Jules Laforgue – O silêncio azul

Por todo o transcorrido eterno e no vindouro,
A Noite universal povoa-se infinita
E cegamente em coágulos onde se agita
A vida que rabisca em arabescos de ouro.

Eis que um daqueles, tão desassistido e só,
Junto a seus deuses, artes, erros e mania,
Seu lodaçal, miséria e cantos de ironia,
Escreve história, grita ao céu e vira pó.

No tempo, é um minuto; um átomo, no espaço,
E um dia o globo morto, tumba do que fora,
Some no nada, sem deixar o nome – ou traço.

Tudo se vai! E o que lhe fez viver outrora?
Onde encontrar sentido no dolente entrudo?
O céu, eterno e azul: melhor quedar-se mudo.

Trad.: André Valias

Le silence bleu

Depuis l’éternité passée et pour toujours,
La Nuit universelle en tous sens infinie
Se peuple aveuglément de blocs grouillants de vie,
En paraboles d’or entrelaçant leurs cours.

L’un d’eux, dans ces splendeurs perdu, seul, sans secours, Avec ses dieux, ses arts, ses erreurs, son génie, Ses fanges, sa misère et ses chants d’ironie Déroule son histoire en criant aux cieux sourds.

Minute dans le temps, atome dans l’espace, Un jour ce globe mort, tombeau de ce qu’il fut, S’éparpille. – Plus rien – pas un nom – nulle trace.

Il n’est plus! Et tout va ! Quel était donc son but ? Où chercher le pourquoi de ce poignant mystère? – Les cieux sont éternels et bleus, il faut se taire.

Jules Laforgue – Penúltima palavra

O Espaço?
– A vida
Ida
Sem traço.

O amor?
– Seu preço:
Desprezo
E dor.

O sonho?
– Infindo,
É lindo
(Suponho).

Que vou
Fazer
Do ser
Que sou?

Isto,
Aquilo,
Aqui,
Ali.

Trad.: Augusto de Campos

 

Avant-dernier mot

L’Espace?
– Mon Coeur
Y meurt
Sans traces…

La Femme?
– J’en sors,
La mort
Dans l’âme…

Le Rêve?
– C’est bon
Quand on
L’achève…

Que faire
Alors
Du corps
Qu’on gère?

Ceci,
Cela,
Par-ci
Par-là…

Jules Laforgue – Spleen

Tudo é tédio. Manhã. Olho pela janela.

No alto, risca-se o céu no giz da chuva fria.
Em baixo, a rua. Sob a cerração sombria
Vultos deslizam na água turva de barrela.

Olho sem ver (até meu cérebro regela)
Maquinalmente sobre o vidro que embacia
Meu dedo faz rabiscos de caligrafia.
Bah! Saiamos. Quem sabe, alguma coisa bela.

Nenhum livro. Perfis estúpidos. Ninguém.
Fiacres, lama, e ainda a chuva nos telhados…
Enfim a noite, o gás, volto com pés pesados…

Janto, bocejo, leio, nada me convém…
Bah! Dormir. – Meia noite. Uma. É sem remédio.
Só eu não durmo, só. E tudo é tédio.

Trad.: Augusto de Campos

Jules Laforgue – Mediocridade

No infinito coberto de eternas belezas,
Como átomo perdido, incerto, solitário,
Um planeta chamado Terra, dias contados,
Voa com os seus vermes sobre as profundezas.

Filhos sem cor, febris, ao jugo do trabalho,
Marchando, indiferentes ao grande mistério,
E quando um dos seus é enterrado, já sérios,
Saúdam-no. Do torpor não são arrancados.

Viver, morrer, sem desconfiar da história
Do globo, sua miséria em eterna glória,
Sua agonia futura, o sol moribundo.

Vertigens de universo, todo o seu só festa!
Nada, nada, terão visto. Partem do mundo
Sem visitar sequer o seu próprio planeta.

Trad.: Régis Bonvicino