Maureen Seaton – Preparem-se para dias melhores

                                    Preparem-se para dias melhores 
— Virgilio, Eneida

Não vou me guardar para dias melhores.
Vou me consumir agora – e depois

vou me consumir novamente amanhã.
É por isso que mantenho os olhos abertos a noite toda

e meu coração se precipita em direção às estrelas.
Para ver quais decidem permanecer imóveis

e criar uma constelação ao meu redor

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Save Yourself for Better Times

— Virgil, Aeneid

I will not save myself for better times.
I will use myself up now-and then

I will use myself up again tomorrow.
It’s why my eyes stay open all night

and my heart throws itself to the stars.
To see which ones decide to stand still

and grow a constellation around me

Platão – da “Antologia Grega”

Eu, Lais, que escarneci dos gregos
e enxame de amantes retive à porta,
ofereço a Afrodite o meu espelho. Não olharei
para esta cara e não consigo ver a anterior.

Versão: José Alberto Oliveira

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 24/10/2018

Pierre de Ronsard – Quando fores bem velha…

Quando fores bem velha, à noite junto à vela,
Sentada ao pé do fogo, enovelando e fiando,
Dirás, cantando os versos meus e te enlevando:
“Ronsard me celebrava ao tempo em que era bela”.
Então nem haverá, ouvindo o recital,
Serva, ao fim do trabalho e semi-sonolenta,
Que, com som do meu nome, não desperte atenta
A saudar o teu nome em louvor imortal.
Estarei sob a terra e, fantasma sem osso,
Pelas sombras dos mirtos terei meu repouso;
Tu serás à lareira uma anciã encolhida
Chorando o meu amor e o teu fero desdém.
Se me crês, não espere o amanhã também:
Vive, colhe desde hoje as rosas desta vida.

Trad.: José Lino Grünewald

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 01/10/2018

Les Amours – Amôres de Helena, livro segundo – soneto XLIII

Quand vous serez bien vieille, au soir à la chandelle,
Assise auprès du feu, dévidant et filant,
Direz chantant mes vers, en vous émerveillant:
«Ronsard me célébrait du temps que j’étais belle.»

Lors vous n’aurez servante oyant telle nouvelle,
Déjà sous le labeur à demi sommeillant,
Qui au bruit de mon nom ne s’aille réveillant,
Bénissant votre nom, de louange immortelle.

Je serai sous la terre et, fantôme sans os,
Par les ombres myrteux je prendrai mon repos;
Vous serez au foyer une vieille accroupie,

Regrettant mon amour et votre fier dédain.
Vivez, si m’en croyez, n’attendez à demain:
Cueillez dès aujourd’hui les roses de la vie.

Aqui, com uma pequena explicação sobre o poema feita pelo próprio tradutor: http://joselinogrunewald.com/traducoes.php?id=834

Joan Margarit – Era Rubra

     A Àlex Susanna

Levaste tanto tempo para aprender
que chegas tarde ao grande amor:
nunca viveste uma era de ouro.
As rosas de Ronsard*
jamais perfumarão teu olhar,
nenhum outono desfolhará
morosas pétalas nos braços de ninguém.
Com negligência ocultas os espelhos
como se fazia nas casas
onde havia um defunto.
Não voltam as mulheres com as quais
trocaste anos de solidão
por um fugaz momento de ternura.
Tão ardente é a vida no outono
que nas horas de angústia não poderás
amar nem a mulher que já perdeste.

Trad.: Nelson Santander

* N. do T.: o verso ‘As rosas de Ronsard’ pode ser interpretado de duas maneiras distintas. Por um lado, o poeta pode estar se referindo à espécie de rosa conhecida como ‘Rosa Pierre de Ronsard’, uma rosa trepadeira famosa por suas flores exuberantes. Por outro lado, pode estar aludindo ao famoso poema “Quand vous serez bien vieille” (Quando você estiver bem velha, em livre tradução), do poeta renascentista francês Pierre de Ronsard, um um exemplo clássico do tema do ‘carpe diem’. Ambas interpretações são válidas, inclusive concomitantemente, pois o poeta parece estar evocando tanto a beleza transitória das rosas como um símbolo do amor e da juventude efêmeros, quanto a reflexão sobre o tempo e a impossibilidade de alcançar uma era de ouro. A menção às rosas de Ronsard no poema de Margarit traz uma camada adicional de significado, ampliando o tema da fugacidade e da perda no poema.

REPUBLICAÇÃO com alterações na tradução: poema publicado na página originalmente em 30/09/2018

Edad roja

     A Àlex Susanna

Tanto tiempo has tardado en aprender
que llegas tarde al gran amor:
Que nunca habrás vivido una edad de oro.
Las rosas de Ronsard
nunca serán perfume en tu mirada,
ningún otoño habrá de deshojar,
en los brazos de nadie, lentos pétalos.
Con el olvido tapas los espejos
igual que acostumbraban en las casas
donde había un difunto.
No vuelven las mujeres con las cuales
cambiabas años de tu soledad
por un fugaz momento de ternura.
Tan ardiente es la vida en el otoño,
que en las horas de angustia no podrás
amar ni a la mujer que ya has perdido.

Víctor Botas – “Collige, virgo, rosas”

Não faltam os que suponham que em sessenta
bilhões de anos estaremos de volta
ao mesmo estado de agora (ao que parece,
o Espaço se dilata para logo,
elástico, contrair-se e mais uma vez
dilatar-se), repetindo
tu, as profundidades desses olhos,
eu, este esperar a morte de tua
mão agonizante nas minhas, aqui
mesmo, precisamente neste lugar. Mas, caso
seja tudo uma farsa e nunca mais
a história se repita e, como eu
suspeito, o tempo voe – eheu fugaces
rumo a uma noite eterna, parece-me
que o melhor que faríamos seria
(hoje dou uma aula a Horácio)
agarrar esse instante que se vai
com unhas e dentes (fazes bem,
fazes bem em rir: isso é muito sério),
sem meta – nem astro – física que o valham.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO, com alterações na tradução: poema publicado na página originalmente em 29/08/2018

“Collige, virgo, rosas”

No falta quien supone que en sesenta
mil millones de años, volveremos
a estar igual que ahora (al parecer
el Espacio se estira para luego,
elástico, encogerse y nuevamente
otra vez dilatarse), repitiendo
tú, las profundidades de esos ojos,
yo, este esperar la muerte de tu mano
agónica en las mías, aquí mismo,
justo en ese lugar. Pero, por si
es todo una patraña y nunca más
se repite la historia y, como yo
sospecho, el tiempo vuela – eheu fugaces –
hacia una noche eterna, me parece
que lo mejor que haríamos sería
(hoy enseño el horacio cosa mala)
agarrar ese instante que se va
con uñas y con dientes (haces bien,
haces bien en reírte: esto es muy serio),
sin meta – ni astro – físicas que valgan.

Luis Alberto de Cuenca – “Collige, virgo, rosas”

Moça, colhe as rosas, não esperes a manhã.
Corta-as sem hesitar, sem comedimento,
sem parar para pensar se são boas ou más.
Que não reste nenhuma. Poda os roseirais
que encontrares pelo caminho e deixa os espinhos
para tuas colegas do colégio. Desfruta
da luz e do ouro enquanto podes e consagra
tua beleza a esse deus rechonchudo e melancólico
que passeia pelos jardins espalhando veneno.
Goza lábios e línguas, deleita-te
com quem permitir, e não consintas que o outono
te surpreenda com a pele seca e sem um homem
(pelo menos) devorando a essência de tua alma.
E que a negra morte roube o que viveste.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO, com alterações na tradução: poema publicado na página originalmente em 28/08/2018

“Collige, virgo, rosas”

Niña, arranca las rosas, no esperes a mañana.
Córtalas a destajo, desaforadamente,
sin pararte a pensar si son malas o buenas.
Que no quede ni una. Púlete los rosales
que encuentres a tu paso y deja las espinas
para tus compañeras de colegio. Disfruta
de la luz y del oro mientras puedas y rinde
tu belleza a ese dios rechoncho y melancólico
que va por los jardines instilando veneno.
Goza labios y lengua, machácate de gusto
con quien se deje y no permitas que el otoño
te pille con la piel reseca y sin un hombre
(por lo menos) comiéndote las hechuras del alma.
Y que la negra muerte te quite lo bailado.

Francisco Brines – “Collige, virgo, rosas”*

Já estás com quem desejas. Ri e goza. Ama.
E inflama-te na noite que agora se inicia,
e entre tantos amigos (e comigo)
abre os grandes olhos para a vida
com a avidez preciosa dos teus anos.
A noite, longa, extinguir-se-á com a aurora,
e virão esquadrões de espiões com a luz,
apagar-se-ão as estrelas, e também a lembrança,
e a alegria findará em nada.
Mas, mesmo que isso ocorra, inflama-te na noite,
pois por trás do esquecimento pode ser que ela renasça,
e a recuperarás pura, e aumentada em beleza,
se nela, por acaso, que será tua escolha,
selares a vida com o melhor que tiveste,
quando a noite humana se extinguir por completo,
e chegar esta outra luz, rancorosa e estranha,
que antes que a conheças, eu já terei conhecido.

N. do T.: “Collige, virgo, rosas” é uma citação em latim do poeta romano Virgílio, que significa “Colhe, donzela, as rosas”.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO, com alterações na tradução: poema publicado na página originalmente em 26/08/2018

“Collige, virgo, rosas”

Estás ya con quien quieres. Ríete y goza. Ama.
Y enciéndete en la noche que ahora empieza,
y entre tantos amigos (y conmigo)
abre los grandes ojos a la vida
con la avidez preciosa de tus años.
La noche, larga, ha de acabar al alba,
y vendrán escuadrones de espías con la luz,
se borrarán los astros, y también el recuerdo,
y la alegría acabará en su nada.
Mas, aunque así suceda, enciéndete en la noche,
pues detrás del olvido puede que ella renazca,
y la recobres pura, y aumentada en belleza,
si en ella, por azar, que ya será elección,
sellas la vida en lo mejor que tuvo,
cuando la noche humana se acabe ya del todo,
y venga esa otra luz, rencorosa y extraña,
que antes que tú conozcas, yo ya habré conocido.

Garcilaso de la Vega – Soneto XXIII

Enquanto que de rosa e de açucena
se mostra toda a cor neste teu rosto,
enquanto o teu olhar ardente, honesto,
acende o coração e o serena;

e enquanto o teu cabelo, que das franjas
do ouro se escolheu, com voo presto,
sobre o formoso colo branco, ereto,
o vento move, espalha e desarranja:

colhe de tua alegre primavera
o doce fruto, antes que o tempo airado
recubra de neve o formoso cume;

murchará a rosa o vento gelado.
Mudará tudo o tempo que não espera,
tão só por não mudares teu costume.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 25/08/2018

Soneto XXIII

En tanto que de rosa y azucena
se muestra la color en vuestro gesto,
y que vuestro mirar ardiente, honesto,
enciende al corazón y lo refrena;

y en tanto que el cabello, que en la vena
del oro se escogió, con vuelo presto,
por el hermoso cuello blanco, enhiesto,
el viento mueve, esparce y desordena:

coged de vuestra alegre primavera
el dulce fruto, antes que el tiempo airado
cubra de nieve la hermosa cumbre;

marchitará la rosa el viento helado.
Todo lo mudará la edad ligera
por no hacer mudanza en su costumbre.

Francisco Brines – Os Prazeres Inferiores

Não desdenhes as paixões vulgares
Tens os anos necessários para saber
que elas se correspondem exatamente com a vida.
Não reduzas sua ação,
pois se do breve tempo em que consistes
as retiras,
é ainda o existir mais imperfeito.
Descobre sua verdade por trás da aparência,
e assim não haverá falsidade,
não poderás fingir que foi razão de vida o que foi só passagem.
Mas elas evitaram-te o fiel tédio das horas.

Exigem lucidez, não em sua experiência,
mas em seu escasso ser;
dá-lhes seu exato valor,
para o que tens de saber o que a vida vale
e essa sabedoria há muito que é tua.
Se cometes um erro quando as medes,
hás-de fazê-lo atendendo à degradação.
Nunca melhores o que vale pouco.
E que não tenham nome, nem tempo demorado,
e fiquem confundidas em sua promiscuidade.
Sabes que tua memória é débil e te ajuda.
São todas uma só,
como é única a vida.
E as outras paixões que merecem um nome
e o abrigo de um tempo,
salva-as longe delas,
e sempre te recordem o que a vida não é.
E agradece tais erros à vida.

Trad.: José Bento

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 23/08/2018

Los Placeres Inferiores

No desdeñes las pasiones vulgares.
Tienes los años necesarios para saber
que ellas se corresponden exactamente con la vida.
No reduzcas su acción,
pues si del breve tiempo en que consistes
las sustraes,
es todavía el existir más deficiente.
Descubre su verdad tras la apariencia,
y así no habrá falsía,
y no podrás mentir que fue razón de vida lo que sólo fue tránsito.
Mas ellas te evitaron el fiel aburrimiento de las horas.
Exigen lucidez, no en su experiencia,
sino en su escaso ser;
valóralas exactas,
para lo cual has de saber lo que la vida vale,
y esa sabiduría hace tiempo que es tuya.
Si cometes error cuando las midas,
hazlo siempre en tendencia de la degradación.
Nunca mejores lo que vale poco.
Y que no tengan nombre, ni tiempo detenido,
y queden confundidas en su promiscuidad.
Sabes que tu memoria es débil, y te ayuda.
Todas son una sola,
como es una la vida.
Y las otras pasiones, que merecen un nombre
y el cobijo de un tiempo,
sálvalas lejos de ellas,
y siempre te recuerden lo que la vida no es.
Y agradece a la vida esos errores.

Nuno Júdice – Carpe Diem

Confias no incerto amanhã? Entregas
às sombras do acaso a resposta inadiável?
Aceitas que a diurna inquietação da alma
substitua o riso claro de um corpo
que te exige o prazer? Fogem-te, por entre os dedos,
os instantes; e nos lábios dessa que amaste
morre um fim de frase, deixando a dúvida
definitiva. Um nome inútil persegue a tua memória,
para que o roubes ao sono dos sentidos. Porém,
nenhum rosto lhe dá a forma que desejarias;
e abraças a própria figura do vazio. Então,
por que esperas para sair ao encontro da vida,
do sopro quente da primavera, das margens
visíveis do humano? “Não”, dizes, “nada me obrigará
à renúncia de mim próprio — nem esse olhar
que me oferece o leito profundo da sua imagem!”
Louco, ignora que o destino, por vezes,
se confunde com a brevidade do verso.

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 06/08/2018