que não se sabe
para que servem
cartas extraviadas
no voo
as manchas de café nas páginas
de um livro
todas as coisas encontradas no estômago
da morsa que morreu em 1961 no zoológico de Berlim
esperam
que você as escute
e as deixe dizer
o que dizem
no entanto você não pode
– um rastilho de pólvora
e você não tem isqueiro –
precisa de outro que as acenda
só pode se aquecer numa fogueira
emprestada
– é mais ou menos isso
mas com outras palavras.

Elizabeth Jennings – Em memória de alguém que desconheço

Neste momento em particular, não tenho ninguém
Em particular por quem lamentar, embora deva haver
Muitos, muitos desconhecidos lentamente virando
Pó, não lembrados pelo que fizeram
Ou deixaram de fazer. Por estes, então, eu sofrerei
Sendo imparcial, impossibilitada de enganar.

Como eles viveram ou morreram me é totalmente desconhecido,
E, por isso, confere pureza à minha dor
Ter partido sozinho alguém importante,
distante de mim, ou um desconhecido.
Ambos ou todos de quem me lembro têm um lugar.
Para estes que nunca encontrei cara a cara.

O sentimento se infiltrará. Eu o expulso
Pretendendo dar-lhe o clássico repouso,
Nada de epitáfio, papoulas ou rosas
De mim, e certamente nenhum desejo de conhecer
O modo como eles viveram ou morreram. Na terra ou pelo fogo
Eles se foram. Simplesmente porque eram humanos, eu os admiro.

Trad.: Nelson Santander

In memory of anyone unknown to me

At this particular time I have no one
Particular person to grieve for, though there must
Be many, many unknown ones going to dust
Slowly, not remembered for what they have done
Or left undone. For these, then, I will grieve
Being impartial, unable to deceive.

How they lived, or died, is quite unknown,
And, by that fact gives my grief purity,
An important person quite apart from me
Or one obscure who drifted down alone.
Both or all I remember, have a place.
For these I never encountered face to face.

Sentiment will creep in. I cast it out
Wishing to give these classical repose,
No epitaph, no poppy and no rose
From me, and certainly no wish to learn about
The way they lived or died. In earth or fire
They are gone. Simply because they were human, I admire.

Nelson Santander – A elite oitocentista pela ótica de Machado de Assis: a violação da norma como norma

O artigo que segue, de minha autoria, foi publicado na obra coletiva “Direito e desenvolvimento: estudos sobre a questão ambiental e a sustentabilidade – Homenagem ao Prof. Márcio Teixeira”, organizada por Caio Henrique Lopes Ramiro e Lis Maria Bonadio Precipito (São Paulo: LiberArs, 2015, 308p.).

Fortemente influenciado pela obra “Um mestre na periferia do capitalismo”, do professor e crítico literário Roberto Schwarz – uma leitura seminal das “Memórias Póstumas de Brás Cubas” -, o trabalho, além de tecer loas à genialidade e contemporaneidade de Machado de Assis, busca demonstrar a análise profunda que o escritor faz, nas “Memórias”, da sociedade brasileira do século XIX e a “denúncia oblíqua das iniquidades e contradições da classe dominante oitocentista no contexto histórico analisado”. Tenta demonstrar também “como Machado de Assis expõe e explora a maneira com que a oligarquia da época valia-se da violação sistemática das normas como instrumento de perpetuação e dominação das relações de poder.”

Boa leitura!

Nelson Santander – [secos são os homens sem sonhos]

secos
são os homens sem sonhos
desertos rios de margens estreitas
trilham apenas os caminhos que a terra dita
nunca refletem de volta
o brilho gratuito do mundo

o acaso
delimita suas fronteiras

os homens sem sonhos

eles são
     as velas apagadas
     os caminhos silenciosos brancos de neve
     a matéria da corda dos enforcados
     o silêncio nascido da ignorância
     a crosta e a superfície
     o fácil e o óbvio

apenas olham
e a maçã continua maçã
aliás seu olhar as coisas petrifica

modernas medusas
mitológicos zeros
esquecidos até mesmo pelos espelhos

mas o mundo ainda é o mesmo que sempre foi

ainda existem aqueles que olham as estrelas
e pensam – eu existo
outros há que escrevem poemas

          (semideuses para quem a alma humana
                    não representa segredo)

mas as maravilhas
as verdadeiras maravilhas

     (o dentro de uma gota de névoa
     as possibilidades infindas do oceano
     a morte no exato de sua hora
     a fagulha química que engendra a paixão
     e o suor brotando feito sangue – puro sangue –
                                      no dorso de um cavalo no galope
     e a menor partícula, essência das essências
     e o nada entre os mundos
     entre as estrelas
     os sonhos de Ariadne)

essas não são visíveis a olhos nus

     cegos são os homens sem sonhos
     mortos estão e julgam que dormem

o sono
     é o dos
          justos

 

                                                          14/05/1994

Óscar Hahn – Abalo sísmico

Tive uma vez um grande amor
que derrubou minha casa
trincou minhas pontes
e me fez perder o equilíbrio.
Depois, vieram as réplicas:
aventuras de baixa intensidade
que nem sequer
me fizeram tremer
Quanto ao grande amor
pobre de mim
ainda respira
debaixo das ruínas

Trad.: Nelson Santander

Movimiento Sísmico

Tuve una vez un gran amor
que derribó mi casa
agrietó mis puentes
y me hizo perder el equilibrio
Después vinieron las réplicas:
amoríos de baja intensidad
que ni siquiera
me hicieron temblar
En cuanto al gran amor
ay mísero de mí
todavía respira
debajo de las ruínas

Antonio Pérez Morte – Para Berta

Para restabelecer a infância, uma bola de gude.
Para a adolescência um beijo,
                                  um verso,
                                  uma esperança.

Para a juventude,
um compromisso de amor definitivo.
Para a maturidade, talvez a rebeldia,
                                  a eterna, renovada,
                                  incombustível rebeldia
                                  daqueles velhos derrotados
                                  que nunca se deram por vencidos.

Trad.: Nelson Santander

Para Berta

Para recuperar la infancia, una canica.
Para la adolescencia
un beso,
un verso,
una esperanza.

Para la juventud,
un compromiso
de amor definitivo.

Para la madurez,
quizá la rebeldía,
la eterna,
renovada,
incombustible rebeldía
de aquellos viejos derrotados
que nunca
se dieron por vencidos.

Joshua Jennifer Espinoza – Isto é o que faz de nós Mundos

Como a luz, mas
ao contrário, nós ondulamos.

Dobramos a esquina
e fazemos desaparecer
as colinas.

Você rearranja
meus pedaços até não
doer mais.

Fim do medo noturno
entranhado na pele.

Fim da morte inocente.

Meus cabelos perdem seus átomos.
Meu corpo brilha
no escuro.

Planetas são esmagados
no esquecimento,
despojados do seu poder
de nomear as coisas.

Nosso amor ocupa o ar.

Nosso amor devora
os ruídos mortais que os homens
fazem quando veem
quanta magia
possuímos longe
deles.

Trad.: Nelson Santander

This Is What Makes Us Worlds

Like light but
in reverse we billow.

We turn a corner
and make the hills
disappear.

You rearrange
my parts until no
more hurting.

No more skin-sunk
nighttime fear.

No more blameless death.

My hair loses its atoms.
My body glows
in the dark.

Planets are smashed
into oblivion,
stripped of their power
to name things.

Our love fills the air.

Our love eats
the deadly sounds men
make when they see
how much magic
we have away
from them.

Jane Kenyon – Discutindo com a melancolia

Discutindo com a melancolia

                    Se muitos remédios são prescritos           
                    para uma doença, pode ter certeza           
                    de que a doença não tem cura.                    

                                    A. P. CHEKHOV
                                    The Cherry Orchard

     1 DO BERÇÁRIO
Quando eu nasci, você esperava
atrás de uma pilha de lençóis no berçário e,
quando ficamos a sós, você se deitou 
sobre mim, espremendo
a bile da desolação em cada poro.

E daquele dia em diante
tudo sob o sol e sob a lua
me fez infeliz — até mesmo as contas
amarelas de madeira que deslizavam e giravam
ao redor de um pino do meu berço.

Você me ensinou a viver desprovido de gratidão.
Você arruinou meus modos para com Deus:
“Estamos aqui simplesmente para esperar pela morte;
os prazeres mundanos são superestimados.”

Eu só parecia pertencer à minha mãe,
viver entre blocos e camisetas de algodão
com botões; entre lancheiras vermelhas de lata
e boletins escolares em feios estojos marrons.
Eu já era sua — a anti-vontade,
a mutiladora de almas.

     2 FRASCOS 
Elavil, Ludiomil, Doxepin,
Norpramin, Prozac, Lithium, Xanax,
Wellbutrin, Parnate, Nardil, Zoloft.
Os revestidos têm um cheiro adocicado ou
não têm cheiro; os em pó cheiram
como o laboratório de química da escola
que me faz prender a respiração.

     3 SUGESTÃO DE UM AMIGO
Você não ficaria tão deprimida
se realmente acreditasse em Deus.

     4 FREQUENTEMENTE
Frequentemente, vou para a cama logo após o jantar
como se fosse adulta
(quer dizer, eu tento esperar anoitecer)
a fim de me afastar
da imensa dor na frágil canoa
de vime do sono.

     5 UMA VEZ HAVIA LUZ
Uma vez, com trinta e poucos anos, notei
que eu era uma partícula de luz no grande
rio de luz que ondula através do tempo.

Eu estava flutuando com toda a 
família humana. Éramos todos cores — os 
que estão vivendo agora, os que morreram,
os ainda não nascidos. Por alguns

momentos flutuei, completamente calma,
e não odiei mais ter que existir.

Como um corvo que sente o cheiro de sangue quente,
você veio voando para me arrancar
da corrente luminosa.
“Eu irei segura-la. Eu nunca permito que meus entes queridos
se afoguem!” Depois disso, chorei por dias.

     6 ENTRANDO E SAINDO
O cachorro procura até me encontrar no
andar de cima, deita-se com estrépito sobre
os cotovelos, põe a cabeça no meu pé.

Às vezes, o som de sua respiração
salva a minha vida — entrando e saindo, entrando
e saindo; uma pausa, um longo suspiro…

     7 PERDÃO
Um pedaço de carne queimada
usa minhas roupas, fala 
com minha voz, despacha obrigações
com hesitação, ou então nada.
Está cansado de tentar
ser corajoso, cansado
além da conta.

Passamos para os inibidores da
monoamina oxidase. Dia e noite
sinto como se tivesse bebido seis xícaras
de café, mas a dor cessa,
abruptamente. Com o espanto
e a amargura de alguém indultado
por um crime que não cometeu
volto ao casamento e aos amigos,
às malvas-rosas franjadas; volto
à minha mesa, livros, e cadeira.

     8 CREDO
Maravilhas farmacêuticas estão em ação,
mas acredito apenas neste momento
de bem estar. Espectro profano,
certamente você voltará.

Rude, você irá colocar os pés
na mesa de centro, inclinar-se para trás,
e me transformar em alguém que não
se dá ao trabalho de falar; alguém
que não consegue dormir, ou que não faz nada
além de dormir; não pode ler, ou marcar
uma consulta para pedir ajuda.

Não há nada que eu possa fazer
contra a sua chegada.
Quando desperto, ainda estou com você.

     9 TORDO-DOS-BOSQUES
Bêbado de Nardil e da luz de junho
acordo às quatro,
esperando avidamente pela primeira
nota do Tordo-dos-Bosques. O ar suave
transpõe a tela
com o canto selvagem e complexo
do pássaro, e sou vencida

pelo contentamento comum.
O que me machucou tão terrivelmente
por toda a minha vida até este momento?
Como eu amo o pequeno, pulsante e célere
coração do pássaro,
cantando nos grandes carvalhos;
seu olhar brilhante, inequívoco.

Trad.: Nelson Santander

Having it Out with Melancholy

          If many remedies are prescribed
          for an illness, you may be certain
          that the illness has no cure.
                              A. P. CHEKHOV
                             The Cherry Orchard

1 FROM THE NURSERY

When I was born, you waited
behind a pile of linen in the nursery,
and when we were alone, you lay down
on top of me, pressing
the bile of desolation into every pore.

And from that day on
everything under the sun and moon
made me sad—even the yellow
wooden beads that slid and spun
along a spindle on my crib.

You taught me to exist without gratitude.
You ruined my manners toward God:
“We’re here simply to wait for death;
the pleasures of earth are overrated.”

I only appeared to belong to my mother,
to live among blocks and cotton undershirts
with snaps; among red tin lunch boxes
and report cards in ugly brown slipcases.
I was already yours—the anti-urge,
the mutilator of souls.

2 BOTTLES

Elavil, Ludiomil, Doxepin,
Norpramin, Prozac, Lithium, Xanax,
Wellbutrin, Parnate, Nardil, Zoloft.
The coated ones smell sweet or have
no smell; the powdery ones smell
like the chemistry lab at school
that made me hold my breath.

3 SUGGESTION FROM A FRIEND

You wouldn’t be so depressed
if you really believed in God.

4 OFTEN

Often I go to bed as soon after dinner
as seems adult
(I mean I try to wait for dark)
in order to push away
from the massive pain in sleep’s
frail wicker coracle.

5 ONCE THERE WAS LIGHT

Once, in my early thirties, I saw
that I was a speck of light in the great
river of light that undulates through time.

I was floating with the whole
human family. We were all colors—those
who are living now, those who have died,
those who are not yet born. For a few

moments I floated, completely calm,
and I no longer hated having to exist.

Like a crow who smells hot blood
you came flying to pull me out
of the glowing stream.
“I’ll hold you up. I never let my dear
ones drown!” After that, I wept for days.

6 IN AND OUT

The dog searches until he finds me
upstairs, lies down with a clatter
of elbows, puts his head on my foot.

Sometimes the sound of his breathing
saves my life—in and out, in
and out; a pause, a long sigh. . . .

7 PARDON

A piece of burned meat
wears my clothes, speaks
in my voice, dispatches obligations
haltingly, or not at all.
It is tired of trying
to be stouthearted, tired
beyond measure.

We move on to the monoamine
oxidase inhibitors. Day and night
I feel as if I had drunk six cups
of coffee, but the pain stops
abruptly. With the wonder
and bitterness of someone pardoned
for a crime she did not commit
I come back to marriage and friends,
to pink fringed hollyhocks; come back
to my desk, books, and chair.

8 CREDO

Pharmaceutical wonders are at work
but I believe only in this moment
of well-being. Unholy ghost,
you are certain to come again.

Coarse, mean, you’ll put your feet
on the coffee table, lean back,
and turn me into someone who can’t
take the trouble to speak; someone
who can’t sleep, or who does nothing
but sleep; can’t read, or call
for an appointment for help.

There is nothing I can do
against your coming.
When I awake, I am still with thee.

9 WOOD THRUSH

High on Nardil and June light
I wake at four,
waiting greedily for the first
note of the wood thrush. Easeful air
presses through the screen
with the wild, complex song
of the bird, and I am overcome

by ordinary contentment.
What hurt me so terribly
all my life until this moment?
How I love the small, swiftly
beating heart of the bird
singing in the great maples;
its bright, unequivocal eye.

Louise Glück – Uma fantasia

Vou lhe dizer uma coisa: todos os dias
pessoas morrem. E isso é só o começo.
Todos os dias, nas funerárias, nascem novas viúvas,
novos órfãos. Eles se sentam com as mãos cruzadas,
tentando decidir sobre esta nova vida.

Depois eles estão no cemitério, alguns deles
pela primeira vez. Eles têm medo de chorar,
às vezes de não chorar. Alguém se inclina e
diz-lhes o que fazer a seguir, o que pode significar
dizer algumas palavras, às vezes
jogando terra na cova aberta.

E depois disso, todos voltam para casa,
que subitamente está cheia de visitantes.
A viúva senta-se no sofá, muito majestosa,
e então as pessoas fazem fila para se aproximar dela,
às vezes pegam sua mão, às vezes a abraçam.
Ela encontra algo para dizer a todos,
agradece-lhes, agradece-lhes por terem vindo.

Em seu íntimo, ela quer que eles vão embora.
Ela quer estar de volta ao cemitério,
de volta à enfermaria, ao hospital. Ela sabe
que isso não é possível. Mas é sua única esperança,
o desejo de voltar para trás. E só um pouquinho,
não até o casamento, o primeiro beijo.

Trad.: Nelson Santander

A fantasy

I’ll tell you something: every day
people are dying. And that’s just the beginning.
Every day, in funeral homes, new widows are born,
new orphans. They sit with their hands folded,
trying to decide about this new life.

Then they’re in the cemetery, some of them
for the first time. They’re frightened of crying,
sometimes of not crying. Someone leans over,
tells them what to do next, which might mean
saying a few words, sometimes
throwing dirt in the open grave.

And after that, everyone goes back to the house,
which is suddenly full of visitors.
The widow sits on the couch, very stately,
so people line up to approach her,
sometimes take her hand, sometimes embrace her.
She finds something to say to everbody,
thanks them, thanks them for coming.

In her heart, she wants them to go away.
She wants to be back in the cemetery,
back in the sickroom, the hospital. She knows
it isn’t possible. But it’s her only hope,
the wish to move backward. And just a little,
not so far as the marriage, the first kiss.