Como este infante que alourado dorme
Fui. Hoje sei que há morte,
Lídia, há largas taças por encher
Nosso amor que nos tarda.
Qualquer que seja o amor ou a taça, cedo
Cessa. Receia, e apressa.

Como este infante que alourado dorme
Fui. Hoje sei que há morte,
Lídia, há largas taças por encher
Nosso amor que nos tarda.
Qualquer que seja o amor ou a taça, cedo
Cessa. Receia, e apressa.
Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem; outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.
Porque tão longe ir pôr o que está perto —
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.
Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
O dia, porque és ele.
Quando, Lídia, vier o nosso outono
Com o inverno que há nele, reservemos
Um pensamento, não para a futura
Primavera, que é de outrem,
Nem para o estio, de quem somos mortos,
Senão para o que fica do que passa –
O amarelo atual que as folhas vivem
E as torna diferentes.
A nada imploram tuas mãos já coisas,
Nem convencem teus lábios já parados,
No abafo subterrâneo
Da húmida imposta terra.
Só talvez o sorriso com que amavas
Te embalsama remota, e nas memórias
Te ergue qual eras, hoje
Cortiço apodrecido.
E o nome inútil que teu corpo morto
Usou, vivo, na terra, como uma alma,
Não lembra. A ode grava,
Anónimo, um sorriso.
Tão cedo passa tudo quanto passa!
Morre tão jovem ante os deuses quanto
Morre! Tudo é tão pouco!
Nada se sabe, tudo se imagina. Circunda-te de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada.
De uma só vez recolhe
Quantas flores puderes.
Não dura mais que até à morte o dia.
Colhe de que recordes.
A vida é pouco e cerca-a
A sombra e o sem remédio.
Não temos regras que compreendamos,
Súbditos sem governo.
Goza este dia como
Se a Vida fosse nele.
Homens nem deuses fadam, nem destinam
Senão o que ignoramos.
Não sem lei, mas segundo leis diversas
Entre os homens reparte o fado e os deuses
Sem justiça ou injustiça
Prazeres, dores, gozos e perigos.
Bem ou mal, não terás o que mereces.
Querem os deuses a isto obrigar
Porque o Fado não tem
Leis nossas com que reja a sua lei.
Quem é rei hoje, amanhã escravo cruza
Com o escravo de ontem que é depois rei.
Sem razão um caiu,
Sem causa nele o outro ascenderá.
Não em nós, mas dos deuses no capricho
E nas sombras p’ra além do seu domínio
Está o que somos, e temos,
A vida e a morte do que somos nós.
Se te apraz mereceres, que te apraza
Por mereceres, não porque te o Fado
Dê o prémio ou a paga
De com constância haveres merecido.
Dúbia é a vida, inconstante o que a governa.
O que esperamos nem sempre acontece
Nem nos falece sempre,
Nem há com que a alma uma ou outra cousa espere.
Torna teu coração digno dos deuses
E deixa a vida incerta ser quem seja.
O que te acontecer
Aceita. Os deuses nunca se rebelam.
Nas mãos inevitáveis do destino
A roda rápida soterra hoje
Quem ontem viu o céu
Do transitório auge do seu giro.
Mestre, são plácidas
Todas as horas
Que nós perdemos,
Se no perdê-las,
Qual numa jarra,
Nós pomos flores.
Não há tristezas
Nem alegrias
Na nossa vida.
Assim saibamos,
Sábios incautos,
Não a viver,
Mas decorrê-la,
Tranquilos, plácidos,
Tendo as crianças
Por nossas mestras,
E os olhos cheios
De natureza…
À beira-fio,
À beira-estrada,
Conforme calha,
Sempre no mesmo
Leve descanso
De estar vivendo.
O tempo passa,
Não nos diz nada.
Envelhecemos.
Saibamos, quase
Maliciosos,
Sentir-nos ir.
Não vale a pena
Fazer um gesto.
Não se resiste
Ao deus atroz
Que os próprios filhos
Devora sempre.
Colhamos flores.
Molhemos leves
As nossas mãos
Nos rios calmos,
Para aprendermos
Calma também.
Girassóis sempre
Fitando o sol,
Da vida iremos
Tranquilos, tendo
Nem o remorso
De ter vivido.
Olho os campos, Neera,
Campos, campos e sofro
Já o frio da sombra
Em que não terei olhos.
A caveira antessinto
Que serei não sentindo,
Ou só quanto o que ignoro
Me incógnito ministre.
E menos ao instante
Choro, que a mim futuro.
Súdito ausente e nulo
Do universal destino.