Rainer Maria Rilke – Fonte Romana

Vila Borghese

Duas velhas bacias sobrepondo
suas bordas de mármore redondo.
Do alto a água fluindo, devagar,
sobre a água, mais embaixo, a esperar,

muda, ao murmúrio, em diálogo secreto,
como que só no côncavo da mão,
entremostrando um singular objeto:
o céu, atrás da verde escuridão;

ela mesma a escorrer na bela pia,
em círculos e círculos, constante-
mente, impassível e sem nostalgia,

descendo pelo musgo circundante
ao espelho da última bacia
que faz sorrir, fechando a travessia.

Trad.: Augusto de Campos

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 27/12/2017

Römische Fontäne

Zwei Becken, eins das andere übersteigend
aus einem alten runden Marmorrand,
und aus dem oberen Wasser leis sich neigend
zum Wasser, welches unten wartend stand,

dem leise redenden entgegenschweigend
und heimlich, gleichsam in der hohlen Hand,
ihm Himmel hinter Grün und Dunkel zeigend
wie einen unbekannten Gegenstand;

sich selber ruhig in der schönen Schale
verbreitend ohne Heimweh, Kreis aus Kreis,
nur manchmal träumerisch und tropfenweis
sich niederlassend an den Moosbehängen
zum letzten Spiegel, der sein Becken leis
von unten lächeln macht mit Übergängen.

Rainer Maria Rilke – A nós nos cabe andar

I.22

A nós, nos cabe andar.
Mas o tempo, os seus passos,
são mínimos pedaços
do que há de ficar.

É perda pura
tudo o que é pressa;
só nos interessa
o que sempre dura.

Jovem, não há virtude
na velocidade
e no voo aonde for.

Tudo é quietude:
escuro e claridade,
livro e flor.

Trad.: Augusto de Campos

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 12/10/2017

Rainer Maria Rilke – O Mundo Estava no Rosto da Amada

O mundo estava no rosto da amada –
e logo converteu-se em nada, em
mundo fora do alcance, mundo-além.

Por que não o bebi quando o encontrei
no rosto amado, um mundo à mão, ali,
aroma em minha boca, eu só seu rei?

Ah, eu bebi. Com que sede eu bebi.
Mas eu também estava pleno de
mundo e, bebendo, eu mesmo transbordei.

Trad.: Augusto de Campos

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 03/08/2017

Rainer Maria Rilke – Morgue

Estão prontos, ali, como a esperar
que um gesto só, ainda que tardio,
possa reconciliar com tanto frio
os corpos e um ao outro harmonizar;

como se algo faltasse para o fim.
Que nome no seu bolso já vazio
há por achar? Alguém procura, enfim,
enxugar dos seus lábios o fastio:

em vão; eles só ficam mais polidos.
A barba está mais dura, todavia
ficou mais limpa ao toque do vigia,

para não repugnar o circunstante.
Os olhos, sob a pálpebra, invertidos,
olham só para dentro, doravante.

Trad.: Augusto de Campos

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 01/06/2016

Morgue

Da liegen sie bereit, als ob es gälte,
nachträglich eine Handlung zu erfinden,
die mit einander und mit dieser Kälte
sie zu versöhnen weiß und zu verbinden;

denn das ist alles noch wie ohne Schluß.
Was für ein Name hätte in den Taschen
sich finden sollen? An dem Überdruß
um ihren Mund hat man herumgewaschen:

er ging nicht ab; er wurde nur ganz rein.
Die Bärte stehen, noch ein wenig härter,
doch ordentlicher im Geschmack der Wärter,

nur um die Gaffenden nicht anzuwidern.
Die Augen haben hinter ihren Lidern
sich umgewandt und schauen jetzt hinein.

Rainer Maria Rilke – Elegias de Duíno – Décima Elegia

Que um dia, ao emergir da terrível intuição, ascenda
meu canto de júbilo e glória até os Anjos aprovadores!
Que nenhum claro golpe dos malhos do coração
desentoe sobre cordas frouxas, vacilantes ou
desgarradas! Que meu rosto se ilumine sob o pranto!
Que a obscura lágrima floresça! Oh, como então vos amaria,
noites de aflição! Por que não me ajoelhei mais contrito,
inconsoláveis irmãs, para vos acolher,
para me perder em vossos cabelos desfeitos
com mais abandono? Nós, dissipadores da dor.
Como buscamos longe, na triste duração, seu fim
desejado! Ela é, porém, nossa folhagem de inverno,
nossa pervinca sombria, uma das estações
do ano secreto – não somente estação, mas
espaço, residência, campo, solo, morada.

Estranhas ruas da Cidade-Aflição, onde,
no aparente silêncio feito de estrépito
irrompe violento, gerado no molde do vazio,
o ruído do ouro, o monumento trepidante.
Oh, como, sem deixar vestígios, um Anjo andaria
em seu mercado de consolo que a igreja limita,
a igreja comprada feita: limpa, fechada e tristonha
como o correio aos domingos… Fora, está sempre
a feira de encapelado contorno. Balanças de liberdade!
Mergulhadores e charlatães do zelo! E o simbólico
tiro à felicidade ataviada: os berloques
se agitam e há ruídos de estanho quando um atirador
mais destro alcança a meta. Ao capricho dos acasos
ele prossegue, vacilante, pois há uma tenda apregoando
ruidosa para cada anseio. Especial para adultos: veja-se
como o dinheiro se reproduz, anatomicamente,
não como simples diversão. O órgão genital do dinheiro,
tudo acessível, à vista! É instrutivo e favorece
a procriação…
… Oh, e um pouco além, atrás do último
tabique, ostentando os cartazes dos “Libertos da Morte”
– cerveja amarga que aos bebedores tão doce parece
quando a bebem mastigando frescas distrações… –,
atrás do tabique, logo atrás está o real.
As crianças brincam, os amantes se ignoram, graves,
sobre a erva rala, e os cães seguem a natureza.
Para mais longe sente-se o jovem atraído; ama talvez uma jovem
Lamentação… Seguindo-a, caminha através dos campos. Ela diz:
longe, vivemos muito longe…
            Onde? E o jovem continua.
Sua atitude o fascina: os ombros, o colo – talvez é ela
de nobre origem. Mas a abandona, se aparta e
de longe acena… Para quê? Ela é uma Lamentação.

Somente os que morreram jovens, os iniciados
na indiferença alheia ao tempo do desacostumar-se,
a seguem por amor. Às jovens ela aguarda
e dá sua amizade. Mostra-lhes com doçura seus
adornos: pérolas de dor e os tênues
véus do assentimento. – Com os jovens,
caminha em silêncio.

Longe, onde vivem, uma velha Lamentação
fala ao jovem curioso: – Nós fomos, diz ela,
uma grande raça, outrora. Nossos pais exploravam
as minas, além, nas grandes montanhas; entre os homens
encontram-se às vezes fragmentos polidos da dor original
ou, expulsas de um velho vulcão, escórias de cólera
petrificada. Sim, isto veio de lá. Outrora fomos ricos.
E ela o conduz através da ampla paisagem das Lamentações,
mostra-lhe as colunas do templo e as ruínas
de antiquíssimos castelos: lá viviam os sábios príncipes
que dominavam outrora. Mostra-lhe árvores esguias
de lágrimas e campos de nostalgia em flor
(os que vivem não conhecem senão a sua doce folhagem);
mostra-lhe, pascendo, o rebanho da tristeza – às vezes
um pássaro assustado, cruzando o espaço, desenha
a imagem de seu grito solitário. –
Ao crepúsculo ela o conduz ao sepulcro dos antepassados
das Lamentações: as Sibilas e os Profetas.

A noite se aproxima e então caminham mais tranquilos;
já se levanta, banhada pela lua, a pedra funerária
que vela sobre o mundo, irmã da sublime Esfinge
do Nilo: face
da câmara secreta.
E eles contemplam, atônitos, a cabeça real
que, para sempre calada, pôs a face dos homens
na balança das estrelas.

O olhar do jovem, que a morte recente
enche de vertigem, não a pode conter. Mas
ela, que espreita, afugenta o mocho
de trás do pschent. E aquele,
roçando num leve contato
a curva madura da Face, desenha
de leve no ouvido do morto, sobre uma dupla
folha aberta, o contorno inefável.
E mais alto, as estrelas. Recém-nascidas. Estrelas
do país da Dor. A Lamentação revela seus nomes:
“Aqui, veja: o Cavaleiro, o Bordão, e a esse denso grupo
de estrelas chamamos Coroa de Frutos. Além,
perto do polo: Berço, Caminho, O Livro Ardente, Boneca, Janela.
E no céu do sul, puro como a palma de uma sagrada
mão, o fulgor límpido das Madres…”

Mas o morto deve prosseguir e, em silêncio, a Lamentação
mais velha o conduz à garganta do vale
onde, ao luar, cintila
a fonte da alegria. Com veneração
ela a indica: “Entre os homens,
eis a torrente portadora”.

Ao pé da montanha eles se detêm.
E ela o abraça, chorando.

Solitário, ele ascende à montanha da dor original.
E nem uma só vez seu passo ressoa no destino insonoro.

Mas se os infinitamente mortos despertassem um símbolo,
em nós, olhai, mostrariam talvez os engastes pendentes
das aveleiras vazias, ou a chuva que cai
sobre o reino obscuro da terra em primavera.

E nós que imaginamos a ventura em ascensão,
sentiríamos uma ternura imensa,
quase perturbadora,
quando uma coisa feliz cai…

Trad.: Dora Ferreira da Silva

Die zehnte Elegie

Daß ich dereinst, an dem Ausgang der grimmigen Einsicht,
Jubel und Ruhm aufsinge zustimmenden Engeln.
Daß von den klar geschlagenen Hämmern des Herzens
keiner versage an weichen, zweifelnden oder
reißenden Saiten. Daß mich mein strömendes Antlitz
glänzender mache; daß das unscheinbare Weinen
blühe. O wie werdet ihr dann, Nächte, mir lieb sein,
gehärmte. Daß ich euch knieender nicht, untröstliche Schwestern,
hinnahm, nicht in euer gelöstes
Haar mich gelöster ergab. Wir, Vergeuder der Schmerzen
Wie wir sie absehn voraus, in die traurige Dauer,
ob sie nicht enden vielleicht. Sie aber sind ja
unser winterwähriges Laub, unser dunkeles Sinngrün,
eine der Zeiten des heimlichen Jahres –, nicht nur

Zeit –, sind Stelle, Siedelung, Lager, Boden, Wohnort.
Freilich, wehe, wie fremd sind die Gassen der Leid-Stadt,
wo in der falschen, aus Übertönung gemachten
Stille, stark, aus der Gußform des Leeren der Ausguß
prahlt: der vergoldete Lärm, das platzende Denkmal.
O, wie spurlos zerträte ein Engel ihnen den Trostmarkt,
den die Kirche begrenzt, ihre fertig gekaufte:
reinlich und zu und enttäuscht wie ein Postamt am Sonntag.
Draußen aber kräuseln sich immer die Ränder von Jahrmarkt.
Schaukeln der Freiheit! Taucher und Gaukler des Eifers!
Und des behübschten Glücks figürliche Schießstatt,
wo es zappelt von Ziel und sich blechern benimmt,
wenn ein Geschickterer trifft. Von Beifall zu Zufall
taumelt er weiter; denn Buden jeglicher Neugier
werben, trommeln und plärrn. Für Erwachsene aber
ist noch besonders zu sehn, wie das Geld sich vermehrt, anatomisch,
nicht zur Belustigung nur: der Geschlechtsteil des Gelds,
alles, das Ganze, der Vorgang –, das unterrichtet und macht
fruchtbar…
…Oh aber gleich darüber hinaus,
hinter der letzten Planke, beklebt mit Plakaten des “Todlos”,
jenes bitteren Biers, das den Trinkenden süß scheint,
wenn sie immer dazu frische Zerstreuungen kaun…,
gleich im Rücken der Planke, gleich dahinter, ists wirklich.
Kinder spielen, und Liebende halten einander, – abseits,
ernst, im ärmlichen Gras, und Hunde haben Natur.

Weiter noch zieht es den Jüngling; vielleicht, daß er eine junge
Klage liebt… Hinter ihr her kommt er in Wiesen. Sie sagt:
– Weit. Wir wohnen dort draußen…
            Wo? Und der Jüngling
folgt. Ihn rührt ihre Haltung. Die Schulter, der Hals –, vielleicht
ist sie von herrlicher Herkunft. Aber er läßt sie, kehrt um,
wendet sich, winkt… Was solls? Sie ist eine Klage.

Nur die jungen Toten, im ersten Zustand
zeitlosen Gleichmuts, dem der Entwöhnung,
folgen ihr liebend. Mädchen
wartet sie ab und befreundet sie. Zeigt ihnen leise,
was sie an sich hat. Perlen des Leids und die feinen
Schleier der Duldung. – Mit Jünglingen geht sie
schweigend.

Aber dort, wo sie wohnen, im Tal, der Älteren eine, der Klagen,
nimmt sich des Jünglinges an, wenn er fragt: – Wir waren,
sagt sie, ein Großes Geschlecht, einmal, wir Klagen. Die Väter
trieben den Bergbau dort in dem großen Gebirg; bei Menschen
findest du manchmal ein Stück geschliffenes Ur-Leid
oder, aus altem Vulkan, schlackig versteinerten Zorn.
Ja, das stammte von dort. Einst waren wir reich. –
Und sie leitet ihn leicht durch die weite Landschaft der Klagen,
zeigt ihm die Säulen der Tempel oder die Trümmer
jener Burgen, von wo Klage-Fürsten das Land
einstens weise beherrscht. Zeigt ihm die hohen
Tränenbäume und Felder blühender Wehmut,
(Lebendige kennen sie nur als sanftes Blattwerk);
zeigt ihm die Tiere der Trauer, weidend, – und manchmal
schreckt ein Vogel und zieht, flach ihnen fliegend durchs Aufschaun,
weithin das schriftliche Bild seines vereinsamten Schreis. –
Abends führt sie ihn hin zu den Gräbern der Alten
aus dem Klage-Geschlecht, den Sibyllen und Warn-Herrn.
Naht aber Nacht, so wandeln sie leiser, und bald
mondets empor, das über Alles
wachende Grab-Mal. Brüderlich jenem am Nil,
der erhabene Sphinx –: der verschwiegenen Kammer
Antlitz.
Und sie staunen dem krönlichen Haupt, das für immer,
schweigend, der Menschen Gesicht
auf die Waage der Sterne gelegt.

Nicht erfaßt es sein Blick, im Frühtod
schwindelnd. Aber ihr Schaun,
hinter dem Pschent-Rand hervor, scheucht es die Eule. Und sie,
streifend im langsamen Abstrich die Wange entlang,
jene der reifesten Rundung,
zeichnet weich in das neue
Totengehör, über ein doppelt
aufgeschlagenes Blatt, den unbeschreiblichen Umriß.
Und höher, die Sterne. Neue. Die Sterne des Leidlands.
Langsam nennt sie die Klage: – Hier,
siehe: den Reiter, den Stab, und das vollere Sternbild
nennen sie: Fruchtkranz. Dann, weiter, dem Pol zu:
Wiege; Weg; Das Brennende Buch; Puppe; Fenster.
Aber im südlichen Himmel, rein wie im Innern
einer gesegneten Hand, das klar erglänzende M,
das die Mütter bedeutet… –

Doch der Tote muß fort, und schweigend bringt ihn die ältere
Klage bis an die Talschlucht,
wo es schimmert im Mondschein:
die Quelle der Freude. In Ehrfurcht
nennt sie sie, sagt: – Bei den Menschen
ist sie ein tragender Strom. –

Stehn am Fuß des Gebirgs.
Und da umarmt sie ihn, weinend.

Einsam steigt er dahin, in die Berge des Ur-Leids.
Und nicht einmal sein Schritt klingt aus dem tonlosen Los.

Aber erweckten sie uns, die unendlich Toten, ein Gleichnis,
siehe, sie zeigten vielleicht auf die Kätzchen der leeren
Hasel, die hängenden, oder
meinten den Regen, der fällt auf dunkles Erdreich im Frühjahr.

Und wir, die an steigendes Glück
denken, empfänden die Rührung,
die uns beinah bestürzt,
wenn ein Glückliches fällt.

Rainer Maria Rilke – Elegias de Duíno – Nona Elegia

Por que, sendo possível o prazo da existência
levar como o loureiro, de um verde mais sombrio que todos
os outros verdes, com leves ondulações no contorno
das folhas (como um sorriso do vento) – por que
então, escravos do humano, anelar pelo destino
fugindo ao destino?…
            Oh, não porque a felicidade exista,
essa prematura dádiva de uma perda iminente.
Não por curiosidade ou exercício do coração
que lá poderia estar, no loureiro…

Mas porque estar-aqui é excessivo e todas as coisas
parecem precisar de nós, essas efêmeras que estranhamente
nos solicitam. A nós, os mais efêmeros. Uma vez
cada uma, somente uma vez. Uma vez e nunca mais.
E nós também, uma vez, jamais outra. Porém este
ter sido uma vez, ainda que apenas uma vez,
ter sido terrestre, não parece revocável.

E assim, urgidos, queremos cumpri-lo,
contê-lo em nossas simples mãos,
no transbordante olhar, no coração emudecido.
Tentamos nele nos transformar. A quem dá-lo?
Melhor tudo guardar para sempre… Na outra relação,
ai de nós, o que poderíamos transpor? Não o contemplar,
aqui vagarosamente apreendido, não o aqui consumado:
mas a angústia e acima de tudo o mais árduo,
a longa experiência do amor – o puro
indizível. Mais tarde, porém, o que dizer
entre as estrelas, tão mais, tão mais indizíveis?
Traga pois o viandante da encosta do monte para o vale,
não apenas um punhado de terra do indizível,
mas a palavra colhida pura, a genciana amarela
e azul. Estamos aqui talvez para dizer: casa,
ponte, árvore, porta, cântaro, fonte, janela –
e ainda: coluna, torre… Mas para dizer, compreende,
para dizer as coisas como elas mesmas jamais
pensaram ser intimamente. Não é o mais secreto ardil
da terra silenciosa, ao impelir os amantes, fazer
com que tudo se rejubile no seu sentimento?
Umbral: o que significa para dois amantes
que eles também desgastem o velho umbral
da porta, eles também, depois de tantos outros,
e antes dos que virão ainda… inevitavelmente?

Eis aqui o tempo do dizível, eis aqui sua pátria.
Fala e proclama. Cada vez mais
dissipam-se as coisas que ao nosso lado viviam
e em seu lugar se instala um Fazer sem Imagem.
Fazer, que tenta destruir a crosta limitante,
quando a ação se desenvolve e toma novos contornos.
Entre malhos subsiste
nosso coração, como a língua
entre os dentes, e que, no entanto,
permanece a exaltadora.

Canta ao Anjo o louvor do mundo, não o indizível; diante
dele não podes vangloriar-te da tua esplêndida intuição;
no universo em que ele, o mais intuitivo, intui, não és mais
do que um noviço. Mostra-lhe o simples, o que através das
gerações configurado vive como o nosso no olhar e ao alcance
da mão. Dize-lhe as coisas. Nele acordarás o que em ti despertou
o cordoeiro de Roma e o ceramista do Nilo.
Mostra-lhe como pode
ser feliz uma coisa, inocente e nossa; como até a lamentosa dor
se resolve puramente em forma e serve, humilde
como uma coisa ou morre numa coisa – e como se evade
o violino para a bem-aventurança. E estas coisas
que vivem o fugaz, compreendem que teces o seu louvor;
efêmeras, adivinham salvadores em nós, os mais efêmeros.
Que em nossos corações invisíveis se cumpra a sua
metamorfose – infinitamente –, quem quer que sejamos!
Terra, não é este o teu desejo: renascer invisível
em nós? – Não é teu sonho tornar-te
invisível algum dia? – Terra! Invisível!
Não é a metamorfose tua desesperada missão?
Terra, ó minha amada, assim o quero! Crê-me,
não preciso mais que as tuas primaveras me atraiam:
uma, ai, uma só já é excessiva para o meu sangue.
De obscuras distâncias consagrei-me todo a ti…
Sempre tiveste razão e a tua inspiração sagrada
é a morte íntima.

Vivo. De quê? Infância ou futuro
não decrescem… Uma caudalosa existência
transborda em meu coração.

Trad.: Dora Ferreira da Silva

Die neunte Elegie

Warum, wenn es angeht, also die Frist des Daseins
hinzubringen, als Lorbeer, ein wenig dunkler als alles
andere Grün, mit kleinen Wellen an jedem
Blattrand (wie eines Windes Lächeln) –: warum dann
Menschliches müssen – und, Schicksal vermeidend,
sich sehnen nach Schicksal?…
            Oh, nicht, weil Glück ist,
dieser voreilige Vorteil eines nahen Verlusts.
Nicht aus Neugier, oder zur Übung des Herzens,
das auch im Lorbeer wäre

Aber weil Hiersein viel ist, und weil uns scheinbar
alles das Hiesige braucht, dieses Schwindende, das
seltsam uns angeht. Uns, die Schwindendsten. Ein Mal
jedes, nur ein Mal. Ein Mal und nicht mehr. Und wir auch
ein Mal. Nie wieder. Aber dieses
ein Mal gewesen zu sein, wenn auch nur ein Mal:
irdisch gewesen zu sein, scheint nicht widerrufbar.

Und so drängen wir uns und wollen es leisten,
wollens enthalten in unsern einfachen Händen,
im überfüllteren Blick und im sprachlosen Herzen.
Wollen es werden. – Wem es geben? Am liebsten
alles behalten für immer… Ach, in den andern Bezug,
wehe, was nimmt man hinüber? Nicht das Anschaun, das hier
langsam erlernte, und kein hier Ereignetes. Keins.
Also die Schmerzen. Also vor allem das Schwersein,
also der Liebe lange Erfahrung, – also
lauter Unsägliches. Aber später,
unter den Sternen, was solls: die sind besser unsäglich.
Bringt doch der Wanderer auch vom Hange des Bergrands
nicht eine Hand voll Erde ins Tal, die Allen unsägliche, sondern
ein erworbenes Wort, reines, den gelben und blaun
Enzian. Sind wir vielleicht hier, um zu sagen: Haus,
Brücke, Brunnen, Tor, Krug, Obstbaum, Fenster, –
höchstens: Säule, Turm… aber zu sagen, verstehs,
oh zu sagen so, wie selber die Dinge niemals
innig meinten zu sein. Ist nicht die heimliche List
dieser verschwiegenen Erde, wenn sie die Liebenden drängt,
daß sich in ihrem Gefühl jedes und jedes entzückt?
Schwelle: was ists für zwei
Liebende, daß sie die eigne ältere Schwelle der Tür
ein wenig verbrauchen, auch sie, nach den vielen vorher
und vor den Künftigen…, leicht.
Hier ist des Säglichen Zeit, hier seine Heimat.
Sprich und bekenn. Mehr als je
fallen die Dinge dahin, die erlebbaren, denn,
was sie verdrängend ersetzt, ist ein Tun ohne Bild.
Tun unter Krusten, die willig zerspringen, sobald
innen das Handeln entwächst und sich anders begrenzt.
Zwischen den Hämmern besteht
unser Herz, wie die Zunge
zwischen den Zähnen, die doch,
dennoch, die preisende bleibt.

Preise dem Engel die Welt, nicht die unsägliche, ihm
kannst du nicht großtun mit herrlich Erfühltem; im Weltall,
wo er fühlender fühlt, bist du ein Neuling. Drum zeig
ihm das Einfache, das, von Geschlecht zu Geschlechtern gestaltet,
als ein Unsriges lebt, neben der Hand und im Blick.
Sag ihm die Dinge. Er wird staunender stehn; wie du standest
bei dem Seiler in Rom, oder beim Töpfer am Nil.
Zeig ihm, wie glücklich ein Ding sein kann, wie schuldlos und unser,
wie selbst das klagende Leid rein zur Gestalt sich entschließt,
dient als ein Ding, oder stirbt in ein Ding –, und jenseits
selig der Geige entgeht. – Und diese, von Hingang
lebenden Dinge verstehn, daß du sie rühmst; vergänglich,
traun sie ein Rettendes uns, den Vergänglichsten, zu.
Wollen, wir sollen sie ganz im unsichtbarn Herzen verwandeln
in – o unendlich – in uns! Wer wir am Ende auch seien.
Erde, ist es nicht dies, was du willst: unsichtbar
in uns erstehn? – Ist es dein Traum nicht,
einmal unsichtbar zu sein? – Erde! unsichtbar!
Was, wenn Verwandlung nicht, ist dein drängender Auftrag?
Erde, du liebe, ich will. Oh glaub, es bedürfte
nicht deiner Frühlinge mehr, mich dir zu gewinnen –, einer,
ach, ein einziger ist schon dem Blute zu viel.
Namenlos bin ich zu dir entschlossen, von weit her.
Immer warst du im Recht, und dein heiliger Einfall
ist der vertrauliche Tod.

Siehe, ich lebe. Woraus? Weder Kindheit noch Zukunft
werden weniger… Überzähliges Dasei
entspringt mir im Herzen.

Rainer Maria Rilke – Elegias de Duíno – Oitava Elegia

Oitava elegia

          dedicada a Rudolf Kassner

Com todos os seus olhos, a criatura vê o Aberto.
Nosso olhar, porém, foi revertido e como armadilha
se oculta em torno do livre caminho.
O que está além, pressentimos apenas
na expressão do animal; pois desde a infância
desviamos o olhar para trás e o espaço livre perdemos,
ah, esse espaço profundo que há na face do animal.
Isento de morte. Nós só vemos
morte. O animal espontâneo ultrapassou seu fim;
diante de si tem apenas Deus e quando se move
é para a eternidade, como correm as fontes.
Ignoramos o que é contemplar um dia, somente
um dia o espaço puro, onde, sem cessar,
as flores desabrocham. Sempre o mundo,
jamais o em-parte-alguma, sem nada: o puro,
o inesperado que se respira, que se sabe
infinito, sem a avidez do desejo.
Uma criança aí se perde, às vezes,
em silêncio, mas é despertada. Ou alguém
que morre, nisso se transforma. Pois os
que da morte se aproximam não mais a podem ver,
fixando o infinito com o grande olhar do animal.
Os amantes – não estivesse o outro a ofuscar-lhe
a visão – sentem a obscura presença e se espantam…
Às vezes há um descerrar-se atrás do outro… Mas
o outro, como superá-lo? E o mundo já retorna.
Para a criação sempre voltados, nela
vemos apenas o reflexo da liberdade
que obscurecemos. Há no entanto
esses olhos calmos que o animal levanta,
atravessando-nos com seu mudo olhar.
A isto se chama destino: estar em face
do mundo, eternamente em face.

Tivesse, como nós, consciência o animal
tranquilo – em outro sentido nos arrastaria;
seu ritmo seria o nosso. Seu ser, porém,
é infinito, inapreensível e sem olhar.
E ele tudo vê, puro e inconsciente de si, onde
nós vemos futuro, em tudo se vê
e salvo para sempre.
Há, entretanto, no animal quente e vigilante,
a inquietude e a opressão de uma profunda nostalgia.
Ele conhece a angústia que tantas
vezes nos domina – a lembrança,
como se esse para onde tendemos
tivesse sido outrora mais fiel e
de contato mais doce.

Tudo aqui é distância – lá
era alento. Depois da primeira
pátria, como parece a segunda
incerta e sem abrigo! Bem-aventurada
a pequena criatura que sempre permanece
no seio que a criou; ó tu, mosca feliz,
que saltas interiormente ainda mesmo
nas núpcias: o ventre é tudo.
Olhai a quase certeza do pássaro, que por sua
origem pertence aos dois domínios, como se
fosse a alma liberta de um etrusco
que o espaço acolheu, mas com a imagem repousando
a recobri-lo. E olhai a indecisão do que deve
voar, expulso do seio. Espantado consigo mesmo
fende o ar, taça partida. Assim risca o morcego,
no seu voo, a porcelana da tarde.

E nós: espectadores em tudo e sempre,
voltados para tudo, nunca de fora.
Saciados, ordenamos. Mas tudo se desfaz.
Novamente insistimos e nós mesmos passamos.

Quem nos desviou assim, para que tivéssemos
um ar de despedida em tudo que fazemos? Como aquele
que partindo se detém na última colina para contemplar
o vale na distância – e ainda uma vez se volta,
hesitante, e aguarda – assim vivemos nós,
numa incessante despedida.

Trad.: Dora Ferreira da Silva

 

Die achte Elegie

          Rudolf Kassner zugeeignet

Mit allen Augen sieht die Kreatur
das Offene. Nur unsre Augen sind
wie umgekehrt und ganz um sie gestellt
als Fallen, rings um ihren freien Ausgang.
Was draußen ist, wir wissens aus des Tiers
Antlitz allein; denn schon das frühe Kind
wenden wir um und zwingens, daß es rückwärts
Gestaltung sehe, nicht das Offne, das
im Tiergesicht so tief ist. Frei von Tod.
Ihn sehen wir allein; das freie Tier
hat seinen Untergang stets hinter sich
und vor sich Gott, und wenn es geht, so gehts
in Ewigkeit, so wie die Brunnen gehen.
Wir haben nie, nicht einen einzigen Tag,
den reinen Raum vor uns, in den die Blumen
unendlich aufgehn. Immer ist es Welt
und niemals Nirgends ohne Nicht: das Reine,
Unüberwachte, das man atmet und
unendlich weiß und nicht begehrt. Als Kind
verliert sich eins im Stilln an dies und wird
gerüttelt. Oder jener stirbt und ists.
Denn nah am Tod sieht man den Tod nicht mehr
und starrt hinaus, vielleicht mit großem Tierblick.
Liebende, wäre nicht der andre, der
die Sicht verstellt, sind nah daran und staunen…
Wie aus Versehn ist ihnen aufgetan
hinter dem andern… Aber über ihn
kommt keiner fort, und wieder wird ihm Welt.
Der Schöpfung immer zugewendet, sehn
wir nur auf ihr die Spiegelung des Frein,
von uns verdunkelt. Oder daß ein Tier,
ein stummes, aufschaut, ruhig durch uns durch.
Dieses heißt Schicksal: gegenüber sein
und nichts als das und immer gegenüber.

Wäre Bewußtheit unsrer Art in dem
sicheren Tier, das uns entgegenzieht
in anderer Richtung –, riß es uns herum
mit seinem Wandel. Doch sein Sein ist ihm
unendlich, ungefaßt und ohne Blick
auf seinen Zustand, rein, so wie sein Ausblick.
Und wo wir Zukunft sehn, dort sieht es Alles
und sich in Allem und geheilt für immer.
Und doch ist in dem wachsam warmen Tier
Gewicht und Sorge einer großen Schwermut.
Denn ihm auch haftet immer an, was uns
oft überwältigt, – die Erinnerung,
als sei schon einmal das, wonach man drängt,
näher gewesen, treuer und sein Anschluß
unendlich zärtlich.Hier ist alles Abstand,
und dort wars Atem. Nach der ersten Heimat
ist ihm die zweite zwitterig und windig.
O Seligkeit der kleinen Kreatur,
die immer bleibt im Schooße, der sie austrug;
o Glück der Mücke, die noch innen hüpft,
selbst wenn sie Hochzeit hat: denn Schooß ist Alles.
Und sieh die halbe Sicherheit des Vogels,
der beinah beides weiß aus seinem Ursprung,
als wär er eine Seele der Etrusker,
aus einem Toten, den ein Raum empfing,
doch mit der ruhenden Figur als Deckel.
Und wie bestürzt ist eins, das fliegen muß
und stammt aus einem Schooß. Wie vor sich selbst
erschreckt, durchzuckts die Luft, wie wenn ein Sprung
durch eine Tasse geht. So reißt die Spur
der Fledermaus durchs Porzellan des Abends.

Und wir: Zuschauer, immer, überall,
dem allen zugewandt und nie hinaus!

Uns überfüllts. Wir ordnens. Es zerfällt.
Wir ordnens wieder und zerfallen selbst.

Wer hat uns also umgedreht, daß wir,
was wir auch tun, in jener Haltung sind
von einem, welcher fortgeht? Wie er auf
dem letzten Hügel, der ihm ganz sein Tal
noch einmal zeigt, sich wendet, anhält, weilt –,
so leben wir und nehmen immer Abschied.

Rainer Maria Rilke – Elegias de Duíno – Sétima Elegia

Não, não mais buscar: que seja esta, voz da madurez,
a essência do teu grito. Gritaste, em verdade,
com a pureza do pássaro, quando erguido pela estação
que ascende, quase esquece que é um ser desamparado,
coração solitário lançado às alturas, na intimidade
do céu. Como ele, buscavas a amiga invisível
que te pressentisse, a silenciosa em que uma resposta
desperta, lenta, e se aquece ao ser ouvida – a companheira
ardente do teu sentimento exasperado. Oh, e a primavera
compreenderia – não há lugar ali sem ecos
da Anunciação. Primeiro, esse leve despertar
do som que interroga e que de longe envolve
num silêncio exaltador, a pura afirmação de um dia.
Depois, os degraus do voo, os degraus-apelo,
até o templo sonhado do futuro – e então os murmúrios,
as fontes que em seu jato impetuoso antecipam a queda,
num jogo promissor. E diante de si, o verão!

Não somente as manhãs de estio, não só a sua
metamorfose em dias e o seu fulgor em auroras,
não só os dias que se fazem ternos junto às flores
e no alto, junto às árvores, fortes, poderosos.
Não só o ardor das forças desencadeadas,
não só os caminhos, não só os campos nas tardes,
não só a luz que respira após as tormentas tardias.
Não só a proximidade do sono e um pressentimento
ao crepúsculo… mas as noites! As grandes noites
de verão, e as estrelas, as estrelas da terra!
Oh, estar morto um dia e conhecer infinitamente
todas as estrelas! Pois como esquecê-las, como?

E então eu chamaria a amada. Mas ela não viria
só. Dos frágeis túmulos erguer-se-iam jovens
pressurosas… Pois como limitar o poder
de um apelo? Os desaparecidos buscam sempre
a terra. – Vós, adolescentes, ouvi:
uma simples coisa aqui percebida, valerá
o infinito. Não, não acrediteis que o Destino
seja mais do que a infância e do que ela contém;
quantas vezes o amado ultrapassastes, ofegando,
ofegando após a corrida venturosa, sem outro fim
que o livre espaço.

Estar-aqui é esplendor. E vós
sabíeis, ó jovens, e também vós, decaídas,
de aparência indigente, vós, ulceradas em ruas miseráveis,
abertas ao abandono. Pois cada uma
de vós conheceu uma hora, talvez menos de uma hora
inteira – duração esquiva às medidas do tempo, entre dois
instantes – em que realmente existiu, com plenitude. As veias
túmidas de ser. Porém, tão depressa esquecemos o que o vizinho
sorridente não confirma nem inveja… Queremos tornar visível
a alegria que sentimos apenas quando em nós transformada.

Em parte alguma, bem-amada, o mundo existirá, senão
interiormente. Nossa vida transcorre na metamorfose:
sempre decrescendo, o exterior desaparece. Onde havia
outrora uma casa estável, ergue-se uma estrutura
imaginária, atravessada, como que erigida em nosso cérebro.
O espírito do tempo cria depósitos imensos de
poder, ele que é informe, como o tenso impulso
que rouba às coisas, logo abandonadas. E esquece
os templos. Mas a prodigalidade de nosso coração
é o mais secreto poupar. Sim, lá onde se ergue
ainda uma coisa outrora invocada, adorada de joelhos – olhai,
como já se interna no invisível. Muitos já não a podem ver, incapazes
de reconstruí-la interiormente, imensa, com estátuas e colunas!

Cada volta surda do mundo tem tais deserdados,
aos quais já nada mais pertence, nem o que virá…
Pois até o mais próximo, para o homem, é longínquo.
Que isto não perturbe, mas fortaleça em nós,
as formas ainda reconhecíveis. Isto se erguia outrora
entre os homens, em meio do destino destruidor, de rumo
incerto; isto se erguia como que pleno de ser, atraindo
para si as estrelas, deslocando-as da fixidez dos céus.

Anjo, posso mostrar-te ainda, lá! Que em teu poderoso olhar
levante-se enfim, numa estranha redenção.
Colunas, pilares, a Esfinge, a ascensão firme
da catedral cinzenta, emergindo da cidade agonizante
e alheia. Não era milagre? Ó Anjo, assombra-te
com o nosso, tais coisas pudemos! Tu, poderoso,
exalta-o! Meu alento é débil demais para celebrá-lo.
Assim, pois, não malogramos os pródigos espaços, os
espaços que são nossos! (Que imensos devem ser, pois
séculos do nosso sentimento não o esgotam!) Mas uma torre
era alta. Ó Anjo, não o era até mesmo ao teu lado?
Chartres era grande e a música erguia-se ainda mais alto
e nos ultrapassava. E até mesmo uma jovem amorosa
absorta na janela noturna
não alcançava teus joelhos?
            Não creias que te alicie.
Anjo, mesmo que te aliciasse não virias, pois meu
apelo é sempre denso de repulsa; que podes tu
contra a caudal do meu horror? Um braço estendido
é meu chamado. E a mão que ávida se espalma
para o alto fica diante de ti, ó Inapreensível,
como defesa e advertência,
amplamente aberta!

Trad.: Dora Ferreira da Silva

Die siebente Elegie

Werbung nicht mehr, nicht Werbung, entwachsene Stimme,
sei deines Schreies Natur; zwar schrieest du rein wie der Vogel,
wenn ihn die Jahreszeit aufhebt, die steigende, beinah vergessend,
daß er ein kümmerndes Tier und nicht nur ein einzelnes Herz sei,
das sie ins Heitere wirft, in die innigen Himmel. Wie er, so
würbest du wohl, nicht minder –, daß, noch unsichtbar,
dich die Freundin erführ, die stille, in der eine Antwort
langsam erwacht und über dem Hören sich anwärmt, –
deinem erkühnten Gefühl die erglühte Gefühlin.
O und der Frühling begriffe –, da ist keine Stelle,
die nicht trüge den Ton der Verkündigung. Erst jenen kleinen
fragenden Auflaut, den, mit steigernder Stille,
weithin umschweigt ein reiner bejahender Tag.
Dann die Stufen hinan, Ruf-Stufen hinan, zum geträumten
Tempel der Zukunft –; dann den Triller, Fontäne,
die zu dem drängenden Strahl schon das Fallen zuvornimmt
im versprechlichen Spielc Und vor sich, den Sommer.

Nicht nur die Morgen alle des Sommers –, nicht nur
wie sie sich wandeln in Tag und strahlen vor Anfang.
Nicht nur die Tage, die zart sind um Blumen, und oben,
um die gestalteten Bäume, stark und gewaltig.
Nicht nur die Andacht dieser entfalteten Kräfte,
nicht nur die Wege, nicht nur die Wiesen im Abend,
nicht nur, nach spätem Gewitter, das atmende Klarsein,
nicht nur der nahende Schlaf und ein Ahnen, abendsc
sondern die Nächte! Sondern die hohen, des Sommers,
Nächte, sondern die Sterne, die Sterne der Erde.
O einst tot sein und sie wissen unendlich,
alle die Sterne: denn wie, wie, wie sie vergessen!

Siehe, da rief ich die Liebende. Aber nicht sie nur
käme… Es kämen aus schwächlichen Gräbern
Mädchen und ständen… Denn, wie beschränk ich,
wie, den gerufenen Ruf? Die Versunkenen suchen
immer noch Erde. – Ihr Kinder, ein hiesig
einmal ergriffenes Ding gälte für viele.
Glaubt nicht, Schicksal sei mehr, als das Dichte der Kindheit;
wie überholtet ihr oft den Geliebten, atmend,
atmend nach seligem Lauf, auf nichts zu, ins Freie.

Hiersein ist herrlich. Ihr wußtet es, Mädchen, ihr auch,
die ihr scheinbar entbehrtet, versankt –, ihr, in den ärgsten
Gassen der Städte, Schwärende, oder dem Abfall
Offene. Denn eine Stunde war jeder, vielleicht nicht
ganz eine Stunde, ein mit den Maßen der Zeit kaum
Meßliches zwischen zwei Weilen –, da sie ein Dasein
hatte. Alles. Die Adern voll Dasein.
Nur, wir vergessen so leicht, was der lachende Nachbar
uns nicht bestätigt oder beneidet. Sichtbar
wollen wirs heben, wo doch das sichtbarste Glück uns
erst zu erkennen sich giebt, wenn wir es innen verwandeln.

Nirgends, Geliebte, wird Welt sein, als innen. Unser
Leben geht hin mit Verwandlung. Und immer geringer
schwindet das Außen. Wo einmal ein dauerndes Haus war,
schlägt sich erdachtes Gebild vor, quer, zu Erdenklichem
völlig gehörig, als ständ es noch ganz im Gehirne.
Weite Speicher der Kraft schafft sich der Zeitgeist, gestaltlos
wie der spannende Drang, den er aus allem gewinnt.
Tempel kennt er nicht mehr. Diese, des Herzens, Verschwendung
sparen wir heimlicher ein. Ja, wo noch eins übersteht,
ein einst gebetetes Ding, ein gedientes, geknietes –,
hält es sich, so wie es ist, schon ins Unsichtbare hin.
Viele gewahrens nicht mehr, doch ohne den Vorteil,
daß sie’s nun innerlich baun, mit Pfeilern und Statuen, größer!

Jede dumpfe Umkehr der Welt hat solche Enterbte,
denen das Frühere nicht und noch nicht das Nächste gehört.
Denn auch das Nächste ist weit für die Menschen. Uns soll
dies nicht verwirren; es stärke in uns die Bewahrung
der noch erkannten Gestalt. – Dies stand einmal unter Menschen,
mitten im Schicksal stands, im vernichtenden, mitten
im Nichtwissen-Wohin stand es, wie seiend, und bog
Sterne zu sich aus gesicherten Himmeln. Engel,
dir noch zeig ich es, da! in deinem Anschaun
steh es gerettet zuletzt, nun endlich aufrecht.
Säulen, Pylone, der Sphinx, das strebende Stemmen,
grau aus vergehender Stadt oder aus fremder, des Doms.

War es nicht Wunder? O staune, Engel, denn wir sinds,
wir, o du Großer, erzähls, daß wir solches vermochten, mein Atem
reicht für die Rühmung nicht aus. So haben wir dennoch
nicht die Räume versäumt, diese gewährenden, diese
unseren Räume. (Was müssen sie fürchterlich groß sein,
da sie Jahrtausende nicht unseres Fühlns überfülln.)
Aber ein Turm war groß, nicht wahr? O Engel, er war es, –
groß, auch noch neben dir? Chartres war groß –, und Musik
reichte noch weiter hinan und überstieg uns. Doch selbst nur
eine Liebende –, oh, allein am nächtlichen Fenster…
reichte sie dir nicht ans Knie –?
            Glaub nicht, daß ich werbe.
Engel, und würb ich dich auch! Du kommst nicht. Denn mein
Anruf ist immer voll Hinweg; wider so starke
Strömung kannst du nicht schreiten. Wie ein gestreckter
Arm ist mein Rufen. Und seine zum Greifen
oben offene Hand bleibt vor dir
offen, wie Abwehr und Warnung,
Unfaßlicher, weitauf.

Rainer Maria Rilke – Elegias de Duíno – Sexta Elegia

Figueira, há muito que te vejo esquecer
quase inteiramente a floração, precipitando
no fruto prematuro, incompreendido, teu
puro segredo. Como o canal de uma fonte
teus ramos sinuosos impelem para a luz
a seiva adormecida, abandonando-a,
ainda sonolenta ao seu doce destino:
como o deus em cisne transformado.
            Nós porém que nos detemos,
gloriosos de florir, somos traídos antes de entrar
nas profundezas do tardo fruto derradeiro.
Poucos são impelidos pelo atuar com tal fervor,
até arder na plenitude do próprio coração,
quando o fascínio de florescer – suave brisa noturna –
roça-lhes a juventude da boca ou toca-lhes as pálpebras.
Aos heróis, talvez, e aos que morreram jovens,
a morte jardineira torceu estranhamente as veias:
eles se precipitam e o próprio sorriso antecipam
como os corcéis atrelados, nas doces imagens
côncavas de Karnak, precedendo o rei vencedor.

Misterioso irmão dos mortos jovens é o herói.
Que lhe importa durar? Sua existência é ascensão:
eleva-se, incansável, e penetra nas constelações
mutáveis do perigo à espreita. Poucos o seguem. Mas
o Destino, para nós mudo e obscuro, subitamente
para ele se transforma e como um canto o arrebata,
na tormenta de um mundo murmurante. Atravessa-me
com o ar torrencial, seu rumor cheio de trevas.

Ah! como fugir então à nostalgia de ser criança,
novamente criança, e estar sentado, sobre futuros
braços apoiados, lendo a história de Sansão e de sua mãe,
que, estéril a princípio, concebeu tudo depois.

Já não era ele herói dentro de ti, ó mãe,
iniciando em ti a escolha imperiosa?
Milhares de seres agitavam-se em teu seio e queriam
ser ele. Mas vê: ele tomou, elegeu, apartou e foi.
E quando partiu colunas, foi para irromper
do mundo de teu corpo e em mundo mais restrito e novo
prosseguir sua escolha poderosa. Ó mães dos heróis,
nascentes dos rios vertiginosos! Vós, abismos profundos,
onde, das altas orlas do coração, já se precipitam
futuras dádivas ao filho, jovens lamentosas!

Pois o herói percorre as estações do amor, e cada pulsar
de um coração ardente o impele às alturas com mais força.
Alheado, porém, ele é outro, ao termo dos sorrisos.

Trad.: Dora Ferreira da Silva

Die sechste Elegie

Feigenbaum, seit wie lange schon ists mir bedeutend,
wie du die Blüte beinah ganz überschlägst
und hinein in die zeitig entschlossene Frucht,
ungerühmt, drängst dein reines Geheimnis.
Wie der Fontäne Rohr treibt dein gebognes Gezweig
abwärts den Saft und hinan: und er springt aus dem Schlaf,
fast nicht erwachend, ins Glück seiner süßesten Leistung.
Sieh: wie der Gott in den Schwan.
            …Wir aber verweilen,
ach, uns rühmt es zu blühn, und ins verspätete Innre
unserer endlichen Frucht gehn wir verraten hinein.
Wenigen steigt so stark der Andrang des Handelns,
daß sie schon anstehn und glühn in der Fülle des Herzens,
wenn die Verführung zum Blühn wie gelinderte Nachtluft
ihnen die Jugend des Munds, ihnen die Lider berührt:
Helden vielleicht und den frühe Hinüberbestimmten,
denen der gärtnernde Tod anders die Adern verbiegt.
Diese stürzen dahin: dem eigenen Lächeln
sind sie voran, wie das Rossegespann in den milden
muldigen Bildern von Karnak dem siegenden König.

Wunderlich nah ist der Held doch den jugendlich Toten. Dauern
ficht ihn nicht an. Sein Aufgang ist Dasein; beständig
nimmt er sich fort und tritt ins veränderte Sternbild
seiner steten Gefahr. Dort fänden ihn wenige. Aber,
das uns finster verschweigt, das plötzlich begeisterte Schicksal
singt ihn hinein in den Sturm seiner aufrauschenden Welt.
Hör ich doch keinen wie ihn. Auf einmal durchgeht mich
mit der strömenden Luft sein verdunkelter Ton.

Dann, wie verbärg ich mich gern vor der Sehnsucht: O wär ich,
wär ich ein Knabe und dürft es noch werden und säße
in die künftigen Arme gestützt und läse von Simson,
wie seine Mutter erst nichts und dann alles gebar.

War er nicht Held schon in dir, o Mutter, begann nicht
dort schon, in dir, seine herrische Auswahl?
Tausende brauten im Schooß und wollten er sein,
aber sieh: er ergriff und ließ aus –, wählte und konnte.
Und wenn er Säulen zerstieß, so wars, da er ausbrach
aus der Welt deines Leibs in die engere Welt, wo er weiter
wählte und konnte. O Mütter der Helden, o Ursprung
reißender Ströme! Ihr Schluchten, in die sich
hoch von dem Herzrand, klagend,
schon die Mädchen gestürzt, künftig die Opfer dem Sohn.

Denn hinstürmte der Held durch Aufenthalte der Liebe,
jeder hob ihn hinaus, jeder ihn meinende Herzschlag,
abgewendet schon, stand er am Ende der Lächeln, – anders.

Rainer Maria Rilke – Elegias de Duíno – Quinta Elegia

Quinta elegia

               dedicada a Frau Hertha von Kœnig

Mas quem são eles, dizei-me, os saltimbancos, um pouco
mais efêmeros que nós mesmos, desde a infância
por alguém torcidos – por amor
de que vontade jamais saciada? Entretanto ela os torce,
curva-os, entretece-os, vibra-os,
atira-os e os toma de volta! Do ar untado
e mais liso, eles resvalam
sobre o tapete gasto (adelgaçado
pelo eterno salto), esse tapete
perdido no universo.
Emplastro aderido lá, onde o céu
do subúrbio feriu a terra.
            E apenas lá,
aufereto, mostra a grande maiúscula
inicial da Derelicção… e já o renitente
agarrar torna a rolar os homens mais fortes,
por jogo, como outrora Augusto o Forte, à mesa,
brincando com pratos de zinco.

Ah! e em torno desse centro,
a rosa do contemplar:
floresce e desfolha. Em torno do
triturador, o pistilo atingido por seu próprio
pólen florescente, novamente fecundado – fruto
aparente do desgosto, inconsciente de si mesmo –
com a fina superfície a brilhar
num sorriso leve, simulado.

Lá, o murcho, o enrugado atleta,
o velho que apenas rufla o tambor,
encolhido na pele poderosa como se outrora tivesse contido
dois homens e um já estivesse
morto, enquanto o outro sobrevive ainda,
surdo e um pouco perturbado,
às vezes, na pele viúva.

E o jovem, o homem, como se fosse o filho
de uma nuca e de uma freira: retesado e vigoroso,
cheio de músculos e de simplicidade.

Ó vós,
que um sofrimento ainda pequeno
ganhou alguma vez como brinquedo,
numa de suas longas convalescenças…

Tu, que imaturo, com o baque
apenas conhecido pelos frutos, tu que cem vezes
por dia cais da árvore do movimento construído
em conjunto (árvore mais ágil que a água, percorrendo
em minutos primavera, verão e outono) – cais e roças
o túmulo: às vezes, num breve intervalo, a ternura
hesita em teu rosto, diante de tua mãe raramente
carinhosa; mas logo se perde no corpo
que dissipa, leviano, a expressão tímida e incompleta…
E o homem torna a bater as mãos para o salto… Antes
que a dor se torne mais nítida e próxima do teu coração
sempre alterado, antecipa-a e à sua origem, o ardor
das plantas dos pés, que empurra à flor dos
olhos algumas lágrimas corpóreas.
E contudo, às cegas,
o sorriso…

Anjo, toma, colhe a erva medicinal de flores singelas!
Modela um vaso e dá-lhe abrigo! Preserva-a entre as
alegrias não desabrochadas; celebra-a em
carinhosa urna, com uma inscrição florida e inspirada:
            Subrisio Saltat.

E tu, graciosa,
esquecida no silêncio
das alegrias vivas e apressadas. Talvez
sejam felizes por ti as franjas dos teus cabelos,
ou quem sabe, sobre teus seios jovens e túmidos,
a seda verde-metal sinta-se mimada e nada lhe falte.
Tu,
colocada sempre de um modo novo
sobre os carros oscilantes do equilíbrio,
fruto de feira da indiferença,
exibida ao público, entre os ombros.

Onde, onde é o espaço – levo-o no coração –,
onde, não podendo ainda, eles caiam
um do outro como animais que saltassem
para acasalar-se;
onde os lastros ainda têm peso,
onde os arcos ainda bamboleiam
fugindo às varas
que giram inutilmente…

E de repente, neste árduo Nada,
o ponto inexprimível onde a insuficiência pura
incompreensivelmente se transforma – e salta
àquela vazia plenitude
onde o cálculo de muitos algarismos
se resolve sem números.

Praças, ó praças em Paris, feira infinita,
onde a modista Madame Lamort
tece e retorce os caminhos inquietos do mundo –
numerosas fitas – em laços imprevistos, folhos, flores,
laçarotes, frutos artificiais, tudo falsamente colorido
para os módicos chapéus de inverno
do Destino.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Anjo!: talvez haja uma praça que desconhecemos, onde,
sobre um tapete indizível, os amantes, incapazes aqui,
pudessem mostrar suas ousadas, altivas figuras
do ímpeto amoroso, suas torres de alegria, suas trêmulas
escadas que há muito se tocam onde nunca houve apoio:
e poderiam diante dos espectadores em círculo,
incontáveis mortos silenciosos. E estes arrojariam
suas últimas, sempre poupadas,
sempre ocultas, desconhecidas moedas de felicidade
para sempre válidas, diante do par
verdadeiramente sorridente, sobre o tapete
apaziguado.

Trad.: Dora Ferreira da Silva

Die fünfte Elegie

Frau Hertha Koenig zugeeignet

Wer aber sind sie, sag mir, die Fahrenden, diese ein wenig
Flüchtigern noch als wir selbst, die dringend von früh an
wringt ein wem, wem zu Liebe
niemals zufriedener Wille? Sondern er wringt sie,
biegt sie, schlingt sie und schwingt sie,
wirft sie und fängt sie zurück; wie aus geölter,
glatterer Luft kommen sie nieder
auf dem verzehrten, von ihrem ewigen
Aufsprung dünneren Teppich, diesem verlorenen
Teppich im Weltall.
Aufgelegt wie ein Pflaster, als hätte der Vorstadt-
Himmel der Erde dort wehe getan.
            Und kaum dort,
recht, da und gezeigt: des Dastehns
großer Anfangsbuchstab…, schon auch, die stärksten
Männer, rollt sie wieder, zum Scherz, der immer
kommende Griff, wie August der Starke bei Tisch
einen zinnenen Teller.

Ach und um diese
Mitte, die Rose des Zuschauns:
blüht und entblättert. Um diesen
Stampfer, den Stempel, den von dem eignen
blühenden Staub getroffnen, zur Scheinfrucht
wieder der Unlust befruchteten, ihrer
niemals bewußten, – glänzend mit dünnster
Oberfläche leicht scheinlächelnden Unlust.

Da: der welke, faltige Stemmer,
der alte, der nur noch trommelt,
eingegangen in seiner gewaltigen Haut, als hätte sie früher
zwei Männer enthalten, und einer
läge nun schon auf dem Kirchhof, und er überlebte den andern,
taub und manchmal ein wenig
wirr, in der verwitweten Haut.

Aber der junge, der Mann, als wär er der Sohn eines Nackens
und einer Nonne: prall und strammig erfüllt
mit Muskeln und Einfalt.

Oh ihr,
die ein Leid, das noch klein war,
einst als Spielzeug bekam, in einer seiner
langen Genesungen…

Du, der mit dem Aufschlag,
wie nur Früchte ihn kennen, unreif,
täglich hundertmal abfällt vom Baum der gemeinsam
erbauten Bewegung (der, rascher als Wasser, in wenig
Minuten Lenz, Sommer und Herbst hat) –
abfällt und anprallt ans Grab:
manchmal, in halber Pause, will dir ein liebes
Antlitz entstehn hinüber zu deiner selten
zärtlichen Mutter; doch an deinen Körper verliert sich,
der es flächig verbraucht, das schüchtern
kaum versuchte Gesicht… Und wieder
klatscht der Mann in die Hand zu dem Ansprung, und eh dir
jemals ein Schmerz deutlicher wird in der Nähe des immer
trabenden Herzens, kommt das Brennen der Fußsohln
ihm, seinem Ursprung, zuvor mit ein paar dir
rasch in die Augen gejagten leiblichen Tränen.
Und dennoch, blindlings,
das Lächeln…

Engel! o nimms, pflücks, das kleinblütige Heilkraut.
Schaff eine Vase, verwahrs! Stells unter jene, uns noch nicht
offenen Freuden; in lieblicher Urne
rühms mit blumiger schwungiger Aufschrift:
            “Subrisio Saltat”.

Du dann, Liebliche,
du, von den reizendsten Freuden
stumm Übersprungne. Vielleicht sind
deine Fransen glücklich für dich –,
oder über den jungen
prallen Brüsten die grüne metallene Seide
fühlt sich unendlich verwöhnt und entbehrt nichts.
Du,
immerfort anders auf alle des Gleichgewichts schwankende Waagen
hingelegte Marktfrucht des Gleichmuts,
öffentlich unter den Schultern.

Wo, o wo ist der Ort – ich trag ihn im Herzen –,
wo sie noch lange nicht konnten, noch voneinander
abfieln, wie sich bespringende, nicht recht
paarige Tiere; –
wo die Gewichte noch schwer sind;
wo noch von ihren vergeblich
wirbelnden Stäben die Teller
torkeln…

Und plötzlich in diesem mühsamen Nirgends, plötzlich
die unsägliche Stelle, wo sich das reine Zuwenig
unbegreiflich verwandelt –, umspringt
in jenes leere Zuviel.
Wo die vielstellige Rechnung
zahlenlos aufgeht.

Plätze, o Platz in Paris, unendlicher Schauplatz,
wo die Modistin, Madame Lamort,
die ruhlosen Wege der Erde, endlose Bänder,
schlingt und windet und neue aus ihnen
Schleifen erfindet, Rüschen, Blumen, Kokarden, künstliche Früchte –, alle
unwahr gefärbt, — für die billigen
Winterhüte des Schicksals.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Engel!: Es wäre ein Platz, den wir nicht wissen, und dorten,
auf unsäglichem Teppich, zeigten die Liebenden, die’s hier
bis zum Können nie bringen, ihre kühnen
hohen Figuren des Herzschwungs,
ihre Türme aus Lust, ihre
längst, wo Boden nie war, nur an einander
lehnenden Leitern, bebend, – und könntens,
vor den Zuschauern rings, unzähligen lautlosen Toten:
Würfen die dann ihre letzten, immer ersparten,
immer verborgenen, die wir nicht kennen, ewig
gültigen Münzen des Glücks vor das endlich
wahrhaft lächelnde Paar auf gestilltem
Teppich?