Linda Pastan – Os meses

Janeiro

Retorcidas pelo vento,
meras estruturas para gelo ou neve,
as árvores decidem
resistir por enquanto,

elas brotarão em abril.
E eu devo ser paciente
como as árvores —
uma resolução de inverno

que quebro novamente,
enquanto o frio pressiona
sua lâmina afiada
contra minha garganta.

Fevereiro

Após uma interminável
hibernação
no peitoril da janela,
a orquídea floresce —

pontos púrpuras bordados,
acima e abaixo,
numa fina haste.
Lá fora, a neve

derrete no ar e se transforma
em chuva.
Mês abreviado.
Todo tipo de clima.

Março

Quando o Rei dos Elfos veio
levar a criança
no poema de Goethe, o pai disse:
não tenha medo,

é apenas o vento…
Como se não fosse o vento
que leva embora os fragmentos
delicados deste mundo —

folhas remanescentes nos cantos
do jardim, uma rosa quaresmal
que pensou estar segura
ao florescer tão cedo.

Abril

No borrão em tons pastéis
do jardim,
a cereja
e a Cercis1

sacodem a chuva
de seus delicados
ombros, enquanto pétalas
da dogwood

rosa
descem pelas valetas
como oníricos
rios de cores.

Maio

Maçã-de-maio, narciso,
jacinto, lírio,
e junto aos degraus
da varanda da frente

todos os tons
ondulantes de lilás
e lavanda roxa,
a flor favorita de minha mãe,

doce respiração flutuando pelas
janelas abertas:
perfume da memória — condutora
da primavera.

Junho

O besouro de junho
na porta telada
zune como uma máquina
pequena e feia,

e um coro de sapos
e grilos zumbindo como Musak2
em todas as janelas.
O que não vemos claramente

nos conforta.
Cintilação de relâmpago, rosnado
de trovão — apenas o calor
limpando a garganta.

Julho

Nesta noite, os vagalumes
acendem suas breves
velas
em todas as árvores

de verão —
cor de flocos de lua,
cor de renda
fluorescente

onde o oceano arrasta
sua bainha rasgada
sobre a areia
escura.

Agosto

Descalça
e atordoada pelo sol,
mordo esse pêssego maduro
de um mês,

reunindo crianças
em meus braços
em toda sua glória
areenta,

enchendo
minha mesa todas as noites
com nada além
de milho e tomates.

Setembro

Seu romance de verão
acabou, mas os amantes
ainda se agarram
um ao outro

assim como as
folhas verdes se agarram
às árvores
no calor estranho

de setembro, como se
desta vez
não houvesse
outono.

Outubro

Quão repentinamente
a floresta
se transformou
novamente. Sinto-me

como Daphne3, parada
com os braços
estendidos em direção
à estação,

envolvida
pelas cores, coroada
com o dourado martelado
das folhas.

Novembro

Essas folhas
anônimas, seus corpos
molhados pressionados
contra a janela

ou caindo —
eu as conto
enquanto durmo,
absolvendo a gravidade,

absolvendo até mesmo a morte
que conhece como eu
os imperativos
da estação.

Dezembro

A pomba branca do inverno
perde suas primeiras
preciosas penas;
elas derretem

ao tocar
o chão quente
como notas
de uma música que já foi

familiar; a terra
estremece e
e se volta para
o solstício.

Trad.: Nelson Santander

N. do T.:

  1. Cercis é o nome científico do gênero de árvores que inclui a Redbud, mencionada no original do poema. Optei por usar o termo Cercis em vez de manter “redbud” para aproveitar a meia-rima com a palavra “jardim” e criar a aliteração formada pelas palavras “cereja”, “Cercis” e “sacodem”, evocando o som da chuva sobre as plantas do jardim.
  2. Música ambiente
  3. Daphne, na mitologia grega, era uma ninfa da natureza, conhecida por sua beleza e conexão com o mundo natural. Segundo a lenda, ela foi transformada em uma árvore de loureiro para escapar do deus Apolo, que estava obcecado por ela. Essa história simboliza a profunda ligação entre Daphne e a natureza, mostrando sua identificação com o ambiente natural e sua escolha de se tornar parte dele.

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The Months

January

Contorted by wind,
mere armatures for ice or snow,
the trees resolve
to endure for now,

they will leaf out in April.
And I must be as patient
as the trees—
a winter resolution

I break all over again,
as the cold presses
its sharp blade
against my throat.

February

After endless
hibernation
on the windowsill,
the orchid blooms—

embroidered purple stitches
up and down
a slender stem.
Outside, snow

melts midair
to rain.
Abbreviated month.
Every kind of weather.

March

When the Earl King came
to steal away the child
in Goethe’s poem, the father said
don’t be afraid,

it’s just the wind. . .
As if it weren’t the wind
that blows away the tender
fragments of this world—

leftover leaves in the corners
of the garden, a Lenten Rose
that thought it safe
to bloom so early.

April

In the pastel blur
of the garden,
the cherry
and redbud

shake rain
from their delicate
shoulders, as petals
of pink

dogwood
wash down the ditches
in dreamlike
rivers of color.

May

May apple, daffodil,
hyacinth, lily,
and by the front
porch steps

every billowing
shade of purple
and lavender lilac,
my mother’s favorite flower,

sweet breath drifting through
the open windows:
perfume of memory—conduit
of spring.

June

The June bug
on the screen door
whirs like a small,
ugly machine,

and a chorus of frogs
and crickets drones like Musak
at all the windows.
What we don’t quite see

comforts us.
Blink of lightning, grumble
of thunder—just the heat
clearing its throat.

July

Tonight the fireflies
light their brief
candles
in all the trees

of summer—
color of moonflakes,
color of fluorescent
lace

where the ocean drags
its torn hem
over the dark
sand.

August

Barefoot
and sun-dazed,
I bite into this ripe peach
of a month,

gathering children
into my arms
in all their sandy
glory,

heaping
my table each night
with nothing
but corn and tomatoes.

September

Their summer romance
over, the lovers
still cling
to each other

the way the green
leaves cling
to their trees
in the strange heat

of September, as if
this time
there will be
no autumn.

October

How suddenly
the woods
have turned
again. I feel

like Daphne, standing
with my arms
outstretched
to the season,

overtaken
by color, crowned
with the hammered gold
of leaves.

November

These anonymous
leaves, their wet
bodies pressed
against the window

or falling past—
I count them
in my sleep,
absolving gravity,

absolving even death
who knows as I do
the imperatives
of the season.

December

The white dove of winter
sheds its first
fine feathers;
they melt

as they touch
the warm ground
like notes
of a once familiar

music; the earth
shivers and
turns towards
the solstice.

Nelson Santander – Cinema Paradiso e a visita cruel do tempo

Há 30 anos, de forma despretensiosa, o diretor italiano Giuseppe Tornatore presenteava o mundo com aquele que, ao longo dos anos, se tornaria um dos filmes mais queridos da história do cinema: “Cinema Paradiso”.

O vídeo que ilustra este texto é o da famosa cena do mosaico de beijos, a mesma que encerra o filme. Sempre me questionei por que este trecho em particular me comovia tanto, em um filme repleto de passagens inesquecíveis: a cena em que Totó recebe um beijo inesperado de Elena, após ficar dias parado na frente da casa em que ela morava para provar que a amava; o momento da demolição do cinema; o excerto em que Alfredo – o simpático projecionista da cidade – projeta o filme na parede da praça; a cena do funeral de Alfredo.

Todos esses fragmentos – verdadeiros minicontos – são dotados de elevada voltagem emotiva. Contudo, não se comparam à cena final, na qual Totó, agora adulto, cabelos brancos e cineasta de sucesso, assiste à projeção de um filme que recebera das mãos de sua mãe, a pedido do recém-falecido Alfredo. O filme, na verdade, é uma colagem de várias cenas de beijos e algumas com erotismo e nudez, que o pároco da sua cidade natal costumava censurar nas películas antes da exibição no cinema em que Totó, quando criança, trabalhava como assistente de Alfredo.

Mas o que faz essa passagem me comover tanto? Seria o contexto e o momento em que o trecho é inserido (logo após a cena que mostra a demolição do cinema)? Ou o delicado tema musical composto por Ennio Morricone, que acompanha o desenrolar da cena?

Não. Ou melhor, não apenas isso. Esses elementos são cruciais para criar em “Cinema Paradiso” um ambiente emotivo que atinge seu ápice na fatídica cena dos beijos. No entanto, embora embevecido pelas cenas anteriores do filme e hipnotizado pela melodia inspirada de Morricone, o que mais me comove na cena é antes o vislumbre que ela nos proporciona de nossa própria efemeridade. Esteticamente, amor romântico e beleza física são opostos à doença, antônimos da decrepitude, a antítese da morte. Nada representa mais estar vivo do que as cenas que aparecem na tela: mulheres sensuais e beijos eróticos, arrebatadores, delicados, violentos, apaixonados, singelos – todos os tipos de beijos que o amor romântico criou para se expressar. E trocados por casais formados por atores que, quando filmaram essas cenas nos anos 20, 30, 40 e 50, estavam no auge de sua juventude e beleza física.

No entanto, a sensação de transitoriedade que transborda na célebre passagem se acentua ainda mais ao lembrarmos que os atores que aparecem nessas cenas estão todos mortos – Silvana Mangano, Vittorio Gassman, Cary Grant, Rosalind Russell, Jane Russell, Doris Duranti, Georgia Hale, Charlie Chaplin, Olivia de Havilland, Errol Flynn, Rudolph Valentino, Vilma Banky, James Stewart, Donna Reed, Vittorio de Sica, Yvonne Sanson, Anna Magnani, Marcello Mastroianni, Maria Schell, Jean Gabin, June Astor, Gary Cooper, Clark Gable, Joan Crawford, Greta Garbo, John Barrymore, Spencer Tracy, Ingrid Bergman. Todos mortos – alguns há mais de 90 anos. Atores e atrizes que conheceram a fama e a fortuna, que foram os mais desejados de sua época, e cuja beleza e juventude, hoje, não passam de poeira.

As lágrimas que um arrebatado Totó derrama ao assistir o filme são minhas também. Totó chora a saudade de tudo o que viveu e do que perdeu. A mim me emociona testemunhar, impotente, na película que comove o cineasta, a inexorável marcha do tempo.

PS.: um internauta me avisa que Olivia de Havilland não está morta; tem 102 anos e mora atualmente em Paris. Quando escrevi esse texto, eu podia jurar que havia lido em algum lugar a notícia de que ela falecera há alguns anos. Fica aí uma lição: depois dos 50, jamais confie em sua memória, já que o tempo – a matéria principal do meu texto – também faz estragos nesse campo. De toda forma, a ideia geral que eu quis transmitir permanece intacta – a decrepitude e a senilidade são as características principais da velhice profunda, e só com muita boa vontade dá para dizer que está vivendo quem chegou tão longe na corrida da existência.

PS2.: REPUBLICAÇÃO: o texto foi publicado na página, originalmente, em 23/12/2018. Portanto, onde está escrito “Há 30 anos”, no texto acima, leia-se: “Há 35 anos.”

PS3.: Olivia de Havilland, que ainda era viva quando escrevi o texto original, faleceu em 26 de julho de 2020, aos 104 anos de idade. O gigante Ennio Morricone havia morrido poucos dias antes – em 06 de julho daquele mesmo ano, com 91. E como o tempo é o grande nivelador de tudo, nesse meio tempo morreu também, em 21 de abril de 2022, aos 80, Jacques Perrin, o grande ator que interpreta o Totó adulto. Eu e você que me lê neste momento ainda podemos nos dar o luxo de ver esse e outros filmes e fazer outras coisas, boas e ruins. Mas o tempo está passando aqui também. “Diga-me, o que você planeja fazer / com sua única selvagem e preciosa vida?” (Mary Oliver). Tic tac tic tac…

Nelson Santander – Gene Tierney

Nem Marilyn, nem Greta, nem Ava, muito menos Angelina, Sharon, Julia ou Charlize. Para mim, o rosto mais bonito com que Hollywood nos presenteou em todos os tempos é o dessa beldade das fotos que acompanham esse texto: Gene Tierney, nascida no dia de hoje, em 1920.

Em 1944, ela estreou seu filme mais famoso, o belíssimo “Laura” – uma das obras que ajudou a consolidar no cinema o subgênero de filmes policiais conhecido como film noir.

Falando em beleza, a música tema de “Laura”, com o mesmo título, é também uma das melodias mais marcantes do cinema. Escrita por David Raksin especialmente para a película, nos anos que se seguiram “Laura” foi redescoberta por músicos de jazz e acabou se tornando um standard desse estilo musical, com mais de 400 regravações(!)

Gene se foi em 1991, aos 70. Sua beleza já se havia apagado há décadas – culpa em parte de uma depressão devastadora que lhe tirou o viço e a vontade no auge da carreira, deixando-a incapacitada por anos, e do tempo inexorável, que de tudo nos despoja.

“Laura” – o filme e a canção – permanecem.

Permanece também o meu sentimento de encanto diante dessa três belezas conjugadas.

O poeta John Keats tinha razão:

A beleza é a verdade, a verdade é a beleza
— É tudo o que há para saber, e nada mais.

REPUBLICAÇÃO: texto publicado originalmente na página em 19/11/2018

Nelson Santander – Bohemian Rhapsody

O lançamento do filme “Bohemian Rhapsody“, que conta a história do Queen e, principalmente, do seu vocalista, o falecido Fred Mercury, me fez relembrar uma história antiga que mudou a minha vida toda…

Era o final dos anos 70, eu tinha pouco mais de 12 anos. Morava em Avaré, uma pequena cidade que, na época, não tinha sequer uma emissora de rádio FM. Eu amava música. Muito. Estava começando a aprender a tocar violão e gostava de cantar.

Só havia um problema: eu aprendi a gostar de música com o meu pai e, meio que por osmose, acabei herdando o gosto musical dele, que, apesar de relativamente diversificado, tinha uma clara preferência por músicas melancólicas, especialmente canções de fossa: serestas, valsas, sertanejo raiz (pouco), tangos, músicas regionais e, principalmente, samba canção. Ele tinha dezenas de LPs e costumava sentar na sala, após o jantar ou aos finais de semana, para ouvi-los. Era um grande entusiasta de seus artistas e canções favoritas. As lembranças que tenho dessa época são de meu pai sentado no sofá, completamente absorto, ouvindo disco após disco. Ou então ele me dizendo: “Preste atenção nessa letra, Nelsinho, veja que poema!”

E assim eu cresci ouvindo gente como Moacir Franco (“Suave é a noite, a noite é de nós dois…”), Gastão Fornenti (“Maringá, maringá / Depois que tu partiste / Tudo aqui ficou tão triste / Que eu garrei a ‘maginá’…”), Agnaldo Timóteo (“Se eu demoro mais aqui eu vou morrer / Isso é bom, mas eu não vivo sem você…”), Vicente Celestino (“Tornei-me um ébrio na bebida, busco esquecer / Aquela ingrata que eu amava e que me abandonou…”), Carlos Galhardo (“Eu sonhei que tu estavas tão linda / Numa festa de raro esplendor…”).

E, é claro, Nelson Gonçalves – muito Nelson Gonçalves. 

Meu pai tinha inúmeros LP’s do intérprete de “A Volta do Boêmio”, a quem ele considerava (e ainda considera) o maior cantor brasileiro de todos os tempos. Sua anedota favorita sobre seu ídolo era uma história, contada pelo próprio Nelson, em que o cantor teria ido aos Estados Unidos em 1961 para se apresentar no Radio City Music Hall, em Nova York, e Frank Sinatra em pessoa teria declarado que nunca havia ouvido uma voz tão sensacional. Eu nem sabia quem era Frank Sinatra, mas ficava devidamente impressionado. E tome “Maria Betânia”, “Naquela Mesa”, “Fica comigo essa noite”, “A deusa da minha rua”, “Caminhemos”, e muitas outras.

É verdade que as músicas que meu pai ouvia eram um tanto melancólicas. Às vezes, me pergunto se a preferência dele por aquelas canções tristes e sombrias não seria um indício de que ele sofria de um mal que o aflige até hoje: a depressão. Ou se talvez a exposição contínua àquele tipo de música tenha sido a causa da doença… No entanto, seria desonesto não admitir que, no meio de tantas obras tristes e deprimentes, também fui exposto a algumas das maiores obras-primas da MPB. Lembro-me, por exemplo, da difícil e nostálgica melodia de “Maria Bethânia“, de Capiba, na impressionante interpretação de Nelson Gonçalves. E a letra de “Chão de Estrelas“, interpretada por Silvio Caldas, que tinha versos como: 

“Nossas roupas comuns dependuradas
Na corda qual bandeiras agitadas
Pareciam um estranho festival
Festa dos nossos trapos coloridos
A mostrar que nos morros mal vestidos
É sempre feriado nacional

A porta do barraco era sem trinco
Mas a lua furando nosso zinco
Salpicava de estrelas nosso chão
Tu pisavas nos astros distraída
(…)”

E quando tudo parecia apontar para um destino musical repleto desses estilos, o acaso, como uma benção, interveio…

Certo dia, eu estava em frente à casa de meus pais, ainda em Avaré, quando passou uma moto voando. Após percorrer uns 30 metros, ela passou por cima de um buraco, fazendo com que um pequeno objeto que se encontrava no veículo caísse no chão. O motoqueiro nem percebeu, e ele corria tão rápido que sequer tive tempo de alertá-lo. Corri para o local e encontrei uma velha fita cassete (se não me engano, da Basf), sem nenhuma anotação que indicasse o seu conteúdo. Levei-a até a casa de meus pais e coloquei-a para tocar no novo “Três em Um” que meu pai havia adquirido recentemente.

E então minha vida mudou. Não, não é um exagero dizer isso, e se você ainda está lendo esse textão, entenderá o motivo.

A fita (pirata) era uma coletânea gravada por alguém com várias canções de pop rock. Esclareço desde já que, para mim, o pop rock se resumia a Elvis Presley, Carlos Gonzaga e a alguns trabalhos do Roberto Carlos na jovem guarda – artistas que constavam da discoteca de meu pai. Ainda não havia para mim Rita Lee. Nem Beatles, nem Led Zeppelin, nem Rolling Stones, Bowie ou The Jackson 5. A fita pirata trazia coisas muito diferentes do que eu conhecia. Faz muitos anos e eu não me lembro de quase nenhuma canção daquela fita, mas ficou em minha memória afetiva que tudo o que havia lá era fantástico e que tudo o que havia lá me levou a ampliar meus horizontes musicais.

Lembro-me com certeza apenas de três canções. 

Havia um rock com uma pegada inocente, mas marcante, que, anos depois, descobri se tratar de uma canção dos Beach Boys, intitulada “Then I Kissed Her“. Havia também uma das canções mais bonitas compostas pela dupla Elton John e Bernie Taupin: “Skyline Pigeon“, oitava canção do álbum de estreia de Elton John, “Empty Sky”. A fita trazia uma versão ao vivo dessa canção, cuja gravação nunca mais encontrei, mesmo nos Spotifys da vida. Ainda acho que essa canção tem uma das melodias mais bonitas do pop de todos os tempos.

E, principalmente, havia “Bohemian Rhapsody“, do Queen.  Não consigo descrever em palavras qual foi a experiência de ouvir essa canção pela primeira vez. Fiquei surpreso e embasbacado ao mesmo tempo. Só me ocorria questionar como alguém conseguiu construir artisticamente algo tão grandioso. Para alguém acostumado com as vozes graves de cantores como Francisco Alves e Nelson Gonçalves, foi uma agradável surpresa ouvir toda a extensão vocal de Fred Mercury. Arranjos vocais eram raros no Brasil e “Bohemian Rhapsody” era inteiramente construída sobre eles. Outra coisa que me deixou assombrado foi a variedade de ‘estilos musicais’ dentro de uma mesma canção: ela começa com um arranjo vocal à capella, segue para uma balada baseada em uma linda linha de piano, vai para um solo matador de Brian May, alcança o ápice com um arranjo vocal operístico, seguido por um rock pesado baseado na guitarra de May, e termina com outra balada e os versos finais: 

Nothing really matters
Anyone can see
Nothing really matters
Nothing really matters to me

Anyway the wind blows

Isso tudo era novidade total para mim. As músicas que eu ouvia tinham o esquema básico de introdução / parte principal / estribilho / repetição da parte principal /e fim. Aquilo era completamente diferente de tudo o que eu jamais ouvira. E os arranjos de guitarra? Para quem estava acostumado a arranjos com violão de sete cordas, bandolim e flauta, ouvir o trabalho de guitarras de Brian May e Fred Mercury era um verdadeiro soco no estômago: a sonoridade das guitarras, o solo impactante, as harmonizações das cordas com os vocais da banda, tudo era novo, surpreendente e arrebatador.

Nunca mais fui o mesmo depois daquela fita. Mudei de estilo musical, passei a querer tocar guitarra e me tornar músico. Em breve, eu já estava tocando e cantando nos bailes da vida em uma banda chamada “Magia Tropical”. De lá, já no início dos anos 80, fui convidado para tocar em outra banda, maior e melhor estruturada, chamada “Merlin’s Message”, de Piraju. Foi lá que conheci a mulher com quem um dia viria a né casar. O resto é história. 

Como eu disse, não há exagero nenhum em dizer que uma fita cassete pirata vagabunda, caída de uma moto, mudou toda a minha vida. E você? Qual foi a “fita cassete” que mudou seus rumos?

REPUBLICAÇÃO: texto publicado na página originalmente em 15/11/2018

Nelson Santander – Dois capítulos perdidos de Memórias Póstumas de Brás Cubas

Capítulo ***

ESCOBAR

À entrada do teatro São Pedro, deparei-me com Escobar, um comerciante do ramo cafeeiro que eu conhecera por intermédio do meu cunhado Cotrim, com quem ele mantinha relações mercantis. Natural de Curitiba e ex-seminarista, Escobar começava a prosperar na capital, após um início modesto de carreira que fora impulsionado pela ajuda financeira aviada pela viúva do ex-Deputado Pedro de Albuquerque Santiago. Não faças mau juízo da viúva, caro leitor; o próprio Escobar me confidenciou que ela havia cedido o capital a título de empréstimo, exclusivamente por ingerência de seu filho único, Bentinho, que vinha de ser o melhor amigo de Escobar desde os tempos do seminário. Era de conhecimento geral que Escobar possuía uma certa habilidade ou vocação para administrar seus próprios recursos. E os dos outros também. Dizia-se no Andaraí que era dado a aventuras amorosas e que frequentava a casa de Bentinho e sua esposa Capitolina com muita frequência e em horários pouco comuns.

– Escobar, quanto tempo!

– Brás, que satisfação em revê-lo! Estava mesmo precisando falar com você.

Enquanto falava, Escobar me levou para um canto reservado sob a marquise do teatro, quase na esquina. Ele parecia deveras animado, o que me causou estranheza, pois sempre o tivera por reservado e pouco afeito ao alarde.

– Ouvi dizer que você alugou uma casa na Gamboa, perguntou.

Tive um sobressalto. Então já se comentava na cidade acerca do lugar que eu reservara para meus encontros com Virgília? Se Escobar estava sabendo, era possível que a história também já tivesse chegado aos ouvidos do Lobo Neves. Depois do episódio da carta anônima, Virgília me disse que o marido andava muito desconfiado. Será que ele já tinha ouvido alguma coisa sobre a Gamboa?

– Na verdade, a casa não me pertence, respondi; é da dona Plácida, uma senhora que foi agregada na casa de uma velha amiga. Eu apenas fiz um pequeno empréstimo e subscrevi algumas promissórias para que a pobre pudesse dar a entrada.

– Sei, respondeu ele com um meio sorriso; estou eu também à procura de uma casa como essa para acomodar a criada de uma amiga…

As palavras meticulosamente selecionadas e o olhar malicioso com que foram ditas deixaram pouca margem para dúvida: Escobar procurava estabelecer aquela espécie de relação de cumplicidade que às vezes há entre dois homens que se encontram na mesma situação de ilicitude matrimonial. Eu não tinha a menor intenção de manter tal nível de vínculo com aquele sujeito. Não confiava nele. Um homem que se prestava ao papel de comborço do melhor amigo não era alguém com quem se pudesse compartilhar segredos. Para mim, Escobar tinha o caráter de quem seria capaz de enviar um bilhete anônimo ao Lobo Neves apenas para ver o teatro em chamas.

– Foi dona Plácida quem fechou pessoalmente o negócio, respondi de forma seca, começando a caminhar em direção à entrada do teatro.

– Que pena, disse ele, olhando divertido para mim enquanto me acompanhava; tenho uma certa urgência em encontrar algo. A criada que quero ajudar não é casada e está no início de uma gravidez. Quero acomodá-la antes que o estado dela se dê a mostrar. Minha amiga não deseja escândalos.

Então era verdade! Não havia criada alguma. Corria o boato de que dona Capitolina estava grávida. E que Bentinho não era o pai… Não sabia o que pensar disso. Embora eu também mantivesse um consórcio amoroso com uma mulher casada, começava a desenvolver, sem entender bem por que, um sentimento desconfortável de aversão por Escobar. Não conseguia precisar a causa exata daquela sensação. A princípio, pensei que minhas fidúcias decorriam de um desejo próprio por uma espécie de reserva de mercado no ramo dos amores ilícitos. Logo acudi que tal vaidade era uma impossibilidade: provavelmente havia centenas de homens na corte em situação semelhante à minha. Rapidamente compreendi que meu asco por Escobar decorria, na verdade, de um certo ciúme projetivo em relação à situação dos homens traídos em geral. Com efeito, o leitor pode não acreditar, mas às vezes eu fazia um exercício mental de projeção, colocando-me no lugar do Lobo Neves – embora raramente e despido de remorso. E, conquanto não me identificasse em nada com o Bentinho – um sujeito fechado, mal-humorado e desconfiado, com fama de sensível – o que acontecia com ele não me dava nenhuma satisfação particular. Ademais, Escobar se me apresentava como um reflexo mais limitado e menos pretensioso de mim mesmo – uma imagem que não parecia nem um pouco agradável.

– Preciso adentrar, a peça certamente já se iniciou, disse eu, impaciente; pedirei a Dona Plácida que pergunte nas redondezas se alguém sabe de alguma casa para vender ou alugar.

Ele pareceu se lembrar de algo. Contou-me então que estava a caminho da casa de um amigo para discutir um interdito proibitório – presumi logo que o amigo fosse o Bentinho. Antes de partir, pediu-me para manter discrição em relação às suas intenções com a casa, “para evitar maledicências desnecessárias”. Redargui que não se preocupasse.

Ele se despediu e estava prestes a partir, mas se voltou novamente para mim:

– Esquecia-me de contar-lhe; outro dia, em São Cristóvão, encontrei com uma amiga em comum, Virgília…

Olhei-o desconfiado. Ele continuou:

– Ela ia triste, parece que o marido havia sido forçado a desistir da nomeação para presidente de província. Ela me disse que você seria Secretário, é verdade?

– Ainda estava avaliando a conveniência…

– Tomamos um café, continuou ele. Ela é uma companhia muito agradável. E que mulher espetacular! Que magníficos braços ela tem! Mas desconfio de algo…

– Do que suspeita?

– Acredito que ela não é feliz no casamento, respondeu. Vendo meu olhar desconfiado ele continuou: Como eu sei? Bem, você sabe como as mulheres são, elas geralmente evitam abordar certos assuntos, especialmente com homens casados. No entanto, naquele dia no café, Virgília estava especialmente eloquente.

Chegamos a uma das portas de entrada e paramos por um momento. Escobar trazia no rosto uma expressão divertida e gaiata. Segurava levemente meu braço para impedir que eu fugisse.

– Sabe, ela até me confessou algo bastante indiscreto… – disse ele.

– Sim?, acudi eu, já alarmado.

– Disse-me que não tinha um casamento satisfatório, foi sua resposta. Confesso que não me incomodaria em ajuda-la com alguns dos problemas dela…

Tenta imaginar tu, leitor, o pasmo que experimentei! Não era para mim nenhuma novidade a indiscrição e lascívia do Escobar. Mas Virgília confessando insatisfações matrimoniais a um homem conhecido por sua infidelidade à esposa e ao melhor amigo? Ela sequer havia-me dito que tinha se encontrado com Escobar. Sobre o que mais teriam conversado os dois? Teria sido ela a revelar-lhe sobre a Gamboa? As garras do ciúme enterraram-se-me no coração; sentia-me uma espécie de Lobo Neves de véspera. Súbito, me ocorreu o óbvio: se ela trai o marido por que não trairia também o amante?

– Se eu fosse você, não me metia com ela, respondi com aspereza; o marido tem fama de valente e já me confessou que não hesitaria em atirar em quem se aproximasse da esposa, a quem ele idolatra.

Escobar sorriu levemente. Aquele esgar malicioso denotava que ele sabia de tudo: da traição de Virgília e de minha posição privilegiada nesse evento doméstico. De minhas inseguranças em relação ao nosso relacionamento. E de que tudo o que eu podia fazer era inventar essa mentira disparatada sobre o Lobo Neves – que apenas no nome carregava vagas evocações de ferocidade.

Não sei se explico o ódio que senti contra Escobar naquele momento. Desejei que ele se afogasse na praia do Flamengo, onde costumava nadar quase todos os dias, mesmo com o mar bravio.

– Vou levar isso em consideração, respondeu ele, ainda sorrindo daquele jeito velhaco – e se despediu novamente.

Capítulo ****

UM CUBAS! (II)

Permaneci à porta do teatro, sem ânimo para entrar mas com nenhum desejo de partir. Recordava-me da conversa que tivera com Virgília naquela tarde, quando ela me contou sobre a carta anônima que o marido recebera dias antes, alertando-o contra mim. Lembrei-me do gesto de recuo que ela fez quando, à saída, pousei-lhe um beijo à testa. Era evidente que já se cansara de mim. Pensei também no Bentinho, destinado a criar como seu, sem jamais o saber, o filho que, a se dar crédito ao que dizia o vulgo, o amigo fizera em sua esposa. Um amontoado de sentimentos mal-costurados revolviam em mim. Ciúme, desesperança, raiva e autocomiseração compunham um todo indigesto que me mantinha inerte à porta do teatro.

Enquanto mergulhava em tais pensamentos, avistei, num vislumbre, através da porta aberta, Nhá-loló, acompanhada de seu pai, o Damasceno. Lembrou-me o dia em que a conheci, naquele jantar em casa de Sabina (capítulo XCIII), de como seus olhos permaneceram fixos em mim durante toda a noite. Próximos a eles, vi também um deputado conhecido ao lado da esposa, filha do ministro da Justiça. Estavam rodeados por um pequeno séquito de sabujos (Damasceno era um deles). A imagem dos rapapés suscitou em mim a nostalgia daquele velho desvanecimento que me acompanhou até a morte e espertou novamente aquela paixão pela notoriedade que, em última instância, acabaria por me matar.

Senti meu ânimo revigorado e até me esqueci por um instante de Virgília quando, enfim, decidi ingressar no teatro. Quais eram, afinal, meus reais sentimentos por ela naquela época? Ainda a amava? Mesmo hoje, aqui na terceira margem do rio, não saberia dizê-lo. Contudo, a maneira como meu ânimo se elevou assim que vislumbrei Nhá-loló sugeria, ao menos, que minha atenção já não se depositava unicamente em Virgília.

Por que, então, as insinuações de Escobar haviam me aborrecido tanto? Obviamente, como homem, não gostava de pensar na ideia de ser derrotado na disputa pelo amor de uma mulher, sobretudo porque não poderia recorrer a soluções drásticas – como desafiar o peralta para um duelo – uma vez que a mulher em questão não me pertencia. O amor-próprio, nessas horas, se expande ao ponto do apego e do despeito se confundirem com ciúme. Não o confirmam as Escrituras? “Vaidade de vaidades, tudo é vaidade”

Mas o que verdadeiramente me desagradava era o fascínio que um sujeito tão vulgar e mal-nascido como Escobar parecia despertar nas mulheres. Como Virgília poderia cogitar substituir um puro-sangue por um matungo?

Ocorreu-me que Virgília pudesse estar repetindo o lance que havia culminado na derrota das minhas pretensões matrimoniais, anos atrás, quando, sem maiores explicações, ela me substituiu pelo Lobo Neves. A diferença é que então éramos todos solteiros e a preterição de um pretendente por outro não passava de um capricho feminino socialmente aceitável. Virgília estava agora casada e eu era seu amante. Ao aceitar a possibilidade de me substituir por outro, ela deixava transparecer uma vontade de explorar outras vias escusas além daquelas que vínhamos trilhando.

Não nego que eu via um certo espírito empreendedor em sua atitude; só não me agradava a ideia de ser eu o negócio a ser sucedido para que ela alcançasse a glória…

Veio-me à memória a expressão de indignação que meu pai bradou quando Virgília me deixou pelo Lobo Neves:

– Um Cubas!

Aquela frase ecoou em meu pensamento e continuei repetindo-a mentalmente, enquanto procurava sofregamente o camarote de Nhá-loló.

– Um Cubas!

Convém intercalar o presente capítulo e o anterior entre a terceira e a quarta oração do capítulo XCVIII.

NOTAS SOBRE ESSA NARRATIVA

Dia desses, em uma página do Facebook, alguém que eu não conhecia nem de vista nem de chapéu postou um trecho curto propondo um exercício imaginativo: e se Machado tivesse promovido um encontro entre Capitu e Brás Cubas?

Comecei a tentar imaginar como seria, mas me ocorreu algo melhor: e se, em vez disso, o encontro fosse entre Brás e Escobar? O contraste entre o bem nascido Brás, típico representante da aristocracia oitocentista e o arrivista Escobar, arquétipo da burguesia do século XIX, poderia resultar em uma cena ainda mais interessante.

Ao iniciar minha narrativa de cara deparei-me com uma dificuldade. Os fatos narrados em Memórias Póstumas de Brás Cubas ocorrem entre 1805 e 1869, respectivamente as datas do nascimento e da morte de Brás. Não é possível precisar por quanto tempo e em que período Brás e Virgília viveram o seu relacionamento ilícito, pois Machado não quis dar datas exatas. Sabemos, todavia, que Brás se encontrou com Virgília uma vez mais, anos depois do término do relacionamento de ambos, em 1855 (Capítulo 130). Sabemos também que, àquela altura, ambos já estavam na fase de madureza pela descrição que Brás faz de sua ex-amante (“A primeira vez que pude falar a Virgília, depois da presidência, foi num baile em 1855. Trazia um soberbo vestido de gorgorão azul, e ostentava às luzes o mesmo par de ombros de outro tempo. Não era a frescura da primeira idade; ao contrário; mas ainda estava formosa de uma formosura outoniça, realçada pela noite.”). E também porque, na sequência, ele dedica um capítulo todo aos seus cinquenta anos de idade (Capítulo 134).

Já a história de ciúmes de Bentinho ocorre mais tarde: Machado não aponta a data de seu nascimento, mas nos conta que, em 1857, ele tinha 15 anos (de onde se presume que ele tenha nascido em 1842 – vide Capítulo II). Escobar, por sua vez, era três anos mais velho do que ele (vide Capítulo LVI) , tendo nascido, portanto, em 1839. Morreu em 1871 (Capítulo CXXII), aos 32 anos de idade. Pela leitura da obra, cogita-se que a suposta traição de Capitu não ocorreu antes do casamento dela com Bentinho, que se deu em 1865 (Capítulo CI). Assim, o suposto caso de adultério, se ocorreu, se deu entre 1865 e 1871, quando Virgília já teria mais de 60 anos. Portanto, cronologicamente falando, seria impossível que Escobar, por volta de seus 29, 30 anos de idade, pudesse ter algum interesse sexual por Virgília…

Não importa, a riqueza dessas criaturas de Machado de Assis é tão grande que me vi obrigado a cometer a heresia de antecipar os eventos narrados em Dom Casmurro para ajusta-los cronologicamente aos das Memórias Póstumas.

Do ponto de vista do Memórias Póstumas de Brás Cubas, o capítulo que imaginei se passa logo após o aborto espontâneo que Virgília sofrera e o recebimento de uma carta anônima por Lobo Neves entregando o caso amoroso de sua esposa com Brás. O caso dos dois está prestes a terminar, mas naquele momento os amantes não sabem disso. Não obstante, ao final do capítulo XCVI (“A Carta Anônima”), Brás relata que ao beijar Virgília na testa esta recuou, “como se fosse um beijo de defunto”. No capítulo seguinte, ele esclarece: “Há aí, no breve intervalo, entre a boca e a testa antes do beijo e depois do beijo, há aí largo espaço para muita coisa: a contração de um ressentimento, — a ruga da desconfiança, — ou enfim o nariz pálido e sonolento da saciedade… “

Em relação a Dom Casmurro, em minha narrativa Brás encontra Escobar logo após a gravidez de Capitu. Àquela altura do romance, Bentinho já havia iniciado sua estratégia de descrever fatos que, no clímax de suas memórias, mostrar-se-iam como verdadeiras peças acusatórias da traição e supostas provas do relacionamento entre Capitu e Escobar. São assim os Capítulo CV, CVI e CVIII. Em cada um desses capítulos, Bentinho conta uma passagem no qual fica subentendido de forma muito sutil o relacionamento de sua esposa com seu melhor amigo (Capitu só concorda em deixar de expor seus braços em eventos sociais depois que Bentinho diz que Escobar aprovava seu desagrado com esse fato; Capitu está com o olhar perdido no mar, o que leva a Bentinho a desconfiar de algo; na sequência, ela diz que estava “somando uns dinheiros para descobrir certa parcela que não achava”, o que, no final, leva à revelação de que Escobar fazia corretagens com as economias de Capitu e que naquele dia estivera com ela antes de Bentinho chegar; etc.).

Finalmente, o ponto de contato entre ambos não podia deixar de ser o Cotrim, cunhado de Brás Cubas, um self-made man na área do comércio, como Escobar.

Acho que não preciso mencionar que minha narrativa é apenas uma brincadeira pseudoliterária. Nem eu sou escritor e ainda que fosse não teria talento suficiente para reproduzir ou sequer imitar o estilo machadiano. Ninguém o tem, aliás. Na literatura latino-americana, Machado é incomparável. Coloca no bolso escritores como Guimarães Rosa, Borges ou Gabriel García Márquez. Na verdade, só vamos encontrar quem o ombreie na mais alta e estrita esfera da literatura mundial – falo de gente como Shakespeare, Dostoiévski, Faulkner.

No entanto, como diria Quincas Borba, “a inveja não é senão uma admiração que luta”. Assim, ao emular um ou dois capítulos das Memórias Póstumas estou apenas tentando ilustrar empiricamente um dos princípios humanitas mais bem elaborados. Se a inveja é uma virtude, como queria Quincas Borba, invejar o maior de todos – a ponto de querer interpolar alguns capítulos desnecessários em sua obra-prima – é sublime.

Independentemente de ter gostado ou não de minha narrativa, uma coisa é certa: você já a leu. Se gostou, caro leitor, ótimo; se não, não te pago com um piparote, como sugere Brás aos seus leitores. Tampouco lamento. Afinal de contas, como diria Quincas Borba, “Verdadeiramente há só uma desgraça: é não nascer.”

Em 20/06/2018

REPUBLICAÇÃO, com alterações no texto: narrativa publicada na página originalmente em 20/06/2018

Nelson Santander – Renata Maria

O episódio em que Chico Buarque foi xingado por um grupo de jovens aparentemente bêbados no final do ano passado suscitou uma série de discussões nas redes sociais, colocando em polos opostos, uma vez mais, de um lado, os defensores do PT e da esquerda de um modo geral, além dos fãs do compositor, e, de outro, os que querem ver o PT – e todos os que se identificam com o partido, como o compositor – varridos da face do planeta.

Acho que o assunto já foi exaustivamente debatido e acredito que a grosseria cometida contra o artista foi devidamente repudiada por aqueles que são detentores de um mínimo de bom senso: o fato de o Chico ter uma postura defensiva em relação ao PT não autoriza ninguém a xingá-lo na rua (“Você é um merda!”, vociferou um dos playboys).

No meio dos inúmeros impropérios bradados contra o artista pelos que defendiam os playboys nas redes sociais, chamou-me a atenção aqueles que diziam respeito à sua obra. Não foram poucos os que tacharam o compositor de “medíocre” e seu trabalho de “chato” ou de baixa qualidade. Provavelmente a maioria dos que emitiu sua opinião contra o Chico artista não conhece nada de seu trabalho. E se conhecem, realmente não gostam. A arte de Chico, de fato, não é para todos. Melodias pouco óbvias e letras mais elaboradas do que o habitual na música brasileira tornam seu trabalho praticamente inacessível ao grande público. Os demais críticos simplesmente não tiveram a habilidade de separar o Chico cidadão e eleitor do PT do Chico artista, e atacaram este pela orientação política daquele.

E houve aqueles que, embora reconheçam que o artista é detentor “de um certo talento”, suscitaram a existência de uma espécie de corte temporal na qualidade de seu trabalho. Para estes, a última canção de boa qualidade do Chico foi composta nos anos 80 e nada do que ele produziu de lá para cá prestaria. Será mesmo?

Olhando a discografia do Chico dos anos 90 até hoje, podemos ver que ele lançou cinco discos de canções inéditas (com algumas regravações): Paratodos (1993), As Cidades (1998), Cambaio (2001), Carioca (2006) e Chico (2011). Os dois primeiros são de altíssimo nível, e contam com canções que, se não superam, rivalizam com o que de melhor o compositor produziu nos anos anteriores. São de Paratodos (1993) as obras primas “Paratodos” (em que o compositor faz sua profissão de fé), “Choro Bandido”, “Tempo e Artista”, “De Volta ao Samba” (cuja aparente simplicidade melódica esconde um samba de melodia extremamente sofisticada), “A Foto da Capa” e aquela que é uma das mais belas canções compostas pelo artista, “Futuros Amantes”:

Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios no ar

E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos

Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização

Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você

De As Cidades (1998), destacam-se: “Sonhos Sonhos São”, “A Ostra e o Vento” (que tem essa linda estrofe: “Se o mar tem o coral / A estrela, o caramujo / Um galeão no lodo / Jogada num quintal / Enxuta, a ostra guarda o mar / No seu estojo”), “Assentamento” e a belíssima “Cecília”, que tinha versos como estes:

(…)
Me escutas, Cecília?
Mas eu te chamava em silêncio
Na tua presença
Palavras são brutas
Pode ser que, entreabertos,
Meus lábios de leve
Tremessem por ti
Mas nem as sutis melodias
Merecem, Cecília, teu nome
Espalhar por aí

Como tantos poetas
Tantos cantores
Tantas Cecílias
Com mil refletores,
Eu, que não digo
Mas ardo de desejo,
Te olho
Te guardo
Te sigo
Te vejo dormir

Para Carioca (2006), Chico Buarque compôs (em parceria – a primeira – com Ivan Lins) uma verdadeira pérola chamada “Renata Maria”, que será objeto de análise deste artigo.

Para Luca Bacchini (in Chico Buarque: o poeta das mulheres, dos desvalidos e dos perseguidos, organizado por Rinaldo de Fernandes), a letra de Renata Maria, “aparentemente insignificante”, chama a atenção pela sofisticação de sua construção, que contrastaria com a trivialidade da temática.

De que temática estamos falando?

De fato, a canção retrata uma história absurdamente simples: um homem vê uma mulher na praia (a quem ele chama de Renata Maria) e fica encantado por ela, passando a procura-la todos os dias na praia, em vão. Apenas isso. Mas, por baixo da aparente simplicidade do enredo, temos uma verdadeira ourivesaria na construção da letra da música, escancarando o talento do compositor no fazer poético.

A canção começa com uma descrição pictórica da primeira visão que o narrador tem de Renata Maria:

Ela era ela era ela no centro da tela daquela manhã
Tudo o que não era ela se desvaneceu
Cristo, montanhas, florestas, acácias, ipês

Pranchas coladas na crista das ondas, as ondas suspensas no ar
Pássaros cristalizados no branco do céu
E eu, atolado na areia, perdia meus pés

Já de início, percebemos a obsessão do narrador pela musa da canção na repetição da palavra “ela” (inclusive nas rimas internas encontradas nas palavras  “tela” e “aquela”). O encantamento causado pelo surgimento da mulher objetificada prossegue a ponto de causar o desvanecimento de tudo o que estava ao alcance da vista do homem (Cristo, montanhas, florestas, acácias, ipês) e a imposição de uma percepção onírica da realidade (Pranchas coladas na crista das ondas, as ondas suspensas no ar / Pássaros cristalizados no branco do céu). A visão, a se crer no narrador, é de tirar o fôlego e de fazer perder o chão, o que se reflete no duplo sentido contido no verso E eu, atolado na areia, perdia meus pés.

A canção prossegue alterando o foco narrativo antes voltado para o contexto da visão do narrador para o seu eu interior, retornando em seguida, uma última vez, para o exterior. Acentua-se, também, a sensação de incapacidade de reação do personagem, que fica sem palavras diante da fulgurosa visão de sua musa saindo do mar:

Músicas imaginei
Mas o assombro gelou
Na minha boca as palavras que eu ia falar
Nem uma brisa soprou
Enquanto Renata Maria saía do mar

Na sequência, vemos que o narrador passa a buscar sua musa, obsessivamente, dia após dia na mesma praia em que a viu saindo do mar:

Dia após dia na praia com olhos vazados de já não a ver
Quieto como um pescador a juntar seus anzóis
Ou como algum salva-vidas no banco dos réus

É notável a força da qualidade poética contida no primeiro verso que, em poucas e bem colocadas palavras, dá a exata medida do estado de ânimo do narrador. Se, de um lado, a expressão dia após dia indica que o narrador visita a mesma praia por vários dias sucessivos, a menção aos olhos vazados de não a ver sugerem que o personagem não enxerga mais nada nem ninguém nesses longos dias, alimentados exclusivamente pela busca do objeto de seu desejo.

Os versos seguintes indicam que a busca é de uma quietude obstinada, mas inócua: o pescador que junta seus anzóis voltou de mãos vazias da pescaria; o salva-vidas no banco dos réus (que metáfora linda) nada fez o dia todo além de esperar.

A sequência de versos seguinte é primorosa:

Noite na praia deserta, deserta, deserta daquela mulher
Praia repleta de rastros em mil direções
Penso que todos os passos perdidos são meus

Luca Bacchini assim interpreta este trecho da canção:

“É noite e o homem fica sozinho na praia. Andando contra qualquer princípio da arte venatória, aproveita a escuridão para abandonar a posição passiva de espera e passar à procura ativa. Mas Renata Maria continua a escapar-lhe. Ainda nesses versos o significado expresso pelas palavras resulta enriquecido por sofisticadas engenharias linguísticas. O adjetivo “deserta”, repetido três vezes, assemelha-se a uma voz que ecoa dentro de um espaço vasto, vazio e paradoxalmente fechado. Embora a praia seja habitualmente um espaço aberto onde não se realiza o fenômeno do eco, estamos aqui numa paisagem surreal, petrificada e asfíxica, fechada em cada lado: atrás pelas montanhas, de frente pelas ondas suspensas, em cima pelo branco do céu e pelos pássaros cristalizados e embaixo pela areia. Ao mesmo tempo o adjetivo “deserta”, mesmo que se referindo ao lugar, fornece informações também sobre o protagonista. A sua repetição devolve também a angústia da busca infrutífera do homem que persegue, sem nunca achar, a personificação de uma obsessão. De fato, do ponto de vista prosódico e musical, a passagem do si bemol das primeiras sílabas ao mi da última – de(si b.)-ser(si b.)-ta(mi) – reproduz, cada vez que a palavra “deserta” é pronunciada, um efeito ofegante, como se quem fala tivesse apenas terminado uma corrida, ficando sem o ar suficiente para pronunciar a última sílaba.”

É noite, como o próprio protagonista deixa claro. A praia, vazia, está repleta de rastros em mil direções como seria de se esperar de um lugar que é, durante o dia, frequentado por inúmeras pessoas. O personagem, todavia, está tão obcecado em sua busca que afirma, categoricamente, que todos os passos perdidos são dele. Os versos têm um efeito imagético muito forte, mas sua força maior reside naquilo que revela sobre o estado de espírito do narrador: o de alguém completamente perdido por conta de sua obstinação.

A canção termina da mesma maneira com que acordamos de um sonho bom: com uma resignação encharcada de um sentimento de perda; perda de algo que se sabe inalcançável ou talvez inexistente.

Eu já sabia, meu Deus
Tão fulgurante visão
Não se produz duas vezes no mesmo lugar
Mas que danado fui eu
Enquanto Renata Maria saía do mar

Há uma resignação amarga na constatação de que, embora o personagem já soubesse disso de antemão, a fulgurante visão de Renata Maria não se reproduziria novamente naquela praia.

Os dois últimos versos indicam o destino do narrador. O adjetivo substantivo danado comporta, no contexto, ao menos duas interpretações.

A primeira delas tem a ver com a acepção mais vulgar do termo, no sentido de alguém que é muito esperto, malandro, travesso, arteiro. Nesse sentido, os versos mas que danado fui eu enquanto Renata Maria saía do mar adicionam um elemento novo à interpretação: o de que a visão da musa suscitou no narrador outro tipo de obsessão: a da lubricidade.

No entanto, danado é também sinônimo de condenado, o que implica dizer que o narrador reclama o seu destino de ter sido amaldiçoado para sempre assim que colocou os olhos naquela mulher que não mais retornará àquela praia. Ele sabe que teve uma breve visão da beleza absoluta e que a deixou escapar para nunca mais, tornando-se, assim, vítima de um momento de danação que se perpetuará no tempo, em sua memória.

Alguém ainda acha que o melhor Chico ficou nos anos 80?

Post Scriptum, em 07/02/16: Chico nunca esteve sozinho. Charles Baudelaire, há dois séculos, já havia escrito um poema magistral sobre o tema do encontro fortuito com a mulher desconhecida que fica gravada para sempre na memória do artista:

A Uma Passante – Charles Baudelaire

A rua, em torno, era ensurdecedora vaia.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão vaidosa
Erguendo e balançando a barra alva da saia;

Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina.
Eu bebia, como um basbaque extravagante,
No tempestuoso céu de seu olhar distante,
A doçura que encanta e o prazer que assassina.

Brilho… e a noite depois! – Fugitiva beldade
De um olhar que me fez nascer segunda vez,
Não mais te hei de rever senão na eternidade?

Longe daqui! tarde demais! “nunca” talvez!
Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste,
Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste!

Trad.: Guilherme de Almeida

REPUBLICAÇÃO: o artigo foi originalmente publicado no blog em 15/04/2016. No ano seguinte, Chico lançaria o álbum Caravanas, com outras pequenas pérolas, como “Tua Cantiga” (que causou um certo ruído na esquerda entre as feministas) e “Massarandupió”. Dentre elas, a última do disco, As Caravanas, cuja letra, de tão boa, reproduzo na íntegra:

É um dia de real grandeza, tudo azul
Um mar turquesa à la Istambul enchendo os olhos
Um sol de torrar os miolos
Quando pinta em Copacabana
A caravana do Arará, do Caxangá, da Chatuba
A caravana do Irajá, o comboio da Penha
Não há barreira que retenha esses estranhos
Suburbanos tipo muçulmanos do Jacarezinho
A caminho do Jardim de Alá
É o bicho, é o buchicho, é a charanga

Diz que malocam seus facões e adagas
Em sungas estufadas e calções disformes
É, diz que eles têm picas enormes
E seus sacos são granadas
Lá das quebradas da Maré

Com negros torsos nus deixam em polvorosa
A gente ordeira e virtuosa que apela
Pra polícia despachar de volta
O populacho pra favela
Ou pra Benguela, ou pra Guiné

Sol, a culpa deve ser do sol
Que bate na moleira, o sol
Que estoura as veias, o suor
Que embaça os olhos e a razão

E essa zoeira dentro da prisão
Crioulos empilhados no porão
De caravelas no alto mar

Tem que bater, tem que matar, engrossa a gritaria
Filha do medo, a raiva é mãe da covardia
Ou doido sou eu que escuto vozes
Não há gente tão insana
Nem caravana do Arará
Não há, não há

Sol, a culpa deve ser do sol
Que bate na moleira, o sol
Que estoura as veias, o suor
Que embaça os olhos e a razão

E essa zoeira dentro da prisão
Crioulos empilhados no porão
De caravelas no alto mar

Ah, tem que bater, tem que matar, engrossa a gritaria
Filha do medo, a raiva é mãe da covardia
Ou doido sou eu que escuto vozes
Não há gente tão insana
Nem caravana
Nem caravana
Nem caravana do Arará

Sei não, mas tenho a impressão de que aqueles que criticavam o Chico em 2016, ao ver a letra dessa canção, devem ter odiado. Até o ser humano mais tosco consegue enxergar-se quando um espelho é colocado na sua cara.

Nelson Santander – O dia em que meu pai ouviu a voz de Deus

O conhecido escritor de ficção científica Arthur C. Clarke formulou três “leis” acerca da relação entre o homem e a tecnologia que ficaram muito famosas. Dentre elas, a mais conhecida é a terceira, que reza:

“Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia.”

Lembrei dessa Lei quando, em um certo domingo, fui visitar meus pais. Antes mesmo que eu tivesse tempo de tomar um café, meu pai disparou, com um olhar esquisito:

“Eu sei que você não acredita em sobrenatural, mas aconteceu uma coisa estranha comigo”.

Normalmente, quando alguém que conhece meu ceticismo tenta me convencer de algo sobrenatural, costuma me lançar um olhar que é um misto de temor e desafio. Mas não era esse o olhar do meu pai. Para mim a princípio me pareceu o olhar de quem, em face do desconhecido, quer ser convencido de que nada de extraordinário aconteceu, e que o mundo pode seguir seu curso regular novamente.

Ele então me contou que na semana anterior havia ligado a TV e que, inusitadamente, o aparelho não sintonizou no “Brasil Urgente” (seu programa favorito de todas as tardes). De forma surpreendente, a tela ficou escura e então os auto-falantes da TV começaram a reproduzir uma música, segundo ele, “maravilhosa”. Meu pai ficou paralisado, confuso. Ele tentou voltar para o Datena, mas não conseguiu. Vencido pela beleza da orquestração, sentou-se no sofá e pôs-se a ouvir o que saía da TV. Depois daquela música, outra se seguiu. E outra. E outra. Todas completamente desconhecidas pra ele, mas absurdamente lindas (ele não usou precisamente essas palavras, mas era isso que seus olhos diziam).

E assim se passaram mais de três horas em que meu pai, embora meio assustado por estar testemunhando um evento estranho, não conseguia deixar de apreciar o momento. Depois que o som cessou, ele tentou que a TV tocasse novamente aquelas canções, mas tudo o que conseguiu foi dar de cara com o Datena narrando a história de mais um esquartejamento. Para sua decepção, meu pai não mais conseguiu fazer a TV falar com ele com aquelas melodias.

Quando concluiu sua narrativa, ele me perguntou, genuinamente curioso, mas ainda um tanto quanto espantado: “E aí?”, o olhar desafiador finalmente surgindo.

À essa altura, eu já estava com um meio-sorriso no rosto. Chamei-o à sala, fui até a TV, liguei o aparelho, fiz a minha “magia” e de repente, o adágio do Concerto para Clarineta em A maior, K.622, de Mozart, inundava a sala, sob o olhar atento e extasiado do meu pai. Na sequência, veio a famosa Ária na corda sol, de Bach, seguida do Adágio em Sol Menor, de Albinoni. Só então ele se lembrou de me perguntar como eu tinha conseguido fazer aquilo.

Desliguei a TV, estiquei a mão e, tateando na parte de trás do aparelho, retirei o pendrive que eu havia colocado lá na última visita que fizera à casa dele, um mês antes. Na ocasião, eu havia tentado de toda forma ensinar meu pai a acessar o pendrive pelo controle remoto para que pudesse ouvir uma playlist de músicas clássicas em MP3 que eu havia criado especialmente pra ele. Sem sucesso. Meu pai sempre foi uma nulidade com equipamentos eletrônicos, mal e mal sabendo ligar a TV e colocar nos canais que ele gosta de assistir. Desisti de explicar e acabei esquecendo o pendrive lá. De alguma maneira, ao tentar sintonizar em seu programa na TV, ele apertou algum botão errado no controle e acessou a pasta com a playlist que eu havia criado. Como não conhecia aquelas músicas e como a TV não estava ligada em nenhum canal, ele ficou tentando imaginar o que acontecera, e não chegou a nenhuma conclusão lógica. Portanto, concluiu, só podia ser algo sobrenatural.

“Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia.”

Depois que mostrei que não havia nada de extraordinário no que acontecera com ele, a reação do meu pai foi muito interessante. Claramente, ele ficou um pouco envergonhado por ter pensado que havia testemunhado um milagre quando tudo não passara de um feito tecnológico. De entremeio com a vergonha, percebi também uma genuína frustração. Não sei se traduzo adequadamente, mas minha intuição é a de que ele talvez tenha imaginado que algo, ou “A Voz”, o havia escolhido para lhe mostrar a Sua obra: músicas divinas que ninguém jamais ouvira, a não ser o meu pai.

Mas o mais interessante foi que, depois de ter descoberto que não eram divinas, mas humanas as canções que o haviam arrebatado, seu interesse por elas claramente diminuiu:

– São bonitas sim, Nelsinho. Mas você sabe, eu gosto é de música orquestrada, Glenn Miller, Billy Vaughn. E Ray Conniff. Conhece? “Besame Mucho” é que é música!

Não sei se existe alguma lição a se tirar do episódio. Meu olhar cético para as coisas tende a achar graça na necessidade que as pessoas têm de encontrar o divino em qualquer fenômeno natural ou humano desconhecido ou inusitado com o qual se deparam. Meu velho pai achava que estava ouvindo a voz de Deus, quando na verdade eram os humanos Mozart, Beethoven, Chopin e etc. quem lhe falavam por meio de suas árias, adágios e andantes.

Mas minha visão seria totalmente limitada se eu negasse que uma outra leitura desse tipo de evento é também possível: não seriam essas canções uma forma que o Incognoscível encontrou para falar com os seres humanos? E, nesse contexto, não seriam os compositores e músicos apenas como aparelhos de TV nos quais Ele espetou Seu pendrive divino para emitir o Seu som e a Sua voz?

(relato retirado da página de perfil do autor no Facebook)

Nelson Santander – O ano novo inalcançável

Meu xará Nelson Motta costuma afirmar, sem firulas, que a música americana é a melhor do mundo. O jornalista, compositor, escritor, roteirista, produtor musical, teatrólogo e letrista paulista radicado no Rio de Janeiro dispensa apresentações: sua extensa produção em todos os quadrantes da atividade musical – da produção à composição, passando pela crítica e história da música – lhe conferem um certo estatuto privilegiado para falar sobre o tema. Se ele diz que a música americana é a melhor do planeta, não sou eu quem irá contradita-lo.

É uma afirmação ousada, concordo. Afinal, todo país conta com artistas capazes de engendrar uma gama de produções artísticas de alta qualidade. Mas não dá para negar que, por uma série de razões (que vão da riqueza econômica do país mais rico do planeta à diversidade cultural que se verifica entre as diversas regiões do país, passando por um sistema educacional que incentiva as atividades voltadas às artes), a produção cultural americana é farta e diversificada. Em um ambiente assim, quase darwiniano, é enorme a possibilidade de que novos artistas talentosos possam surgir. Por sua visibilidade, o campo musical é onde essa profusão se revela com maior clareza: do rock ao jazz, do country à música clássica, do pop ao blues, não há nenhuma forma de expressão musical que os americanos não dominem com maestria. Nos estilos mais populares – mesmo no pop -, melodias sofisticadas costumam vir de par com letras muito bem escritas.

É o caso da pequena pérola chamada This Year, do The White Buffalo – nome artístico do cantor compositor americano Jake Smith -, que publiquei pela primeira vez no blog há dois anos, e à qual eu sempre retorno nos finais de ano. Pouco conhecido do público brasileiro – e mesmo do grande público americano -, Jake Smith já tem uma sólida carreira musical, iniciada com o lançamento de seu primeiro álbum – Hogtied Like a Rodeo – em 2002. Os fãs da série Sons of Anarchy talvez o conheçam porque várias canções interpretadas (e algumas compostas) por ele fizeram parte da trilha sonora do seriado (“Come Join The Murder”,  “Matador”, “Damned”, “Wish It Was True”, “House of the Rising Sun” (com os The Forest Rangers), “The Whistler”, “Set My Body Free”, “Sweet Hereafter”, “Oh Darling, what have I done” e “Bohemian Rhapsody” (também com os The Forest Rangers).

Para alguém que topa com o seu trabalho pela primeira vez, duas coisas impressionam: primeiro, o vozeirão e a técnica vocal do cara. Realmente, é assombroso como ele canta bem. E segundo, a qualidade das suas canções. Influenciado por dois gêneros aparentemente inconciliáveis – o country (o estilo musical favorito de seus pais) e o punk rock, mais rock, soul, folk, blues – suas melodias são belas e variadas. Muitas vezes, imprevisíveis. Sobre suas letras, o artista costuma dizer que, por apreciar “músicas realmente honestas”, como as de Bob Dylan, Leonard Cohen, Elliot Smith e Kris Kristofferson, seu objetivo ao escrever é sempre abordar os temas “de uma forma real, de uma forma honesta”:

“Eu entro em cada personagem e o empurro o mais longe que posso. Por exemplo, “If I Lost My Eyes” é uma canção do novo álbum (ele se refere ao álbum de 2019, “Darkest Darks, Lightest Lights”), é muito sombria e baseada na ideia de que se você perder suas faculdades mentais, seu companheiro ficará com você, ele preencherá esse vazio?” (https://www.musicradar.com/news/the-white-buffalo-youre-just-trying-to-hit-people-in-the-heart-with-songs)

This Year é a nona canção do álbum Shadows, Greys & Evil Ways (um puta álbum, diga-se de passagem). Trata-se de um folk-rock cuja melodia e arranjos seguem, em termos de cadência e força, a história contada na letra, emprestando à canção um sentido mais completo. A letra acompanha por um ano a história da vida de um típico looser americano. Jake Smith se vale da passagem das estações (inverno, primavera, verão, outono e inverno novamente) para indicar o estado de espírito do personagem que conta sua história em primeira pessoa.

O ciclo se inicia com a virada do ano (que ocorre no inverno norte-americano). A força do compositor já pode ser sentida nos primeiros versos que, embora descrevam a euforia típica que toma conta das pessoas nas festas de fim de ano, revelam que se trata de uma falsa felicidade – pelo menos do ponto de vista do personagem que fala de si e de suas agruras. Sob esse aspecto, são reveladoras, nessa primeira parte, os versos “O ano novo veio com o mesmo velho elenco”, “Nós dançamos e bebemos como se ele fosse o último” e “Vamos nos concentrar nesta noite única / E apenas torcer para que cheguemos em casa vivos”.

Com a chegada da primavera – que marca, psicologicamente, o início efetivo do ano dos EUA após a temporada de inverno -, o personagem parece se animar. Para demonstrar o novo estado de espírito do homem, o compositor enfileira versos que, sem explicitar a leveza de espírito do personagem, mostram que ele está atento ao que ocorre ao seu redor:

Os dias ficam mais longos, e as noites mais curtas
A mãe acorda um pouco mais radiante do que antes
O gelo derrete e os jardins florescem
O ar fresco e os campos são adoráveis
A grama e os narcisos fazem cócegas em nossos pés
As flores, elas desabrocham e os pássaros, eles cantam
Preenchendo o dia com as melodias que eles produzem

Mas nosso depressivo personagem, embora perceba a beleza da nova estação, não se deixa afetar muito por ela. Conquanto flores e pássaros cantem na sua frente, ele não sente “mais vontade de cantar”, pois, para ele “as estações mudam”, mas ele não muda “em nada”. De toda forma, mesmo consciente de estar sujeito a erros e acertos, ele acredita ser possível “melhorar” e ser “diferente” no ano que se inicia.

O verão é a única estação do ano em que o personagem parece se livrar de seu estado depressivo e acreditar que tudo pode realmente mudar para melhor. É o que ele afirma, peremptoriamente e não sem uma ponta de desconfiança, após descrever como as pessoas e coisas se comportam na estação do ano mais alegre:

Oh, o futuro, o futuro parece promissor
Eu até acho que posso acertar tudo, afinal

Mas chega, então, o “melancólico outono”, soprando “para longe os ventos do verão”. A metáfora não é gratuita. A chegada do outono que expulsa o verão marca o início da derrocada anual do personagem. Jake Smith se vale como nunca dos efeitos causados pelo outono no clima e na natureza para explicitar os dramas internos e externos enfrentados pelo personagem. “As folhas caem das árvores” e ele percebe que nunca mais as verá novamente – constatando que a fase boa de sua vida naquele ano já acabou. O personagem então diz que é hora de se recolher, “ficar dentro de casa”. Os próximos versos – terríveis – também usam as mudanças típicas sofridas pela natureza no outono americano para demonstrar com toda força o grau de devastação interna do personagem:

Sem flores, nem frutos, e os gramados todos morrem
Como pode tudo desmoronar tão rápido?
E por que eu achei que iria durar?
Quando tudo está morrendo, como eu posso me sentir vivo?
Oh, a vida é curta, e todos os dias bons desapareceram

O personagem constata então que talvez esteve “perdido” até aquele momento. Com o restinho de forças que lhe restam, ainda tem a esperança de que talvez possa se encontrar no ano que já vai terminando.

Mas então chega o inverno, a mais terrível das estações para um depressivo. O personagem, que havia se recolhido dentro de casa no outono, é dela arrancado à força pelo inverno, que lhe “derruba a porta” e faz o seu sangue fluir. Ao contrário do que acontecia na primavera (Os “dias ficam mais longos, e as noites mais curtas”), agora os “dias são muito curtos e as noites muito longas”. O natal está próximo, mas não traz felicidade nenhuma, até porque, “todo o dinheiro se foi”, sem que o personagem saiba “para onde”: “O natal não é fácil quando você não pode pagar o aluguel”. É quando “as luzes se apagam para uma noite infeliz”*. À essa altura, embora o personagem saiba que não pode desistir (pois “tudo o que você pode fazer é persistir na luta”), ele tem a plena consciência de que já perdeu o jogo. E de lavada. E sabe que não tem mais tempo para reverter o resultado:

Oh, a vida é dura, eu tenho lutado: um fracasso.
Talvez eu tenha estado perdido
Não acho que eu irei me encontrar
Este ano

Os versos finais da canção são um verdadeiro exercício de resignação e, surpreendentemente, de esperança. Ele de novo reconhece seus erros e acertos e renova a esperança de que talvez consiga melhorar e de que pode ser que o ano seja diferente. Mas não esse, que acabou. O próximo. A sacada de Jake Smith, aqui, é repetir quase que integralmente o verso em que ele anunciava que o ano que se iniciava talvez pudesse ser diferente para melhor (“Maybe I’ll get better, maybe I’ll be different, this year”), alterando apenas uma palavra: this é substituída por next. Com isso, o personagem promove o realinhamento de sua vida fracassada com o ano que se inicia, na esperança de que neste ano novo tudo possa melhorar – evidenciando, portanto, o caráter circular da letra da canção.

Publiquei pela primeira vez o vídeo legendado desta canção (com alguns erros de tradução, devidamente corrigidos abaixo) no dia 31 de dezembro de 2018. O vídeo vinha acompanhado do seguinte texto:

Acho que toda mensagem de “Feliz Ano Novo” se resume à ideia contida na letra desta música: tente melhorar sempre e sempre. Se não der, tente de novo no ano que vem. E no outro. E no outro. Uma hora dá certo. Ou não.

Feliz 2019!

Dois anos depois, em 31 de dezembro de 2020 – o grande ano da peste – continuo pensando desta forma. Só que hoje estou bem menos esperançoso.

Feliz 2021! Se você conseguir.

* N. do T.: o verso original é assim: And the lights go out to a silent night. Silent Night é o nome de uma das canções natalinas mais conhecidas em todo o planeta. No Brasil, ela foi conhecida por Noite Feliz. Traduzido literalmente, o verso original ficaria mais ou menos assim: E as luzes se apagam para uma noite silenciosa. Para tentar aproveitar o efeito poético da paráfrase usada pelo compositor, também me vali do título em português da canção, mas invertendo o adjetivo de feliz para infeliz, o que, acredito, não afetou o sentido original pretendido pelo autor da canção).

Para quem quiser conhecer mais do trabalho do The White Buffalo, seguem alguns links interessantes:

O site oficial do artista: https://thewhitebuffalo.com/

O canal oficial do artista no Youtube (no qual, dentre outros materiais, periodicamente ele publica uns vídeos divertidíssimos da série “In the garage”, gravados literalmente na garagem da casa dele): https://thewhitebuffalo.com/

Playlist no Spotify com minhas canções preferidas do artista (não inclui as do último álbum – “On the Widow’s Walk”, pois ainda não o decantei completamente): https://open.spotify.com/playlist/2ItEZZwARmif2nWwl93o5x

Este ano

Outro ano mais velho, ele veio e se foi
O sangue, as lágrimas e o dinheiro gasto
O ano novo veio com o mesmo velho elenco
Nós dançamos e bebemos como se ele fosse o último
Agitando e esperando que a contagem regressiva comece
Em câmara lenta, do dez até o um
Um beijo e os fogos de artifício iluminam o céu
Caindo aos pedaços durante a “Auld Lang Syne”
Vamos nos concentrar nesta noite única
E apenas torcer para que cheguemos em casa vivos

A terra gira, a primavera se precipita
Os dias ficam mais longos, e as noites mais curtas
A mãe acorda um pouco mais radiante do que antes
O gelo derrete e os jardins florescem
O ar fresco e os campos são adoráveis
A grama e os narcisos fazem cócegas em nossos pés
As flores, elas desabrocham e os pássaros, eles cantam
Preenchendo o dia com as melodias que eles produzem
E eu não sinto mais vontade de cantar
As estações mudam, mas eu não mudo em nada
Bem, eu errei, eu acertei
Isso está claro
Talvez eu consiga melhorar
Talvez eu seja diferente
Este ano

Ooh, lá vem o verão, ele vem quente
Sem camisa, nada de escola, dê a ele tudo o que você tem
O sol, ele chama, então vamos para fora
Brindar com nossas bebidas ao sol quente
O asfalto arde nas ruas da cidade
É melhor você se apressar ou irá queimar seus pés
Se atirando na água, espirrando e gritando
Amor e riso o suficiente para um e para todos
Oh, o futuro, o futuro parece promissor
Eu até acho que posso acertar tudo, afinal

Melancólico outono sopra para longe os ventos do verão
As folhas caem das árvores, nunca as verei novamente
Como brasas, elas flutuam pelas ruas
Dourada e vermelha dança que se repete
Bem, agora é fechar as cortinas
Vamos ficar dentro de casa
Sem flores, nem frutos, e os gramados todos morrem
Como pode tudo desmoronar tão rápido?
E por que eu achei que iria durar?
Quando tudo está morrendo, como eu posso me sentir vivo?
Oh, a vida é curta, e todos os dias bons desapareceram
Talvez eu tenha estado perdido
Talvez eu me encontre
Este ano

Bem, o inverno e o frio chegam com a tempestade
Derrubam a porta e seu sangue flui
Os dias são muito curtos e as noites muito longas
Os corais de natal aparecem, eu não consigo cantar junto
Oh, todo o dinheiro se foi, não sei para onde
O natal não é fácil quando você não pode pagar o aluguel
E as luzes se apagam para uma noite infeliz
E tudo o que você pode fazer é persistir na luta
E eu simplesmente não consigo ver o errado
E eu simplesmente não consigo ver o correto
Oh, a vida é dura, eu tenho lutado: um fracasso.
Talvez eu tenha estado perdido
Não acho que eu irei me encontrar
Este ano

Bem, eu errei, eu acertei
Isso está claro.
Mas talvez eu consiga melhorar
Talvez seja diferente
No próximo ano

Trad.: Nelson Santander

The White Buffalo – This Year

Another year older, it came and went
Blood and the tears and the money spent
The new year’s here with the same old cast
We dance and we drink like it may be our last
Buzzin’ waitin’ for the countdown to come
Feels like slow motion from ten to one
A kiss and the fireworks light the sky
Falling apart over Auld Lang Syne
Let’s focus on this night alone
Just hope that we’d make it home alive
The Earth it turns, spring rushes in
Days get longer and nights go thin
Mother wakes up a little brighter than before
Cold melts away and the gardens grow
The air is crisp and fields are sweet
Grass and the daffodils tickling our feet
Flowers they bloom and the birds they sing
Fill up the day with the songs they bring
And I don’t feel much like singing at all
Seasons change but I don’t change at all
Well I’ve done wrong, well I’ve done right, that’s clear
Maybe I’ll get better, maybe I’ll be different, this year
Ooh, here comes summer, well it’s comin’ in hot
No shirt, no school, give it all you got
The sun, it calls so let’s go outside
Toastin’ our drinks in the warm sunshine
The asphalt smoulders in the city streets
You better run fast or you’re gonna burn your feet
Splashin’ and yellin’ the cannonball
Enough love and laughter for one and all
Oh the future’s, future’s looking bright
I think that I might get it right after all
Moody autumn blows in off a summer wind
Leaves fall off of the trees, never see them again
Like embers they float into the streets
Golden and red dance repeat
Well it’s close of the curtains, let’s stay inside
No flower, no fruit and the lawns all die
Well how could it all fall apart so fast
And why would I think it would ever last?
When everything is dying, well, how can I feel alive?
Oh, life is short, well all good days disappear
Maybe I’ve been lost, maybe I’ll get found, this year
Well the winter and the cold come storming in
Kicks down the door and your blood runs thin
Day’s too short and the night’s too long
Carolers came, I can’t sing along
Oh money’s all gone, don’t know where it went
Christmas ain’t easy when you can’t pay the rent
And the lights go out to a silent night
And all you can do is just stay in the fight
And I just can’t see the wrong, and I just can’t see the right
Oh, life is hard, I’ve been fighting, a failure
Maybe I’ve been lost, don’t think I’ll get found, this year
Well I’ve done wrong, well I’ve done right, that’s clear
But maybe I’ll get better, maybe I’ll be different, next year

Nelson Santander – Singularidade

Logo no início do blog, publiquei alguns poemas de minha autoria, não tanto pelo valor intrínseco que cada um deles dificilmente possa ter, mas para deixa-los “arquivados” nesse grande arquivo virtual que é a internet. Dentre eles, o poema que segue é aquele que considero o menos ruim de todos os que cometi.

Como minhas duas últimas publicações (do dia 27 e 29/11) foram de poemas também intitulados “Singularidade”, achei interessante republicar a minha “Singularidade”. Se não para fins de comparação, ao menos para ilustrar como cada um de nós, valendo-nos de um mesmo tema como mote, o abordamos de maneiras distintas: Marie Howe, à maneira tradicional dos poetas modernos, com sua preocupação com o humano e a natureza; Marissa Davis – cujo poema é uma espécie de resposta a Howe – com sua fragmentação experimental da palavra e o uso do fluxo do pensamento, tão caro às vanguardas literárias do século XX; e a minha singularidade – um poema neoconcreto com suas preocupações existenciais centradas no tempo-espaço.

Nelson Santander – Singularidade

Nelson Santander – A elite oitocentista pela ótica de Machado de Assis: a violação da norma como norma

O artigo que segue, de minha autoria, foi publicado na obra coletiva “Direito e desenvolvimento: estudos sobre a questão ambiental e a sustentabilidade – Homenagem ao Prof. Márcio Teixeira”, organizada por Caio Henrique Lopes Ramiro e Lis Maria Bonadio Precipito (São Paulo: LiberArs, 2015, 308p.).

Fortemente influenciado pela obra “Um mestre na periferia do capitalismo”, do professor e crítico literário Roberto Schwarz – uma leitura seminal das “Memórias Póstumas de Brás Cubas” -, o trabalho, além de tecer loas à genialidade e contemporaneidade de Machado de Assis, busca demonstrar a análise profunda que o escritor faz, nas “Memórias”, da sociedade brasileira do século XIX e a “denúncia oblíqua das iniquidades e contradições da classe dominante oitocentista no contexto histórico analisado”. Tenta demonstrar também “como Machado de Assis expõe e explora a maneira com que a oligarquia da época valia-se da violação sistemática das normas como instrumento de perpetuação e dominação das relações de poder.”

Boa leitura!