Não importa a dor, seu peso,
somos obrigados a carregá-la.
Erguemo-nos e ganhamos impulso, a força monótona
que nos empurra através da multidão.
Mas então um garoto me dá instruções
com tanto entusiasmo. Uma mulher segura a porta de vidro aberta,
pacientemente esperando meu corpo vazio passar por ela.
Ao longo do dia, isso continua, cada ato de bondade
se estendendo em direção a outro — um estranho
cantando para ninguém enquanto passo pelo caminho, árvores
ofertando suas flores, uma criança
que ergue seus olhos amendoados e sorri.
De alguma forma, eles sempre me encontram, até parecem
estar à espera, determinados a me afastar
de mim mesma, daquilo que me chama,
como deve ter um dia chamado por eles —
esta tentação de afastar-me da borda
e cair sem peso, longe do mundo.
Trad.: Nelson Santander
N. do T.: a tradução literal do título do poema – “For the sake of strangers” – seria: “Pelo amor de estranhos” ou “Pela bondade de estranhos”. Optei por traduzi-lo como “Da gentileza de estranhos” por duas razões. Primeiro, porque analisando o poema como um todo, o título não se torna incorreto ao ser traduzido desta forma. Além disso, essa tradução possibilita uma referência direta à famosa frase “Whoever you are—I have always depended on the kindness of strangers” (“Seja você quem for, eu sempre dependi da gentileza de estranhos“, na tradução de Vadim Nikitin), proferida pela personagem Blanche DuBois na peça “Um bonde chamado desejo”, de Tennessee Williams. Explica-se: o poema e a peça possuem inúmeros pontos de convergência temática, tais como o isolamento e a busca por conexão humana, a ênfase na importância da gentileza e da compaixão nas interações humanas, as lutas mentais e emocionais travadas tanto pelo eu poético quanto pela personagem da peça, a jornada interna pela busca de significado e aceitação e a complexidade da natureza humana e das relações sociais, de modo que não me pareceu completamente desarrazoado cometer esse pequeno deslize.
Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog
For the Sake of Strangers
No matter what the grief, its weight,
we are obliged to carry it.
We rise and gather momentum, the dull strength
that pushes us through crowds.
And then the young boy gives me directions
so avidly. A woman holds the glass door open,
waiting patiently for my empty body to pass through.
All day it continues, each kindness
reaching toward another—a stranger
singing to no one as I pass on the path, trees
offering their blossoms, a child
who lifts his almond eyes and smiles.
Somehow they always find me, seem even
to be waiting, determined to keep me
from myself, from the thing that calls to me
as it must have once called to them—
this temptation to step off the edge
and fall weightless, away from the world.