Paul Verlaine – Arte poética

Arte Poética

     A Charles Morice

Antes de tudo, a Música. Preza
Portanto o Ímpar. Só cabe usar
O que é mais vago e solúvel no ar,
Sem nada em si que pousa ou que pesa.

Pesar palavras será preciso,
Mas com algum desdém pela pinça:
Nada melhor do que a canção cinza
Onde o Indeciso se une ao Preciso.

Uns belos olhos atrás do véu,
O lusco-fusco no meio-dia,
A turba azul de estrelas que estria
O outono agônico pelo céu!

Pois a Nuance é que leva a palma,
Nada de Cor, somente a nuance!
Nuance, só, que nos afiance
O sonho ao sonho e a flauta na alma!

Foge do Chiste, a Farpa mesquinha,
Frase de espírito, Riso alvar,
Que o olho do Azul faz lacrimejar,
Alho plebeu de baixa cozinha!

A eloquência? Torce-lhe o pescoço!
E convém empregar de uma vez
A rima com certa sensatez
Ou vamos todos parar no fosso!

Quem nos dirá dos males da rima!
Que surdo absurdo ou que negro louco
Forjou em joia este toco oco
Que soa falso e vil sob a lima?

Música ainda, e eternamente!
Que teu verso seja o voo alto
Que se desprende da alma no salto
Para outros céus e para outra mente.

Que teu verso seja a aventura
Esparsa ao árdego ar da manhã
Que enchem de aroma o timo e a hortelã…
E todo o resto é literatura.

Trad.: Augusto de Campos

Art Poétique

     A Charles Morice

De la musique avant toute chose,
Et pour cela préfère l’Impair
Plus vague et plus soluble dans l’air,
Sans rien en lui qui pèse ou qui pose.

Il faut aussi que tu n’ailles point
Choisir tes mots sans quelque méprise:
Rien de plus cher que la chanson grise
Où l’Indécis au Précis se joint.

C’est des beaux yeux derrière des voiles,
C’est le grand jour tremblant de midi,
C’est, par un ciel d’automne attiédi,
Le bleu fouillis des claires étoiles!

Car nous voulons la Nuance encor,
Pas la Couleur, rien que la nuance!
Oh! la nuance seule fiance
Le rêve au rêve et la flûte au cor!

Fuis du plus loin la Pointe assassine,
L’Esprit cruel et le Rire impur,
Qui font pleurer les yeux de l’Azur,
Et tout cet ail de basse cuisine!

Prends l’éloquence et tords-lui son cou!
Tu feras bien, en train d’énergie,
De rendre un peu la Rime assagie.
Si l’on n’y veille, elle ira jusqu’où?

O qui dira les torts de la Rime?
Quel enfant sourd ou quel nègre fou
Nous a forgé ce bijou d’un sou
Qui sonne creux et faux sous la lime?

De la musique encore et toujours!
Que ton vers soit la chose envolée
Qu’on sent qui fuit d’une âme en allée
Vers d’autres cieux à d’autres amours.

Que ton vers soit la bonne aventure
Eparse au vent crispé du matin
Qui va fleurant la menthe et le thym…
Et tout le reste est littérature.

Paul Verlaine – Colóquio sentimental

No velho parque frio e abandonado
Duas formas passaram lado a lado.

Olhos sem vida já, lábios tremendo,
Apenas se ouve o que elas vão dizendo.

No velho parque frio e abandonado,
Dois vultos evocaram o passado.

– Lembras-te bem do nosso amor de outrora?
– Por que é que hei de lembrar-me disso agora?

– Bate sempre por mim teu coração?
Vês sempre em sonho minha sombra? – Não.

– Ah! aqueles dias de êxtase indizível
Em que as bocas se uniam! – É possível.

– Como era azul o céu, e grande, o sonho!
– Esse sonho sumiu no céu tristonho.

Assim por entre as moitas eles iam,
E só a noite escutou o que diziam.

Trad.: Guilherme de Almeida

Colloque sentimental

Dans le vieux parc solitaire et glacé
Deux formes ont tout à l’heure passé.

Leurs yeux sont morts et leurs lèvres sont molles,
Et l’on entend à peine leurs paroles.

Dans le vieux parc solitaire et glacé
Deux spectres ont évoqué le passé.

– Te souvient-il de notre extase ancienne?
– Pourquoi voulez-vous donc qu’il m’en souvienne?

– Ton coeur bat-il toujours à mon seul nom?
Toujours vois-tu mon âme en rêve? – Non.

Ah ! les beaux jours de bonheur indicible
Où nous joignions nos bouches ! – C’est possible.

– Qu’il était bleu, le ciel, et grand, l’espoir !
– L’espoir a fui, vaincu, vers le ciel noir.

Tels ils marchaient dans les avoines folles,
Et la nuit seule entendit leurs paroles.

Paul Verlaine – Chanson D’Automne (em seis traduções)

Canção do Outono (Trad.: Alphonsus de Guimaraens)

Os soluços graves
Dos violinos suaves
Do outono
Ferem a minh’alma
Num langor de calma
E sono.

Sufocado, em ânsia,
Ai! quando à distância
Soa a hora,
Meu peito magoado
Relembra o passado
E chora.

Daqui, dali, pelo
Vento em atropelo
Seguido,
Vou de porta em porta,
Como a folha morta
Batido…

Canção do Outono (Trad.: Onestaldo de Pennafort)

Os longos sons
dos violões,
pelo outono,
me enchem de dor
e de um langor
de abandono.

E choro, quando
ouço, ofegando,
bater a hora,
lembrando os dias,
e as alegrias
e ais de outrora.

E vou-me ao vento
que, num tormento,
me transporta
de cá pra lá,
como faz à
folha morta.

Canção de Outono (Trad.: Guilherme de Almeida)

Estes lamentos
Dos violões lentos
Do outono
Enchem minha alma
De uma onda calma
De sono.

E soluçando,
Pálido, quando
Soa a hora,
Recordo todos
Os dias doidos
De outrora.

E vou à toa
No ar mau que voa.
Que importa?
Vou pela vida,
Folha caída
E morta.

Canção de Outono (Trad.: Paulo Mendes Campos)

Os longos trinos
Dos violinos
Do outono
Ferem minh’alma
Com uma calma
Que dá sono.

Ao ressoar
A hora, alvar,
Sufocado,
Choro os errantes
Dias distantes
Do passado.

E em remoinho,
O ar daninho
Me transporta
De cá pra lá,
De lá pra cá,
Folha morta.

~
Canção de Outono (Trad.: Nelson Ascher)

Violinos com
seu choro assom-
bram o outono
e eu, corpo mor-
to de torpor,
me abandono.

Quase sem ar,
desmaio ao soar
da hora enquanto,
lembrando em vão
os dias de então,
caio em pranto.

E o vento cruel
leva-me ao léu
pouco importa
aonde, em vaivém,
vago que nem
folha morta.

Outono (Trad. livre: José Miguel Wisnik)

Os soluços longos dos violões do outono
Ferem meu coração com um langor monótono
Chega de verão outros tons no chão é quando
Vão os sonhos vãos no coração desfolhando.

Os soluços longos dos violões do outono
Enchem todo meu coração de dor e abandono
Chega de verão tudo agora é sombra e sonho
E os sonhos vãos no coração desfolhando.

Chanson D’Automne

Les sanglots longs
Des violons
De l’automne
Blessent mon coeur
D’une langueur
Monotone.

Tout suffocant
Et blême, quand
Sonne l’heure,
Je me souviens
Des jours anciens
Et je pleure.

Et je m’en vais
Au vent mauvais
Qui m’emporte
Deçà, delà,
Pareil à la
Feuille morte.