José Fernando Guedes – Os pássaros cantam forte

Alguém me chama: vem ouvir!
Os pássaros cantam forte na manhã
Com a mesma tenacidade
De um prego ao penetrar a madeira.
Sem hesitações anunciam
O que é de sua obrigação.

Ignoram o estabelecido pela noite prévia
E sistematicamente, com os métodos da água
Fazem seu canto fluir
Entre insuspeitas ranhuras
Na estrutura do mundo,
Tornando explícito o que era implícito
Na solidão das coisas.

E mesmo ante a mudez de dois olhos abertos,
Os pássaros põem seu canto
De encontro aos muros
E convicção, se entre pássaros há,
Se assemelha a que numa lágrima há,
Quando a lágrima que há,
É como um pássaro que canta.

José Fernando Guedes – Coeso é o tempo

Coeso é o tempo em cada tênue segundo
Que logo se desfaz e se reconstrói
Como uma linguagem de gestos que o universo
Elabora sem que percebamos.

E mesmo no interior de cada segundo
Há suficiente espaço para se fazer o bem ou o mal
Porque é assim mesmo que acontece: o mal ou o bem
Infinitesimais, germinam e brotam no exato
Segundo onde nasceram.
Portanto o cimento da estrutura orgânica do tempo
É o mal e o bem que você e eu temos à nossa disposição.

José Fernando Guedes – Adeus meu pai

Continuo a vislumbrar o olhar que meu pai
Me lançou, há tantos anos, lá da janela
De onde morava.
Eu realmente não vi com precisão
Esse derradeiro olhar para mim.

Era mais como um grito para dentro
Que ele lançava. Meu nome talvez.
Me acenou e foi o último acenar seu.

Nessa despedida que eu desconhecia
Não houve amor.
Houve somente meu pai olhando
Até que virei na esquina
E o esqueci.