Se você pode suportar isto, permaneça morto
entre os mortos. Os mortos se ocupam.
— Rilke
Depois que lavaram meu corpo
e enfiaram meus braços nas mangas
de um vestido que comprei nos anos trinta
em um mercado de Cuernavaca, eles circundaram
um rosário em minhas mãos postas. Uma flor
de buganvília está atada atrás de minha orelha.
Estou vestida para a igreja; estou linda
na morte. Oh, o perfume de minhas mãos
emana de mim como uma oração. Eu parti, mas aqui
estou eu deitada, esperando que um homem
venha até mim, para me embrulhar e encaixotar,
para queimar o que sobrou. Imprestável,
essa espinha frágil, esses pés imóveis.
Imprestáveis, essas mãos postas,
mãos que cuidavam, organizavam,
limpavam pisos ainda limpos,
mãos que escolhiam o melão,
cortavam e serviam, jogavam fora a casca —
a casca imprestável. Essas mãos adoravam o trabalho,
o que haverá para mim agora?
A vida era trabalho; a morte não deveria ser diferente.
Trad.: Nelson Santander
Corpus
If you can bear it so, be dead
among the dead. The dead are occupied.
— Rilke
After they washed my body
and threaded my arms through the sleeves
of a dress I’d bought in the thirties
in a Cuernavaca market, they looped a rosary
around my folded hands. A bloom
from the bougainvillea is tucked behind my ear.
I am dressed for church; I am beautiful
in death. Oh, the perfume of my hands
rises from me like prayer. I am gone, yet here
I lie waiting for the man
to come for me, to wrap and box me,
to burn what’s left. Unusable,
this brittle spine, these still feet.
Unusable, these folded hands,
hands that tended, arranged,
wiped clean floors cleaner still,
hands that chose the melon,
sliced and served it, threw out the rind —
the unusable rind. These hands loved work,
what will there be for me now?
Life was work; death should be no different.