Quarenta e oito anos atrás —
Já se passaram mesmo quarenta e oito anos
Desde então?— eles forçaram a porta
Que ela havia barricado
Com o peso de uma escrivaninha inteira
Para que ninguém descobrisse, como eles descobriram,
o que ela havia bloqueado.
Ela havia bloqueado a porta
Para manter as crianças do lado de fora.
Em seu roupão vermelho,
Ela fizera anotações, ocupada a noite toda
Empurrando os móveis,
Pensando até ficar atordoada,
Antes de se deitar.
As crianças ficaram indo e vindo
No duro gramado invernal
O irmão mais velho e o mais novo,
Repetindo, um para o outro,
Seus lamentos – um fardo –
Na madrugada de dezembro,
Até entenderem o que aquilo queria dizer.
E eles sabiam tudo o que havia para saber.
Voltando do gramado para
O quarto em que ela se libertara,
Eles, que tinham sido seus tesouros,
Souberam desligar o gás,
Adotar as providências cabíveis,
Telefonar para a polícia.
Uma imagem do fluxo
Mantém-se na mente obstinada:
Uma espécie de flauta invertida.
O atiçador que ela segurava
Soprava nos buracos alinhados
Em sua boca até que, preenchida
Por sua música, ela emudeceu.
Sobre o poema:
“Gunn falou de modo revelador sobre ‘O atiçador a gás’ em entrevista ao crítico James Campbell, que lhe perguntou: ‘Seu novo livro, ‘Boss Cupid’, contém alguns novos poemas sobre sua mãe. É a primeira vez que escreve sobre ela?’ Gunn mencionou ‘My Mother’s Pride’ e continuou: ‘O segundo poema sobre minha mãe se chama ‘O atiçador a gás’. Ela se matou, e meu irmão e eu encontramos o corpo, o que não foi culpa dela porque ela até trancou as portas… Obviamente, esta foi uma experiência bastante traumática; o seria na vida de qualquer pessoa. Eu não fui capaz de escrever sobre isso até poucos anos atrás. Por fim, descobri que a maneira de fazer isso era realmente óbvia: remover a primeira pessoa e escrever sobre isso na terceira pessoa. Aí ficou fácil, porque não era mais sobre mim. Não gosto de dramatizar a mim mesmo.” – in HIRSCH, Edward: 100 Poems to Break Your Heart, Boston-New York, Houghton Mifflin Harcourt, 2021, p. 291
Trad.: Nelson Santander
The Gas-Poker
Forty-eight years ago—
Can it be forty-eight
Since then?—they forced the door
Which she had barricaded
With a full bureau’s weight
Lest anyone find, as they did,
What she had blocked it for.
She had blocked the doorway so,
To keep the children out.
In her red dressing-gown
She wrote notes, all night busy
Pushing the things about,
Thinking till she was dizzy,
Before she had lain down.
The children went to and fro
On the harsh winter lawn
Repeating their lament,
A burden, to each other
In the December dawn,
Elder and younger brother,
Till they knew what it meant.
Knew all there was to know.
Coming back off the grass
To the room of her release,
They who had been her treasures
Knew to turn off the gas,
Take the appropriate measures,
Telephone the police.
One image from the flow
Sticks in the stubborn mind:
A sort of backwards flute.
The poker that she held up
Breathed from the holes aligned
Into her mouth till, filled up
By its music, she was mute.