Fernando Assis Pacheco – Tentas, de longe

Tentas, de longe, dizer que estás aqui.
Com peso triste caminha na rua o Outono.
O meu coração debruça-se à janela
a ver pessoas e carros, e as folhas caindo.

Mastigo esta solidão
como quando era pequeno e jantava
diante dos pais zangados:
devagar, ausente.

Fernando Assis Pacheco – R., 1992

Quando os anos passarem
sobre esse teu desgosto
vais ver que te curaste
não de vez mas um pouco

pois o que a gente busca
nas dobras do amor
é a cura para a morte
que não tem consolo

e por falar em f’ridas
até as que mais doem
acabam por fechar
só ela vence o corpo

Fernando Assis Pacheco – Respiração Assistida

Eu vi a morte
de noite – névoa branca –
entre os frascos do soro
rondar a minha cama

era um trasgo
e como tal metera-se
pelas frinchas; noutra versão
coando-se através
dos nós da madeira
ou noutra ainda
imitando à perfeição
o gorgolejar da água
nos ralos: eu tremia
covardemente enquanto
ela raspava a parede
com unhas muito lentas

eu vi? ouvi a morte?
com toda a probabilidade
e por instantes era ela – luz negra –
tentando cegar-me