Adelaide Ivánova – sobre uma foto no huffington post, em 01 de novembro de 2015

de que adianta esse pôster de madonna na
parede da cozinha indicando de qual lado
estou se na papua nova guiné continuam
linchando mulheres a quem chamam de bruxa
a papua pode até ser guiné mas nisso não
tem nada de nova e se for para queimar uma
mulher por bruxaria que queimem logo todas

de que adianta beyoncé avisando que vai sentar
o rabo na cara do boy e de que adianta eu me
inspirar nisso para fazer igual ou parecido se na
papua nova guiné sentam senhoras em telhas de
brasilit e com elas amordaçadas abrem nacos de
carne e sangue que na foto escorria pelas rugas da
telha pelas rugas das costas da mulher essa mulher
de cabelo curto e preto de costas na foto parecia a
minha mãe eu perdi o controle não consegui mais
almoçar e sei que não vou conseguir dormir mas

de que adianta minha insônia e meu jejum e esse
poema se na papua nova guiné não iriam entendê-lo
e mesmo a compreensão dele não salvaria a vida da
mulher e mesmo no brasil onde se pode entendê-lo já
se sabe que poemas tal qual leis não mudam nada tudo
sobre isso já foi legislado e dito em todas as línguas
também em português mas meu deus

de que adiantaria meu silêncio?
de quem estaria meu silêncio a serviço?

Adelaide Ivánova – os anos noventa

você não estava lá nas coisas mais decisivas da minha vida
mas é assim mesmo: historiadores e arqueólogos
nunca estiveram presentes pra testemunhar
os levantes coletivos isso fazem os jornalistas e os

videntes você era apenas um menino quando
kurt cobain morreu nem poderia ainda saber o dano
que causaria sua existência de crisálida taurino e
primaveril quando meu destino cruzasse com o seu

e andaríamos de mãos dadas e suando verão afora
como se fosse o primeiro (e era) berlim não era
tão esplendorosa quanto seus cachos jakob mas você
nunca soube o que foi ter 16 anos em recife na década

de noventa FHC presidente desemprego torneiras secas
filariose cólera sem vale do rio doce mas tinha chico science
abril pro rock o pior é agora não tem berlim não tem recife
não tem chico science não tem kurt cobain nem você mas FHC
ainda tem

Adelaide Ivánova – um poema pra italo

a vida tem estado mesmo dura
vou poupar-te da ladainha sobre temer
AfD
#voltadilma
e o caralho
não ganhamos dos bancos
em caruaru ou karlsruhe
meu dinheiro e endereço: bloqueados
a moça do balcão cagou pra mim
ser cidadão não significa merda nenhuma
mas é privilégio nessa europa genocida
(e quando é que ela não foi?)
ser branco nunca deixou de ser
no entanto
dão-me tapinhas nas costas
pelo meu alemão impecável
meu alemão não é impecável
mas como em relação às minhas
capacidades já que sou latina
são extremamente
baixas as expectativas
qualquer coisa que eu não faça muito mal
(pros seus parâmetros)
os surpreende
mal sabem eles que o último projeto
(meu e de outras mulheres)
é escavar com uma colherinha estes alicerces
até que despenque sobre as nossas cabeças
mas sobre as deles também
esta europa de humanistas autodeclarados
morreremos todos
está claro
mas ninguém vai pro céu
(aprendi contigo)
e eu acho é pouco

Adelaide Ivánova – o elefante

quando johanna morreu tinha um ano
e oito meses foi encontrada na piscina
apertava um elefante na mão que sua mãe
até hoje aperta muito embora o alzheimer
lhe impeça de lembrar por que ela a mãe
pulou na piscina ao ver johanna
à deriva no ventinho do norte da renânia
boiando na piscina que o pai de johanna
esqueceu de cobrir enquanto jogava
tênis com outros amigos talvez tão ou mais
ricos do que eles a mãe de johanna que hoje
já não se lembra de muita coisa como falei
por causa do alzheimer lembrou no entanto
de guardar o elefante só esqueceu
de tirar o vestido molhado dizem que passou
dias assim “parecia uma estátua grega” disseram
o que ninguém viu era que apertava também o
elefantinho em 1958 quando eu morri 50 anos
depois tinha vinte e cinco anos e seis meses e apertava
o primeiro verso de um poema de sylvia plath e resistia
bravamente de olhos fechados enquanto caía morto
o mundo inteiro embora soubesse que o resto do
poema é uma declaração de amor completamente idiota
como são todas as declarações de amor heterossexual
e como tantas coisas que plath escreveu recitava
o poema enquanto me afogava me perdoe plath me perdoe
campilho o mundo é um horror o elefante é de pelúcia
e ossinhos não são de mel
são apenas cálcio
nada mais.

Adelaide Ivánova – pro meu amante, quando atinge a maioridade

      pra Ewout

meu bem, o meu lugar é onde você quer que ele seja
      belchior

saiba que você chegou no dia
que belchior morreu e que eu
dei pausa no ‘coração selvagem’
pra te ouvir falar – e deus
você fala mais do que o homem
da cobra – e que isso se chama
amor, de certo modo

você saía de dentro da sua mãe
enquanto eu cheirava loló
e ouvia chico science nas ruas
de uma cidade latinoamericana
da qual você nunca ouviria falar
até me conhecer, 20 anos depois

que bom que você está aqui
e posso testemunhar esse ano
a mais nos seus ossos
que parecem continuar crescendo,
como sua crina, o mato que
eu mais amo, e que bom que sou
eu quem vai cortá-lo, porque
você me deu a honra

é seu aniversário de 21 anos
eu te olho abismada
não fico exatamente feliz
e você deve sentir
pena de mim também
talvez

mas não é isso que une todos
os amantes, a tristeza?