Vievee Francis – Estive pensando de novo no amor

Estive pensando de novo no amor

Naqueles que vivem para recebê-lo e
nos que vivem para dá-lo.

Claro que existem aqueles para quem ambos são aplicáveis,
mas nunca na mesma medida.

Aqueles que o têm para dar são
como cardeais na neve. Tão fáceis
e lindamente iluminados. Alguns
são como coelhos. Difíceis de ver
exceto para aqueles que os caçariam:
toda aquela suavidade e tremor e sangue.

Aqueles que o querem
não podem ser saciados. Com olhos de águia e essas garras,
qualquer criatura peluda serve. É tão fácil
arrancar um coração quando ele está pulsando tão forte.

Eu vagueio durante o inverno.
Eu sei o que sou.

Trad.: Nelson Santander

N. do T.: Na mesma chave – mas com outro olhar – leia também a tradução que fiz de The More Loving One (Aquele que Ama Mais), de W. H. Auden.

I’ve Been Thinking about Love Again

Those who live to have it and
those who live to give it.

Of course there are those for whom both are true,
but never in the same measure.

Those who have it to give are
like cardinals in the snow. So easy
and beautifully lit. Some
are rabbits. Hard to see
except for those who would prey upon them:
all that softness and quaking and blood.

Those who want it
cannot be satisfied. Eagle-eyed and such talons,
any furred thing will do. So easy
to rip out a heart when it is throbbing so hard.

I wander out into the winter.
I know what I am.

Raymond Carver – Chuva

Despertei esta manhã com a urgência
terrível de permanecer na cama o dia inteiro
e ler. Lutei contra isso por um minuto.

Depois olhei a chuva pela janela.
e me rendi. Coloquei-me inteiramente
nas mãos dessa manhã chuvosa.

Viveria minha vida novamente?
Cometeria os mesmos erros imperdoáveis?
Sim, se tivesse a mínima chance. Sim.

Trad.: José Antônio Cavalcanti

Rain

Woke up this morning with
a terrific urge to lie in bed all day
and read. Fought against it for a minute.

Then looked out the window at the rain.
And gave over. Put myself entirely
in the keep of this rainy morning.

Would I live my life over again?
Make the same unforgiveable mistakes?
Yes, given half a chance. Yes.

Vicente Gaos – Testamento

Eu, Vicente Gaos, natural de lugar nenhum, mil séculos de idade, estado civil
solitário, instável
domiciliado/refugiado em um canto do cosmos,
profissão náufrago na sombra,
sem carteira de identidade, sem títulos, condecorações ou diplomas de qualquer tipo,
sem nenhuma marca particular visível no peito ou em qualquer outra parte do corpo,
sem mais cicatriz além de uma necrose miocárdica,
uma velha ferida auto-infligida,
quero dizer, causada por séculos de sofrimento,
de amor escondido, de ternura encoberta por um falso orgulho,
o de não sentir inveja de nada e de ninguém,
o de ter acreditado que sempre havia tempo de sobra,
o de me alegrar verdadeiramente com a felicidade alheia,
o de não nunca sentir pena de mim mesmo,
o de chorar por dentro o dano causado ao próximo,
o orgulho ou a confusão de ter-me sentido vítima, sendo o carrasco,
já que todos os homens somos simultaneamente ambas as coisas,
e não é fácil o discernimento neste momento…

Eu, Vicente Gaos (Vicente Gaos?), agora,
quando começo a sentir na boca o gosto amargo das cinzas
derradeiras, quando recordo dos últimos dias em meio à tormenta final,
porque eu pequei e pequei,
e apesar disso, nada me devolve à inocência infantil,
à proteção filial, à remota fé sincera de não sei que outrora,
de não sei que antesséculo…

Eu, natural do nada,
habitante do nada,
destinado a nada, anônimo,
me aproximo do Notário Supremo,
do Decano universal – nihil prius fide
e entrego-lhe esse testamento escrito à mão
no qual disponho
– se acaso não é certo que quem dispõe é Ele e o homem apenas propõe –
disponho, suplico,
que quando meu velho coração, meu ferido coração der sua última batida,
piedosamente incinerem esta carne que gozou e sofreu,
esses ossos que já estremeceram ora de alegria, ora de horror,
que me despojem de tudo, aliás de nada, pois sempre fui um despojado
(é verdade, não sinto pena de mim mesmo),
e que joguem minhas cinzas ao vento, à água, ao espaço sideral, ao vazio cósmico de onde vim, ao cósmico vazio a que hei de voltar, espero que sem retorno,
pois que ninguém retorna da última margem.

E perto já da maior consolação, da extrema esperança,
confio que Ninguém mais me ameace com outra existência.

E este é o testamento ilusório que outorgo em plena posse de minhas faculdades mentais,
posse de quem só possui dor, ignorância, morte,
e um coração cujo único desejo é o de que cesse já sua pulsação trêmula, suas batidas amorosas,
embora (porque) a vida seja, afinal, e no início, bela, ela é,
e continue renovada, sempre igual, felizmente monótona,
como no primeiro paraíso,
como no éden fúnebre que nunca termina, que nunca terminará,
nunca.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO (com alterações na tradução): poema publicado no blog originalmente em 11/03/2018

Vicente Gaos – Testamento

Yo, Vicente Gaos, natural de la nada, de mil siglos de edad, de estado civil
solitario, inestable,
domiciliado, refugiado en un rincón del cosmos,
de profesión náufrago en la sombra,
sin documento nacional de identidad, sin títulos, condecoraciones ni diplomas de clase alguna,
sin señal particular visible en el pecho ni en ninguna otra parte del cuerpo,
sin más cicatriz que una necrosis de miocardio,
una vieja herida que me produje yo mismo,
quiero decir, que me causaron siglos de sufrimiento,
de amor oculto, de ternura encubierta por un falso orgullo,
el de no sentir envidia de nada y de nadie,
el de haber creído que siempre había tiempo de sobra,
el de alegrarme seriamente del bien ajeno,
el de no autocompadecerme jamás,
el de llorar hacia dentro por el daño hecho al prójimo,
el orgullo o la confusión de haberme figurado que era yo la víctima, siendo el verdugo,
ya que todos los hombres somos simultáneamente lo uno y lo otro,
y no es fácil en este punto el discernimiento…

Yo, Vicente Gaos (¿Vicente Gaos?), ahora,
cuando empiezo a sentir ya en la boca el amargo gusto de la ceniza
postrera, cuando recuerdo en medio de la tormenta final las postrimerías,
porque he pecado, he pecado,
y a pesar de ello ninguna de las cuatro me devuelve a la inocencia pueril,
al amparo filial, a la remota fe cándida de no sé qué antaño,
de no sé qué antesiglo…

Yo, natural de la nada,
habitante de la nada,
destinado a la nada, anónimo,
me acerco ya al encuentro del supremo Notario,
del Decano universal – nihil prius fide –
y le hago entrega de este testamento ológrafo
donde dispongo
– si acaso no es cierto que quien dispone es Él y el hombre sólo propone –
dispongo, suplico,
que cuando mi añoso corazón, mi lastimado corazón haya dado ya su último latido,
incineren piadosamente esta carne que gozó y sufrió,
estos huesos que se estremecieron ya de júbilo, ya de horror,
que me despojen de todo, de nada, pues siempre fui un despojado
(es la verdad, no me autocompadezco),
y que arrojen mis cenizas al viento, al agua, al espacio estelar, al vacío cósmico de donde vine, al cósmico vacío al que he de volver, espero volver sin retorno,
pues nadie regresa de la última orilla.

Y cerca ya del máximo consuelo, de la extrema esperanza,
confío en que Nadie me amenace más con otra existencia.

Y este es el testamento ilusorio que otorgo en plena posesión de mis facultades mentales,
posesión de quien sólo posee dolor, ignorancia, muerte,
y un corazón cuyo único deseo es el de cesar ya en su trémulo palpito, en su amoroso latido,
aunque (porque) la vida sea al fin y al cabo, y al principio, hermosa, lo es,
y prosiga renovada, siempre igual, afortunadamente monótona,
como en el paraíso primero,
como en el edén funeral que nunca termina, que jamás terminará,
jamás.

George Bilgere – Tudo bem

Eu me sento aqui na calçada da cafeteria,
emitindo a amarela fumaça doentia da senescência
enquanto as pessoas passam fingindo
não notar, olhando para longe
ou para os seus telefones,
fazendo o melhor por comoção ou cortesia
para me ignorar sentado aqui envelhecendo,
e eu não os culpo, é mesmo difícil de assistir.

E agora a garçonete em sua beleza abrasadora,
em sua feminilidade incandescente e brilhante,
caminha até mim em uma radiante nuvem de juventude
e pergunta se quero outro latte macchiato gelado.

Mas estou envelhecendo tão rápido, estou correndo tão rapidamente
através do tempo que mal posso ouvi-la, e ademais
sei que o que realmente ela quer dizer é:
seu envelhecimento é meio nojento, é meio que brochante,
talvez você possa fazer isso em outro lugar
onde não assuste os clientes, e além disso,
não há nada que eu possa fazer a respeito.

E enquanto eu me sento aqui com minha pele descamando
e amassando como papel higiênico
e meu cabelo caindo sobre a mesa
e meus dentes apodrecendo e meus ossos
tornando-se frágeis como vidro e todos os meus órgãos se afogando
no lodo da idade, eu murmuro para ela
enquanto ela flutua no oásis fresco e cremoso
de sua luminosa juventude, eu consigo murmurar, sim,
outro latte macchiato gelado seria ótimo.

E do outro lado do universo,
da bela abundante abrasadora galáxia
do final da adolescência, ela responde para a acelerada podridão,
talvez começando a cheirar mal, prestes a ser
coberta de moscas, a velha carcaça coriácea em que estou me transformando:
Tudo bem

Exceto que, na verdade, não está
tudo bem.

Trad.: Nelson Santander

No Problem

I sit here aging at the streetside café,
giving off the sickly yellow smoke of decay
while people walk by pretending
not to notice, glancing away
into the distance or down at their phones,
doing their best out of politeness or shock
to ignore me sitting here aging,
and I don’t blame them, it’s hard to watch.

And now the waitress in her burning beauty,
her lustrous incandescent womanhood,
walks up to me in a radiant cloud of youth
and asks if I want another iced latte macchiato.

But I’m aging so fast, I’m racing so quickly
through time I can barely hear her, and furthermore
I know what she really wants to say is,
your aging is kind of gross, kind of a turn off,
maybe you could go do it somewhere else
where it doesn’t frighten the customers, and besides,
it’s not like there’s anything I can do about it.

And as I sit here with my skin peeling off
and crumpling up like toilet paper
and my hair falling out on the table
and my teeth rotting and my bones
turning to glass and all my organs drowning
in the sludge of age, I croak to her
as she floats in the cool creamy oasis
of her youthful lustrousness, I do manage to croak, yeah,
another iced latte macchiato would be great.

And from the far side of the universe,
from the beautiful bountiful burning galaxy
of her late teens she says to the fast-decaying,
maybe starting to smell bad, just about to be
covered with flies old leathery carcass I’m becoming,
No problem.

Except that there is, actually,
a problem.

Ernesto Pérez Vallejo – Perdão, falava em voz alta

Queres mesmo que eu seja sincero?

Se não esperas nada de ninguém
Nunca poderão desapontá-la.
A esperança é aquele relógio
que sempre marca a hora errada.

Se não escolheres o caminho errado algumas vezes
como diabos saberás qual deles era o certo?

Nos momentos felizes, não sabemos ao certo se estamos tristes.
Mas, quando tristes, todos sabemos quando estávamos felizes.

E o amor, bem, como fazer-te entender
que não é mais do que a desculpa de amar
a si próprio através de outra pessoa
sem parecer egocêntrico?

É mais fácil mirar-te nos olhos de outrem,
o espelho nunca disse uma mentira.

E, a propósito, sejamos realistas,
Ninguém morreu por ninguém ainda.
O amor não mata, embora sempre morra.
Porque ele morre,
mesmo que agora teus olhos estejam brilhando
e sintas cócegas no estômago
e vejas rinocerontes azuis se te apraz
e digas frases eternas
que soam como um eco no ouvido alheio,
um dia, sem saberes como,
o um mais um torna-se dois
e dois é sempre muito.
E três é o próximo número.

A amizade, bem, se tiveres sorte,
Ninguém irá desapontá-lo de todo.
Há também pessoas que ganham na loteria de vez em quando.
Normalmente, teus melhores amigos, se pudessem,
Transariam com tua namorada.
E tua namorada faria o mesmo com eles.
Às vezes a vida se reduz a uma simples xoxota.

A verdade, dizes?
Fidelidade é o poder absoluto
de seres infiel a ti mesmo.

A ignorância faz o sorriso.
Sorriso é o que causa inveja.
Inveja que gera ódio.

Se tens medo da solidão
é porque nem mesmo tu
és capaz de suportar-te.

Jamais conseguirás esquecer aquilo de que precisas te livrar.
No entanto, um dia precisarás te lembrar de certas coisas
e só encontrarás o esquecimento.
É mais fácil lembrar quando dói.

E todos aqueles momentos que parecem para sempre,
têm um limite,
todas as promessas, um prazo de validade,
todas as pessoas, um rótulo com seu preço.

(Eu só valho alguns beijos)

E digas agora tudo o que tens a dizer
porque amanhã é sempre muito tarde,
na verdade, às vezes nem mesmo há um amanhã.
E não há nada mais foda do que o silêncio
quando uma única palavra seria suficiente
para foder os planos da morte.

A realidade é que existe apenas uma coisa sincera
que é impossível de camuflar mesmo com teu melhor esgar:
o desejo.
E agora desejo que esqueças tudo isso que escrevi
e venhas dormir comigo.

Ou ainda queres que eu continue sendo sincero?

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO (com alterações na tradução): poema publicado no blog originalmente em 10/03/2018

Ernesto Pérez Vallejo – Perdona, Hablaba en Voz Alta

En serio te apetece que sea sincero?

Si no esperas nada de nadie
nunca podrán defraudarte.
La esperanza es ese reloj
que siempre marca la hora inexacta.

¿Si no escoges el camino equivocado alguna vez
como coño vas a saber cual era el correcto?

Dentro de la felicidad uno no sabe con certeza si está triste.
Pero dentro de la tristeza todos sabemos cuando éramos felices.

Y el amor, bueno, como decirte para que lo entiendas,
que no es más que la excusa de quererse
a través de otra persona
y que así no parezca egocentrismo.

Es más fácil si te miras a sus ojos,
el espejo nunca dijo una mentira.

Y seamos realistas ya de paso,
nadie se ha muerto por nadie todavía.
El amor no mata aunque siempre muera.
Porque muere,
aunque ahora te estén brillando los ojos
y tengas cosquillas dentro del estómago
y veas rinocerontes azules si te place
o digas frases eternas
que suenen como eco en el oído ajeno,
un día sin saber como
el uno más uno se hace dos
y dos es siempre demasiado.
Y tres es el número siguiente.

La amistad bueno, si tienes suerte
nadie te defraudará del todo.
También hay gente a la que le toca de vez en cuando la lotería.
Por lo general tus mejores amigos si pudieran
se follarían a tu novia.
Y tú novia a tus mejores amigos.
A veces la vida se reduce a un simple coño.

¿La verdad dices?
La fidelidad es el poder absoluto
de serte infiel a ti mismo.

La ignorancia hace la sonrisa.
La sonrisa es la que consigue la envidia.
La envidia la que crea el odio.

Si le temes a la soledad
es porque ni siquiera tú
eres capaz de soportarte.

No conseguirás jamás olvidar aquello que necesitas quitarte de encima.
Sin embargo un día necessitarás recordar ciertas cosas
y solo hallarás el olvido.
Es más fácil hacer memoria si te duele.

Y todas esas veces que parecen para siempre,
tienen un límite,
todas las promesas una fecha de caducidad,
todas las personas una etiqueta con su precio.

(Yo alguna vez solo he valido un par de besos)

Y di ahora todo aquello que tienes que decir
porque mañana siempre es tarde,
de hecho a veces ni siquiera hay un mañana.
Y no hay nada más jodido que el silencio
cuando una sola palabra bastaría
para joderle los planes a la muerte.

La realidad es que solo hay una cosa sincera del todo
imposible de camuflar ni con tu mejor mueca
y es el deseo.
Y ahora deseo que olvides todo esto que he escrito
y te vengas a dormir conmigo.

¿ O todavía quieres que siga siendo sincero?

Elizabeth Jennings – Uma só carne

Cada qual em sua cama, deitados separados agora,
Ele com um livro, uma luz acesa até hora incerta,
Ela, como uma menina, sonhando com sua aurora,
Todos os homens em outros lugares – é como se certa
Nova ocorrência esperassem: o livro que ele detém
Mas não lê, os olhos dela pregados nas sombras além.

Lançados acima como destroços de antiga paixão,
Como são bons em mentir. Quase nunca se tocam, os dois,
Ou se o fazem, é como se fosse uma confissão
De terem poucos sentimentos – ou sentimentos demais.
A castidade os confronta, um destino para o qual
A vida inteira deles dois foi uma preparação.

Estranhamente separados, mas inexplicavelmente
Ligados, o silêncio entre eles é como um fio que
Prende mas não enreda. E o tempo, uma pena levemente
Tocando-os. Será que eles têm a consciência de
Que estão velhos, ambos, meu pai e minha progenitora,
E que o fogo do qual eu procedi arrefeceu agora?

Trad.: Nelson Santander

One Flesh

Lying apart now, each in a separate bed,
He with a book, keeping the light on late,
She like a girl dreaming of childhood,
All men elsewhere – it is as if they wait
Some new event: the book he holds unread,
Her eyes fixed on the shadows overhead.

Tossed up like flotsam from a former passion,
How cool they lie. They hardly ever touch,
Or if they do, it is like a confession
Of having little feeling – or too much.
Chastity faces them, a destination
For which their whole lives were a preparation.

Strangely apart, yet strangely close together,
Silence between them like a thread to hold
And not wind in. And time itself’s a feather
Touching them gently. Do they know they’re old,
These two who are my father and my mother
Whose fire from which I came, has now grown cold?

Javier Salvago – Fim de Festa

Enfim sós, vida. A festa acabou
e não resta ninguém para nos obrigar
a sorrir, ou a inventar desagradáveis
mentiras inofensivas. Todos se foram.

Despe-te sem medo. Conheço
as velhas rugas de tua triste carne.
Acariciei-as. Sei o que teu rosto
oculta por baixo da maquiagem.

Enfim sós, vida. A casa em silêncio
e tu e eu nus, calados e ausentes,
– juntos pela rotina, mais que pelo desejo –
como dois amantes cansados de se ver.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO (com alterações na tradução): poema publicado no blog originalmente em 09/03/2018

Javier Salvago – Fin de Fiesta

Al fin solos, vida. Terminó la fiesta
y no queda nadie que pueda obligarnos
a forzar sonrisas, ni a inventar molestas
mentiras piadosas. Todos se han marchado.

Vete desnudando sin miedo. Conozco
las viejas arrugas de tu triste carne.
Las he acariciado. Sé lo que tu rostro
oculta debajo de ese maquillaje.

Al fin solos, vida. La casa en silencio
y tú y yo desnudos, callados y ausentes
— juntos por rutina, más que por deseo —
como dos amantes cansados de verse.

James Crews – Kintsugi

Qualquer um que ama outra pessoa
já tem o coração partido.
É a lei: se quer que aquela luz
inunde seu corpo, você deve
expor as cicatrizes através das quais
ela jorra, pois elas são a fonte
de sua beleza e de sua força.
Pense nos japoneses que preenchem
as fissuras de uma vasilha de cerâmica
com ouro puro, não apenas exibindo
estas chamadas falhas, mas também
tornando cada uma delas uma veia inestimável
pelo qual a luz agora flui.

Trad.: Nelson Santander

N. do. T.: Kintsugi é uma técnica artesanal japonesa centenária utilizada para reparar cerâmicas quebradas. Essa técnica consiste em unir os cacos da cerâmica com um verniz misturado com ouro, que destaca as cicatrizes e torna-as visíveis. Embora a forma original da peça seja restaurada, as cicatrizes douradas evocam a passagem do tempo, a mutabilidade da identidade e a valorização da imperfeição. Essa técnica deixa uma mensagem importante: em vez de esconder as cicatrizes, devemos mostrá-las e torná-las uma parte valiosa e estética da história da peça.

Kintsugi

Anyone who loves someone else
already has a broken heart.
It’s the law: If you want that light
to flood your body, you must
expose the scars through which
it pours, for they are the source
of your beauty and your strength.
Think of the Japanese who fill
the cracks in a ceramic bowl
with pure gold, not only flaunting
those so-called flaws, but also
making each one a priceless vein
through which light now moves.

Luis Alberto de Cuenca – Insônia

A vida é muito curta.
Não há tempo para fazer nada. Não há meios
de reunir dias suficientes
para aprender alguma coisa. Tu te levantas,
abraças tua namorada, tomas teu café da manhã,
trabalhas, comes, dormes, vais ao cinema,
e sequer tens um momento
para ler Sêneca e acreditar
que tudo neste mundo tem conserto.
A vida é um instante. Não entendo
por que esta noite nunca termina.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO (com ligeiras alterações na tradução): poema publicado no blog originalmente em 07/03/2018

Luis Alberto de Cuenca – Insomnia

La vida dura demasiado poco.
No da tiempo a hacer nada. No hay manera
de reunir los suficientes días
para enterarte de algo. Te levantas,
abrazas a tu novia, desayunas,
trabajas, comes, duermes, vas al cine,
y ni siquiera tienes un momento
para leer a Séneca y creerte
que todo tiene arreglo en este mundo.
La vida es un instante. No me explico
por qué esta noche no se acaba nunca.