PARA SUA DAMA RECATADA.
trad. Matheus “Mavericco”.
Houvesse tempo e espaço e então de fato
Não seria um delito este recato.
Sentados, nós iríamos pensar
Em só pensar no outro, e assim passar.
Você, do lado indígena do Ganges,
Achando rubis, e eu, pois me confrange
A dor, junto ao Humber. Décadas antes
Do Dilúvio eu te juro amor, e, instantes
Depois, se quiser, negue os votos meus
Até que se convertam os judeus.
Meu amor vegetal cresce mais vasto,
Embora mais lento, que impérios; gasto
Séculos em louvor de tua face
E mais dois longos séculos em face
De teus seios e trinta mil se quero
O corpo inteiro. Uma era de esmero
Pra cada parte, até que a derradeira
Sirva pra revelar tua alma inteira.
Pois você, ó Senhora, é digna disto ―
E eu não sei amar por menos que isto.
Contudo, escuto sempre atrás de mim
O Tempo alado a toda pressa: e, assim,
Nós só podemos ver, mais adiante,
A vastidão deserta do incessante
E a graça que você tem hoje, extinta.
No teu fosso marmóreo é indistinta
Minha canção que ecoa; o verme tenta
Romper teu corpo virgem e fragmenta
Em pó a tua honra imensa, enquanto
Meu ardor queima em cinzas. Se o recanto
Da sepultura é íntimo, então, acho,
Ninguém lá deve dar algum abraço.
Mas agora, o vigor juvenil posto
Tal como o orvalho fresco no teu rosto,
Tua alma desejosa de que sue
Em cada poro o fogo que a imiscui,
Devoremos nós dois juntos, e agora,
Como um casal de abutres que se adora,
O tempo antes que o tempo venha a ser
O nosso algoz, voraz o seu poder.
Enovelemos rapidez e força
Num globo, para que depois se torça
E abata o nosso anseio em árdua lida
Diante dos portões de aço da vida:
Assim, se o sol não puder ser parado,
Ele será ao menos apressado.
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À SUA AMIGA ESQUIVA.
trad. Nelson Ascher.
Sobrassem mundo e tempo, não seria
tanta esquivez, senhora, uma heresia.
Sentar-nos-íamos pensando, a cada
longo dia de amor, uma jornada.
Enquanto junto ao Ganges encontrasses
rubis, eu molharia minhas faces
chorando ao Humber. Fosse minha parte
dez anos antes do Dilúvio amar-te,
seria a tua opor desinteresse
até que o povo hebreu se convertesse.
Meu amor vegetal, mais devagar
que impérios, cresceria sem parar.
Dedicaria cem anos, perante
teus olhos, a louvar o teu semblante;
A te adorar os seios, pelo menos
O dobro; ao resto, mais trinta milênios;
E, a tudo em ti, mil eras, de maneira
A abrir teu coração na derradeira.
Porque, senhora, vales tal quantia
E, para amar-te, eu não regatearia.
Mas ouço atrás de mim, correndo insanos
num carro alado, os dias, meses, anos.
E, frente a nós, se estende sem mais nada
A vasta eternidade desolada.
Tua beleza há de perder-se ao léu;
tampouco, em teu marmóreo mausoléu,
hão de ecoar meus versos quando, inerme,
entregues o hímen obstinado ao verme,
que em pó transformará tua honra vã
E em cinzas todo o ardor do meu afã.
O túmulo é discreto e acolhedor
mas lá ninguém que eu saiba faz amor.
Agora, então, que em tua pele pousa,
feito orvalho na folha, a cor viçosa,
E em cada poro de tua alma aflora
um fogo urgente ― amemos sem demora:
mais vale devorarmos, com o brio
das aves de rapina em pleno cio,
O tempo de uma vez do que, em poder
das lentas presas dele, enlanguescer.
Unindo numa esfera dois extremos
― nossa ternura e força ― arrebatemos
prazeres com porfia desabrida
através dos portões férreos da vida.
Não há como parar o sol, mas nós
podemos ― sim ― torná-lo mais veloz.
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PARA SUA AMADA ESQUIVA.
trad. Alípio Correia Neto.
Com um mundo nosso, dama, e vez,
Não fora um crime tua esquivez.
Íamos sentar, pra ver qual via
Trilhar, e amar por longo dia.
Acharias, com o Ganges aos pés,
Rubis; eu, o pranto, ante as marés
Do Humber. Te daria dez anos
De amor antediluvianos!
Dirias não, por caprichos teus,
Até à conversão dos judeus;
Meu amor vegetal, mais lento
Que impérios, vasto em crescimento,
Um século pra louvações
Aos olhos, pra admirar feições,
Teria; o dobro pra adorar-te
Os seios; trinta mil às mais partes;
A cada qual, uma era, e então
Uma última, a teu coração.
Pois, dama, vales os meus reinos;
E eu não iria te amar por menos.
Mas ouço, sempre, atrás de nós,
O Carro do Tempo, veloz,
E adiante jazem vastos ermos
Da eternidade. Não havemos
De achar tua beleza afora.
Nem, na tua cripta marmórea,
Soará meu canto. E um verme há de
Testar-te a longa virgindade,
Mudando em pó tua honra altiva
E em cinzas a minha lascívia.
A cova é bom e íntimo espaço,
Mas não, penso eu, para um abraço.
Enquanto há em ti cor juvenil
Na tez, como na flor, rocio,
E a alma que anseia deita fora um
Fogo urgente em cada poro,
Vamos folgar, e semelhantes
A amáveis aves rapinantes,
Tragar o nosso tempo, isentos
De enlanguescer num bico lento,
Então enrolar nosso desvelo
E forças em um só novelo,
Rasgar prazeres na investida
Contra os portões férreos da vida.
Assim, sem termos o que impeça
O sol, o instamos a ir depressa.
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PARA SUA TÍMIDA SENHORA.
trad. Rodrigo Garcia Lopes.
Com mundo e tempo de sobra, acredite-me,
Senhora, essa tua timidez não seria crime.
Sentados, pensaríamos no modo melhor
De gozar nosso longo dia de amor.
Tu pelas margens do Ganges
Acharia rubis, eu, no estuário langue
Do Humber, reclamaria de tudo.
Te amaria dez anos antes do Dilúvio,
E tu, se quisesses, recusarias meu eu
Até a conversão dos Judeus.
Meu amor vegetal iria assim crescendo
Mais vasto que impérios, e mais lento;
Cem anos gastos para elogiar
Teus olhos, e tua testa contemplar;
Duzentos para adorar cada seio,
Mas trinta mil para seu recheio;
Uma era ao menos para cada seção,
E a última exibiria enfim seu coração.
Senhora, bem mereces tal status.
Recusaria te amar por mais barato.
Mas ouço às nossas costas de repente
O carro alado do tempo, rente;
E além de nós ardem na tarde
Desertos de vasta eternidade.
Tua beleza, hoje, amanhã não será,
Nem na lápide marmórea há de soar
O eco dessa canção; só vermes sem piedade
A devorar tão protegida virgindade,
E tua honra antiquada virando pó,
E cinzas todo meu desejo, a sós:
A cova é discreta e confortável alcova,
Mas que amantes ali se abracem, não há prova.
Agora, enquanto a cor em suas maçãs
Pousa em tua pele como rocio da manhã,
E enquanto tua alma transpire de desejo
E em seus poros fogos sutis revejo,
Vamos nos acabar enquanto é de matina,
E já, como amorosas aves de rapina,
De uma vez devorar o nosso tempo
Em vez de enlanguescer em seu relento.
Enrolemos nossa força, sem espera,
Nossa ternura toda numa só esfera,
E rasguemos prazeres com luta ríspida,
Ao passar pelos portões de ferro da vida;
Pois, se não podemos o sol deter
Podemos ao menos fazê-lo correr.
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À SUA TÍMIDA AMANTE.
trad. Renato Suttana.
Houvesse, dama, tempo e mundo à farta,
E tal reserva não seria crime.
Sentados, a escolher nosso caminho,
Do amor o longo dia passaríamos.
Buscarias rubis junto das margens
Do indiano Ganges: e eu entoaria
Junto às ondas do Humber que te amara
Por mais dez anos, até a inundação.
Eis que o recusarias, caprichosa,
Do judeu a esperar a conversão.
Meu amor, como planta, medraria
Mais vasto que os impérios e mais lento:
E cem anos passara eu a louvar
Os teus olhos, mirando a tua fronte,
E a adorar cada seio mais duzentos,
Mais trinta mil para o restante – uma era
Enfim inteira para cada parte:
E o coração revelarias na última.
Pois que és digna, senhora, de tal corte –
E a menor preço eu não quisera amar.
Mas ouço às minhas costas, sempre, a alada
Carruagem do tempo se apressando;
E à minha frente em tudo vejo abrir-se
Só desertos de vasta eternidade.
Tua graça não mais existirá,
Nem meu canto soará sob a marmórea
Abóbada; só os vermes provarão
Essa há tanto guardada virgindade:
E a tua inútil honra será pó,
E todo o meu desejo apenas cinza:
Que a sepultura é cômodo e privado
Lugar, mas às carícias – creio – impróprio.
Por isso, enquanto a cor da juventude
Como o orvalho da aurora em tua pele
Repousa e cada poro da anelante
Alma um fogo incessante ainda transpira:
Vamos gozar, enquanto nos é dado,
E devorar como aves de rapina
De uma só vez nosso tempo, sem sermos
Em suas lentas garras abatidos.
Rolemos nossa força e toda a nossa
Doçura para dentro de um só globo –
E o gozo em luta rude laceremos
Contra os portões de ferro da existência:
Pois, se este sol não podemos parar,
Que o façamos então acelerar.
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TO HIS COY MISTRESS.
Had we but world enough and time,
This coyness, lady, were no crime.
We would sit down, and think which way
To walk, and pass our long love’s day.
Thou by the Indian Ganges’ side
Shouldst rubies find; I by the tide
Of Humber would complain. I would
Love you ten years before the flood,
And you should, if you please, refuse
Till the conversion of the Jews.
My vegetable love should grow
Vaster than empires and more slow;
An hundred years should go to praise
Thine eyes, and on thy forehead gaze;
Two hundred to adore each breast,
But thirty thousand to the rest;
An age at least to every part,
And the last age should show your heart.
For, lady, you deserve this state,
Nor would I love at lower rate.
But at my back I always hear
Time’s wingèd chariot hurrying near;
And yonder all before us lie
Deserts of vast eternity.
Thy beauty shall no more be found;
Nor, in thy marble vault, shall sound
My echoing song; then worms shall try
That long-preserved virginity,
And your quaint honour turn to dust,
And into ashes all my lust;
The grave’s a fine and private place,
But none, I think, do there embrace.
Now therefore, while the youthful hue
Sits on thy skin like morning dew,
And while thy willing soul transpires
At every pore with instant fires,
Now let us sport us while we may,
And now, like amorous birds of prey,
Rather at once our time devour
Than languish in his slow-chapped power.
Let us roll all our strength and all
Our sweetness up into one ball,
And tear our pleasures with rough strife
Thorough the iron gates of life:
Thus, though we cannot make our sun
Stand still, yet we will make him run.