Giuseppe Ungaretti – In Memoriam

  Locvizza, 30 de setembro de 1916

Chamava-se
Moammed Sceab

Descendente
de emires de nômades
suicida
porque não tinha mais
Pátria

Amou a França
e mudou de nome

Foi Marcel
mas não era francês
e já não sabia
viver
na tenda dos seus
onde se escuta a cantilena
do Alcorão
saboreando um café

E não sabia
desatar
o canto
do seu abandono

Acompanhei-o
junto com a dona da pensão
onde vivíamos
em Paris
do número 5 da rue des Carmes
esquálido beco em declive

Descansa
no cemitério de Ivry
subúrbio que parece
sempre
em dia
de
decomposta feira

E talvez apenas eu
ainda saiba
que viveu

Trad.: Geraldo Holanda Cavalcanti

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 08/02/2019

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In Memoria

  Locvizza il 30 settembre 1916.

Si chiamava
Moammed Sceab

Discendente
di emiri di nomadi
suicida
perché non aveva più
Patria
Amò la Francia
e mutò nome

Fu Marcel
ma non era Francese
e non sapeva più
vivere
nella tenda dei suoi
dove si ascolta la cantilena
del Corano
gustando un caffè

E non sapeva
sciogliere
il canto
del suo abbandono

L’ho accompagnato
insieme alla padrona dell’albergo
dove abitavamo
a Parigi
dal numero 5 della rue des Carmes
appassito vicolo in discesa.

Riposa
nel camposanto d’Ivry
sobborgo che pare
sempre
in una giornata
di una
decomposta fiera

E forse io solo
so ancora
che visse

Patrizia Cavalli – Agora que

Agora que o tempo parece ser todo meu
e ninguém me chama para almoçar ou jantar,
agora que posso ficar observando
como uma nuvem desbota e se desfaz,
como um gato atravessa o telhado
no imenso luxo de uma aventura, agora
que todos os dias me espera
a duração ilimitada de uma noite,
onde não há mais apelos e nem razão
para me despir apressadamente e repousar dentro
da ofuscante doçura de um corpo que me espera,
agora que a manhã nunca chega
e silenciosamente me abandona aos meus planos
em todas as nuances da voz, agora,
de repente, eu desejaria a prisão.

Trad.: Nelson Santander

Adesso che

Adesso che il tempo sembra tutto mio
e nessuno mi chiama per il pranzo e per la cena,
adesso che posso rimanere a guardare
come si scioglie una nuvola e come si scolora,
come cammina un gatto per il tetto
nel lusso immenso di una esplorazione, adesso
che ogni giorno mi aspetta
la sconfinata lunghezza di una notte
dove non c’è richiamo e non c’è piú ragione
di spogliarsi in fretta per riposare dentro
l’accecante dolcezza di un corpo che mi aspetta,
adesso che il mattino non ha mai principio
e silenzioso mi lascia ai miei progetti
a tutte le cadenze della voce, adesso
vorrei improvvisamente la prigione.

Antonia Pozzi – Novembro

E depois – quando eu partir
restará alguma coisa
de mim
no meu mundo –
restará um fino rasto de silêncio
no meio das vozes –
um ténue sopro de branco
no coração do azul –

E numa noite de Novembro
uma menina frágil
à esquina de uma rua
venderá braçadas de crisântemos
e lá estarão as estrelas
gélidas verdes distantes –
Alguém chorará
em algum lugar – em algum lugar –
Alguém irá procurar crisântemos
para mim
no mundo
quando sem regresso
eu tiver de partir.

Trad.: Inês Dias

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 28/06/2018

Antonia Pozzi – Novembre

E poi – se accadrà ch’io me ne vada –
resterà qualchecosa
di me
nel mio mondo –
resterà un’esile scìa di silenzio
in mezzo alle voci –
un tenue fiato di bianco
in cuore all’azzurro –

Ed una sera di novembre
una bambina gracile
all’angolo d’una strada
venderà tanti crisantemi
e ci saranno le stelle
gelide verdi remote –
Qualcuno piangerà
chissà dove – chissà dove –
Qualcuno cercherà i crisantemi
per me
nel mondo
quando accadrà che senza ritorno
io me ne debba andare.

Eugenio Montale – O lago de Annecy

Não sei por que minhas memórias te relacionam
ao lago de Annecy
que visitei alguns anos antes de tua morte.
Mas na época eu não pensava em ti, era jovem
e julgava ser o senhor do meu destino.
Por que uma memória tão enterrada é capaz de
aflorar eu não sei; tu mesma
certamente me enterraste e nem percebeste.
Agora ressurges viva, embora já não estejas. Eu poderia
ter perguntado então sobre teu pensionato,
ter assistido as meninas saindo em fila,
ter encontrado um pensamento teu de quando ainda estavas
viva. Mas não pensei em nada disso. Agora que é inútil,
a fotografia do lago me é suficiente.

6 de junho de 1971

Trad.: Nelson Santander

Il Lago di Annecy

Non so perché il mio ricordo ti lega
al lago di Annecy
che visitai qualche anno prima della tua morte.
Ma allora non ti ricordai, ero giovane
e mi credevo padrone della mia sorte.
Perché può scattar fuori una memoria
così insabbiata non lo so; tu stessa
m’hai certo seppellito e non l’hai saputo.
Ora risorgi viva e non ci sei. Potevo
chiedere allora del tuo pensionato,
vedere uscirne le fanciulle in fila,
trovare un tuo pensiero di quando eri
viva e non l’ho pensato. Ora ch’è inutile
mi basta la fotografia del lago.

6 giugno 1971

Giuseppe Ungaretti – Vigília

Cima Quatro, 23 de Dezembro de 1915

Toda uma noite em claro
caído ao lado
de um companheiro
massacrado
com sua boca
arreganhada
exposta à lua cheia
com o hematoma
de suas mãos
cravado
em meu silêncio
escrevi
cartas cheias de amor
Não tinha nunca estado
tão
aferrado à vida

Trad.: Nelson Ascher

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 22/12/2017

Veglia

Cimma Quattro il 23 dicembre 1915

Un’intera nottata
buttato vicino
ad un compagno
massacrato
con la sua bocca
digrignata
volta al plenilunio
con la gestione
delle sue mani
penetra
nel mio silenzio
ho scritto
lettere piene d’amore
Non sono mai stato
tanto
attaccato alla vita

Petrarca – Soneto CXXXIII (“O Amor me Assinalou com sua Seta”)

O amor me assinalou com sua seta,
como a neve ao sol, como a cera ao fogo,
como névoa ao vento; e já estou rouco,
dama, de humilhar-me, feito um pateta.

De teus olhos o golpe mortal veio,
contra o qual tempo e espaço nada são;
Vêm de ti, e vês como diversão,
o sol, o fogo e o vento aos quais me atenho.

O pensar me flecha, me cresta o sol,
o desejo queima: com essas armas
o amor fere, me cega e me aniquila;

e sua voz e canto angelical,
e a doce alma com que me desarmas,
são o ar do qual minha vida se exila.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 18/11/2017

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Petrarca – Soneto CXXXIII

Amor m’à posto come segno a strale,
come al sol neve, come cera al foco,
et come nebbia al vento; et son già roco,
donna, mercé chiamando, et voi non cale.

Dagli occhi vostri uscío ‘l colpo mortale,
contra cui non mi val tempo né loco;
da voi sola procede, et parvi un gioco,
il sole e ‘l foco e ‘l vento ond’io son tale.

I pensier’ son saette, e ‘l viso un sole,
e ‘l desir foco: e ‘nseme con quest’arme
mi punge Amor, m’abbaglia et mi distrugge;

et l’angelico canto et le parole,
col dolce spirto ond’io non posso aitarme,
son l’aura inanzi a cui mia vita fugge.

Cesare Pavese – O paraíso sobre os telhados

Será um dia tranquilo, de luz fria
como o sol que nasce ou que morre, e o vidro
fechará por fora o ar sórdido.

Acorda-se uma manhã, de uma vez para sempre,
na tepidez do último sono: A sombra
será como a tepidez. Encherá o quarto
pela grande janela um céu mais vasto.
Da escada subida um dia para sempre
não virão mais vozes nem rostos mortos.

Não será preciso deixar a cama.
Só a aurora entrará no quarto vazio.
Bastará a janela para vestir cada coisa
de uma claridade tranquila, quase uma luz.
Pousará uma sombra descarnada no rosto supino.
As recordações serão coágulos de sombra
calcados quais velhas brasas
na chaminé. A recordação será a chama
que ainda ontem picava nos olhos apagados.

Trad.: Carlos Leite

Cesare Pavese: “Il Paradiso sui tetti” / “O Paraíso sobre os telhados”: Carlos Leite

Il Paradiso sui tetti

Sarà un giorno tranquillo, di luce fredda
come il sole che nasce o che muore, e il vetro
chiuderà l’aria sudicia fuori del cielo.

Ci si sveglia un mattino, una volta per sempre,
nel tepore dell’ultimo sonno: l’ombra
sarà come il tepore. Empirà la stanza
per la grande finestra un cielo più grande.
Dalla scala salita un giorno per sempre
non verranno più voci, né visi morti.

Non sarà necessario lasciare il letto.
Solo l’alba entrerà nella stanza vuota.
Basterà la finestra a vestire ogni cosa
di un chiarore tranquillo, quasi una luce.
Poserà un’ombra scarna sul volto supino.
I ricordi saranno dei grumi d’ombra
appiattiti così come vecchia brace
nel camino. Il ricordo sarà la vampa
che ancor ieri mordeva negli occhi spenti.

Giacomo Leopardi – A Noite do Dia de Festa

Noite sem vento, doce, clara. A lua
Flutua sobre tetos e pomares,
Serena, revelando ao longe, os montes.
As ruas e caminhos silenciam,
Minha amada. Pelos balcões, são raros
Os lampiões, um sono suave invade
Os aposentos, você dorme, nada
Perturba o seu repouso, muito menos
A chaga que me abriu dentro do peito!
Mas você dorme, e ao céu de aspecto ameno
– E à antiga natureza onipotente
Que me volta à aflição – dirijo os olhos.
“Para você, nem mesmo uma esperança;
Para os seus olhos, só um brilho: lágrimas”,
Ela me disse. Mas que dia magnífico!
Dormem danças e jogos, mas, em sonho,
Talvez para você desfilem todos
De quem gostou ou aos quais agradou
(Menos eu, que nesse rol não compareço).
Mas se calculo os dias que me restam,
Vejo-me aos gritos, a rolar na terra:
Que vida horrível numa vida jovem!
Vai pela rua o canto solitário
De quem já trabalhou, passou na tasca,
E volta tarde para a casa pobre.
Vai-me apertando, amargo, o coração,
Se penso em como tudo passa e passa,
Quase sem deixar rastro. Já se foi
O dia de festa, e agora chega o dia
Normal, e tudo se escoa no tempo,
Todos os atos humanos. E o estrondo
Dos antigos, as vozes dos heróis
De ontem, onde estão? e o grande império,
E as armas e o fragor que faz tremer
Os caminhos da terra e do oceano?
Tudo é paz e silêncio. O mundo
Tudo aquieta. Já não se pensa em nada.
Quando criança, vinha a espera ansiosa
Do dia de festa, que findava logo.
Sofrendo, comprimia o travesseiro,
Ao ouvir pela noite aquele canto
Que ia morrendo aos poucos, lentamente,
Morrendo e me apertando o coração.

Trad.: Décio Pignatari

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 11/11/2017

La Sera Del Dì Di Festa

Dolce e chiara è la notte e senza vento,
E queta sovra i tetti e in mezzo agli orti
Posa la luna, e di lontan rivela
Serena ogni montagna. O donna mia,
Già tace ogni sentiero, e pei balconi
Rara traluce la notturna lampa:
Tu dormi, che t’accolse agevol sonno
Nelle tue chete stanze; e non ti morde
Cura nessuna; e già non sai nè pensi
Quanta piaga m’apristi in mezzo al petto.
Tu dormi: io questo ciel, che sì benigno
Appare in vista, a salutar m’affaccio,
E l’antica natura onnipossente,
Che mi fece all’affanno. A te la speme
Nego, mi disse, anche la speme; e d’altro
Non brillin gli occhi tuoi se non di pianto.
Questo dì fu solenne: or da’ trastulli
Prendi riposo; e forse ti rimembra
In sogno a quanti oggi piacesti, e quanti
Piacquero a te: non io, non già, ch’io speri,
Al pensier ti ricorro. Intanto io chieggo
Quanto a viver mi resti, e qui per terra
Mi getto, e grido, e fremo. Oh giorni orrendi
In così verde etate! Ahi, per la via
Odo non lunge il solitario canto
Dell’artigian, che riede a tarda notte,
Dopo i sollazzi, al suo povero ostello;
E fieramente mi si stringe il core,
A pensar come tutto al mondo passa,
E quasi orma non lascia. Ecco è fuggito
Il dì festivo, ed al festivo il giorno
Volgar succede, e se ne porta il tempo
Ogni umano accidente. Or dov’è il suono
Di que’ popoli antichi? or dov’è il grido
De’ nostri avi famosi, e il grande impero
Di quella Roma, e l’armi, e il fragorio
Che n’andò per la terra e l’oceano?
Tutto è pace e silenzio, e tutto posa
Il mondo, e più di lor non si ragiona.
Nella mia prima età, quando s’aspetta
Bramosamente il dì festivo, or poscia
Ch’egli era spento, io doloroso, in veglia,
Premea le piume; ed alla tarda notte
Un canto che s’udia per li sentieri
Lontanando morire a poco a poco,
Già similmente mi stringeva il core.

Giuseppe Ungaretti – Céu Claro

Bosque de Courton, julho de 1918

Depois de tanta
névoa
uma
a uma
se desvelam
as estrelas

Respiro
o frescor
que me deixa
a cor do céu

Me reconheço
imagem
passageira

Presa de um ciclo
imortal

Trad.: Geraldo Holanda Cavalcanti

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 15/09/2017

Sereno

Bosco di Courton Iuglio 1918

Dopo tanta
nebbia
a una
a una
si svelano
le stelle.

Respiro
il fresco
che mi lascia
il colore del cielo,

mi riconosco
immagine
passeggera

Presa in un giro
immortale

Giacomo Leopardi – O Infinito

Sempre me foi cara esta colina erma
E esta sebe, que de muitos lados
Exclui a visão do último horizonte.
Mas sentado, contemplando, infindáveis
Espaços além dela, e sobre-humanos
Silêncios, e a mais profunda calma
Eu no pensar imagino; e por pouco
Não se amedronta o coração. E o Vento
Ouvindo sussurrar entre essas plantas,
Aquele infinito silêncio a esta voz
Vou comparando: e lembra-me o eterno,
E as estações mortas, e a presente
Viva, e o seu som. Assim na imensidão
Se afoga o meu pensar:
E o naufragar me é doce neste mar

Trad.: Paulo Cesar Souza

REPUBLICAÇÃO. Poema publicado originalmente no blog em 03/03/2016.

L’infinito

Sempre caro mi fu quest’ermo colle,
e questa siepe, che da tanta parte
dell’ultimo orizzonte il guardo esclude.
Ma sedendo e mirando, interminati
spazi di là da quella, e sovrumani
silenzi, e profondissima quïete
io nel pensier mi fingo, ove per poco
il cor non si spaura. E come il vento
odo stormir tra queste piante, io quello
infinito silenzio a questa voce
vo comparando: e mi sovvien l’eterno,
e le morte stagioni, e la presente
e viva, e il suon di lei. Così tra questa
immensità s’annega il pensier mio:
e il naufragar m’è dolce in questo mare.