Hayden Carruth – Ensaio

Tantos poemas sobre mortes de animais.
O sapo de Wilbur, o ouriço de Kinnell, o esquilo de Eberhart,
e aquele poema de alguém – Hecht? Merrill? –
sobre cremar uma marmota. Mas sobretudo
eu me lembro do número ultrajante deles,
como se todo poeta, inclusive eu, tivesse escrito ao menos
uma elegia animal; como resultado, hoje,
quando cheguei a um poema suficientemente bom de Edwin Brock
sobre encontrar uma raposa morta na beira do mar
eu fiquei sem resposta; como se o choque permanente
houvesse me anestesiado. E então, depois de um momento,
comecei a ceder à tristeza (analisando-me sem
emoção enquanto isso), não apenas porque
parte do meu ser havia sido violada e anulada,
mas pelo fato de todos estes muitos poemas ao longo dos anos
terem sido necessários – apropriados e corretos. Esta
tem sido a era de acabar com os animais.
Eles estão partindo – seus pelos e seus olhos selvagens,
suas vozes. Cervos saltam e saltam na frente
de estridentes snowmobiles até saltarem para
fora da existência. Falcões circulam uma ou duas vezes
acima de seus ninhos destruídos e depois sobem
até as estrelas. Eu tenho vivido com eles por cinquenta anos,
nós temos vivido com eles por cinquenta milhões de anos,
e agora eles estão indo, quase se foram. Não sei
se os animais são capazes de reprovação.
Mas claramente eles não se dão ao trabalho de se despedir.

Trad.: Nelson Santander

Essay

So many poems about the deaths of animals.
Wilbur’s toad, Kinnell’s porcupine, Eberhart’s squirrel,
and that poem by someone – Hecht? Merrill? –
about cremating a woodchuck. But mostly
I remember the outrageous number of them,
as if every poet, I too, had written at least
one animal elegy; with the result that today
when I came to a good enough poem by Edwin Brock
about finding a dead fox at the edge of the sea
I could not respond; as if permanent shock
had deadened me. And then after a moment
I began to give way to sorrow (watching myself
sorrowlessly the while), not merely because
part of my being had been violated and annulled,
but because all these many poems over the years
have been necessary – suitable and correct. This
has been the time of the finishing off of the animals.
They are going away – their fur and their wild eyes,
their voices. Deer leap and leap in front
of the screaming snowmobiles until they leap
out of existence. Hawks circle once or twice
above their shattered nests and then they climb
to the stars. I have lived with them fifty years,
we have lived with them fifty million years,
and now they are going, almost gone. I don’t know
if the animals are capable of reproach.
But clearly they do not bother to say good-bye.

W. S. Merwin – Para o aniversário da minha morte

Todo ano, sem perceber, passo pelo dia
Em que as últimas chamas acenarão para mim
E o silêncio colocar-se-á a caminho
Infatigável viajante
Como os feixes de uma estrela sem luz

Então, não me encontrarei
Na vida como em um estranho traje
Surpreso com a terra
E o amor de uma mulher
E a desfaçatez dos homens
Como hoje escrevendo após três dias de chuva
Ouvindo a curruíra cantar e o cessar da precipitação
E reverenciando sem saber a quê

Trad.: Nelson Santander

For the Anniversary of My Death

Every year without knowing it I have passed the day
When the last fires will wave to me
And the silence will set out
Tireless traveler
Like the beam of a lightless star

Then I will no longer
Find myself in life as in a strange garment
Surprised at the earth
And the love of one woman
And the shamelessness of men
As today writing after three days of rain
Hearing the wren sing and the falling cease
And bowing not knowing to what

Gwen Harwood – No parque

Ela se senta no parque. São antiquados os seus trajes.
Duas crianças choram e brigam, puxam-lhe o babado.
Uma outra traça padrões ao acaso no gramado
Alguém que há muito tempo ela amou passa – tarde

demais para fingir desdém ao aceno casual.
“Que prazer” blá blá blá. “O tempo sempre nos surpreende.”
Da cabeça perfeita dele claramente ascende
um pequeno balão…”por pouco fui eu que me dei mal…”

Eles ficam sob a luz bruxuleante, exercitando
os nomes e aniversários das crianças. “É tão
bom ouvir suas conversas, vê-los crescer, vicejar”,
diz ela ao sorriso de adeus dele. Depois, aleitando
a caçula, senta-se e os pés dela seus olhos fitam.
“Elas estão me comendo viva”, diz ela ao ar.

Trad.: Nelson Santander

In the park

She sits in the park. Her clothes are out of date.
Two children whine and bicker, tug her skirt.
A third draws aimless patterns in the dirt
Someone she loved once passed by – too late

to feign indifference to that casual nod.
“How nice” et cetera. “Time holds great surprises.”
From his neat head unquestionably rises
a small balloon…”but for the grace of God…”

They stand a while in flickering light, rehearsing
the children’s names and birthdays. “It’s so sweet
to hear their chatter, watch them grow and thrive, ”
she says to his departing smile. Then, nursing
the youngest child, sits staring at her feet.
To the wind she says, “They have eaten me alive.”

Mary Oliver – Não hesite

Se você, súbita e inesperadamente, sentir alegria,
não hesite. Entregue-se a ela. Há muitas
vidas e cidades inteiras destruídas ou prestes a serem.
Não somos sábios e raramente somos amáveis.
E muito nunca poderá ser redimido.
Ainda assim, a vida ainda tem alguma possibilidade.
Talvez essa seja sua forma de resistir, de mostrar que às vezes
algo melhor do que todas as riquezas ou poderes
do mundo pode acontecer. Pode ser qualquer coisa,
mas é provável que você o perceba no instante
em que o amor começa. De toda forma, frequentemente
é este o caso. De toda forma, seja como for, não tema
a fartura. A alegria não foi feita para ser migalha.

Trad.: Nelson Santander

Don’t Hesitate

If you suddenly and unexpectedly feel joy,
don’t hesitate. Give in to it. There are plenty
of lives and whole towns destroyed or about
to be. We are not wise, and not very often
kind. And much can never be redeemed.
Still, life has some possibility left. Perhaps this
is its way of fighting back, that sometimes
something happens better than all the riches
or power in the world. It could be anything,
but very likely you notice it in the instant
when love begins. Anyway, that’s often the
case. Anyway, whatever it is, don’t be afraid
of its plenty. Joy is not made to be a crumb.

Joan Margarit – Não estava distante, não era difícil

Chegou um tempo
em que a vida que se perde já não causa dor,
em que a luxúria é apenas
uma lâmpada inútil, e a inveja é esquecida.
É um tempo de perdas prudentes, necessárias,
e não é um tempo de chegar
mas de partir. O amor, agora,
por fim se une à inteligência.
Não estava distante,
não era difícil. É um tempo
que não me deixa mais que o horizonte
como medida da solidão.
Um tempo de tristeza protetora.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO, com alterações na tradução: poema publicado na página originalmente em 12/06/2018

Joan Margarit – No estaba lejos, no era difícil

Ha llegado este tiempo
cuando ya no hace daño la vida que se pierde,
cuando ya la lujuria es tan sólo
una lámpara inútil, y la envidia se olvida.
Es un tiempo de pérdidas prudentes, necesarias,
y no es un tiempo de llegar
sino de irse. El amor, ahora,
por fin coincide con la inteligencia.
No estaba lejos,
no era difícil. Es un tiempo
que no me deja más que el horizonte
como medida de la soledad.
Un tiempo de tristeza protectora.

Juan Vicente Piqueras – O pouco que sei

Sei que o penar não vale a pena.

Sei que a felicidade é indizível.

Sei que o amor, essa missão selvagem,
delicada, impossível, é a única forma
de estar neste mundo sem errar.

Sei que a morte resolve tudo.
Sei que a morte, não, quero dizer, a vida
é um pintassilgo em uma árvore seca
ou em uma amendoeira em flor,
cantando para a luz,
dando graças aos céus por tudo
sem o saber.

Trad.: Nelson Santander

Lo poco que sé

Sé que la pena no vale la pena.

Sé que la dicha no puede ser dicha.

Sé que el amor, esa misión salvaje,
delicada, imposible, es la única forma
de estar en este mundo sin errar.

Sé que la muerte lo resuelve todo.
Sé que la muerte, no, quiero decir la vida
es un jilguero en un árbol desnudo
o en un almendro en flor,
cantándole a la luz,
dando gracias al cielo por todo
sin saberlo.

Jane Draycott – A praça

Do outro lado da praça, uma mulher olha para mim
de uma janela, a sombra do quarto em que ela está
pressionando-a como uma pétala em direção à luz.

Ela é linda em seu vestido de linho sem mangas,
uma vela impassível na vasta vidraça escura,
como minha mãe em um tempo antes de eu a conhecer.

Entre nós, um rio de turistas, rostos erguidos
para os grandes cavalos de bronze saltando
para algum outro lugar que não podemos ver.

Como um amante do outro lado de uma sala eu devolvo o seu olhar
mas em seus olhos ela está me dizendo que agora é tarde demais
e é: eu poderia muito bem ser invisível também.

Mesmo se eu cruzasse a praça e encontrasse
aquele quarto, com certeza ela já teria ido embora.
Ela não está mais interessada em mim.

Trad.: Nelson Santander

The Square

Across the square a woman is looking at me
from a window, the shadow of the room she’s in
pressing her like a flower towards the light.

In her sleeveless linen dress she is beautiful,
a cool candle in the vast dark glass,
like my mother in a time before I knew her.

Between us, a river of tourists, faces lifted
to the great bronze horses stepping off
into some other air we cannot see.

Like a lover across a room I return her look
but she in her eyes is saying It’s too late now
and it is: I might as well be invisible.

Even if I crossed the square and found
that room she’s in, she would be gone for sure.
She isn’t interested in me any more.

Joan Margarit – Discurso do Método

Já de criança buscava as janelas
para pode fugir com o olhar.
Desde então, se entro em um lugar,
olho com atenção onde deixo meu casaco
e onde está a porta de saída.
Liberdade, para mim, significa fuga.
Há muitas portas no mundo.
Inclusive o sexo, em caso de emergência,
pode sê-lo, embora todas vão se fechando
e, para fugir, rapidamente fiquem
apenas as janelas da infância.
De par em par abertas para poder saltar.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO, com alterações na tradução: poema publicado na página originalmente em 07/06/2018

Discurso del Método

De niño ya buscaba las ventanas
para poder huir con la mirada.
Desde entonces, si entro en un lugar,
miro con atención dónde dejo el abrigo
y dónde está la puerta de salida.
Libertad, para mí, quiere decir huida.
Hay muchas puertas en el mundo.
Incluso el sexo, en caso de emergencia,
puede serlo, aunque todas van cerrándose
y, para huir, muy pronto quedarán
tan solo las ventanas de la infancia.
De par en par abiertas para poder saltar.

Albert Katz – Ao chegar aos 70

foi por volta do meu 70º aniversário
que percebi que já não tinha mais 40

que o lastro que me mantivera estável por tanto tempo
havia mudado

que as pessoas que eu conjurei dos meus 20 anos
não eram mais dinâmicos dínamos carnais
reanimados em encontros revisionistas atemporais

no meu 70º aniversário, velhos amigos começaram a me ligar
relembrando
os camaradas e amantes mortos

comidos vivos pelo câncer de cólon, esqueléticos e em sofrimento, pendurados em uma corda amarrada
ao trinco da porta de um banheiro, desorientados pelas drogas em um abandonado hospital para tratamento de AIDS,
com câncer crescendo no cérebro, fazendo piadas até o fim, em agonia,

sangrando ao lado de uma estrada rural atingido por um garoto bêbado jovem demais para dirigir
que disse não ter visto o corredor pois tinha sido cegado pelo sol e tudo mais

quando cheguei aos 40
todos aqueles camaradas
e amantes
estavam vivos e pensavam que viveriam para sempre
inconvenientemente curiosos sobre minha situação
se minha vida estava saindo como eu esperava

porque aos 40
era aparentemente
a hora
de fazer um balanço dessas questões

e acho que o consenso
foi o de que se o meu progresso na vida
não era bem um A
era certamente um sólido B
ou talvez um B+

e zaz
chegou a isto
minha carreira descendo pela
minha coluna lentamente se desintegrando
e agora
tendo aceitado um pacote de aposentadoria
a surpresa é que eu
ainda me imaginava com 40
por tanto tempo

que aqueles poucos velhos amigos remanescentes
começaram a ligar novamente
porque
aparentemente aos 70
é apropriado relembrar amigos mortos
e avaliar a trajetória de vida de alguém
mais uma vez

Não quero desaponta-los
a todos
no entanto deixe-me ser claro

vão se foder

não tenho a intenção de fazer um balanço
ou abraçar “minha nova fase”
ou desaparecer no nevoeiro como
os mortos-vivos de algum
filme de terror

ou reviver infinitamente minhas façanhas juvenis com vocês
ou acompanha-los vagando sem rumo
para um último passeio

Eu reinicializei
isso é tudo
apenas reinicializei

e em todos os aspectos importantes
estou realmente com apenas 55

Trad.: Nelson Santander

On Hitting 70

it was around my 70th birthday
that I realized I wasn’t 40 anymore

that the ballast which had kept me steady for so long
had shifted

that the people I conjured from my 20s
were no longer lithe carnal dynamos
reanimated in ageless revisionist trysts

on my 70th birthday old friends started to call me
reminiscing
about dead comrades and lovers

eaten alive by colon cancer gaunt and in pain, dangling from a rope strung
over the bathroom door, foggy with drugs in an AIDS hospice abandoned,
cancer growing on the brain joking until near the end in agony

bleeding by the side of a country road hit by a drunk kid too young to drive
who said he didn’t see the jogger being blinded by the sun and all

when I had reached 40
all those comrades
and lovers
were still alive and thought they’d live forever
unseemly curious about my status
whether my life was turning out as I had hoped

because at 40
it was the time
apparently
to take stock of such matters

and I think the consensus
was that if my life’s progress
was not quite an A
it was certainly a solid B
or maybe B+

and whoosh
it has come to this
my career winding down
my spine slowly disintegrating
and now
having accepted a retirement package
the wonder is that I
still thought of myself as 40
for so long

those few old remaining friends
started calling again
because
apparently at 70
it is appropriate to reminisce about dead friends
and rate the arc of one’s life
once again

I don’t want to disappoint you
all of you
nonetheless let me be clear

fuck off

I have no intention to take stock
or embrace “my new phase”
or fade like the walking dead
from some horror film
into the mist

or endlessly relive my youthful exploits with you
or join you in wandering aimlessly
for the last furlong

I have reset
that is all
just reset

and in all ways important
am really just 55

Idea Vilariño – Ou quem sabe nove

Talvez tivemos só sete noites
não sei
não as contei
como poderia ter feito.
Talvez não mais que seis
ou quem sabe nove.
Não sei,
mas valeram a pena
como o amor mais duradouro.
Talvez
com quatro ou cinco noites dessas,
mas precisamente como essas,
talvez
se possa viver
como de um longo amor
uma vida inteira.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO, com pequenas alterações na tradução: poema publicado na página originalmente em 06/05/2018

Idea Vilariño – O fueron nueve

Tal vez tuvimos sólo siete noches
no sé
no las conté
cómo hubiera podido.
Tal vez no más que seis
o fueron nueve.
No sé
pero valieron
como el más largo amor.
Tal vez
de cuatro o cinco noches como esas
pero precisamente como esas
tal vez
pueda vivirse
como de un largo amor
toda una vida.