Ada Limón – A capa de chuva

Quando o médico sugeriu cirurgia
e uma órtese por toda minha infância,
meus pais se apressaram em me levar
à fisioterapia, massagens intensas,
osteopatia, e logo minha coluna torta
desenrolou-se um pouco, pude respirar novamente,
e me movimentar mais, um corpo livre
da dor. Minha mãe pedia que eu cantasse
para ela durante todo o trajeto de quarenta e cinco minutos
pela Middle Two Rock Road e quarenta e cinco
minutos de volta da fisioterapia.
Ela dizia que até minha voz parecia livre
da minha espinha depois. Então eu cantava e cantava,
porque achava que ela gostava. Nunca
lhe perguntei do que ela abria mão para me levar,
ou como tinha sido seu dia antes desta tarefa. Hoje,
com a idade que ela tinha, eu estava voltando para casa de
mais uma consulta para minha coluna, cantando com o rádio
uma música piegas, mas sincera,
e vi uma mãe tirar sua própria capa de chuva
e dá-la para sua filha pequena quando
uma tempestade tomou conta da tarde. Meu Deus,
pensei, passei toda minha vida debaixo da capa de chuva dela
achando que era uma maravilha
eu nunca ter me molhado.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

The raincoat

When the doctor suggested surgery
and a brace for all my youngest years,
my parents scrambled to take me
to massage therapy, deep tissue work,
osteopathy, and soon my crooked spine
unspooled a bit, I could breathe again,
and move more in a body unclouded
by pain. My mom would tell me to sing
songs to her the whole forty-five minute
drive to Middle Two Rock Road and forty-
five minutes back from physical therapy.
She’d say, even my voice sounded unfettered
by my spine afterward. So I sang and sang,
because I thought she liked it. I never
asked her what she gave up to drive me,
or how her day was before this chore. Today,
at her age, I was driving myself home from yet
another spine appointment, singing along
to some maudlin but solid song on the radio,
and I saw a mom take her raincoat off
and give it to her young daughter when
a storm took over the afternoon. My god,
I thought, my whole life I’ve been under her
raincoat thinking it was somehow a marvel
that I never got wet.

Larry Levis – Estrelas de Inverno

Certa vez, meu pai quebrou a mão de um homem
No escapamento de um trator John Deere. O homem,
Rubén Vásquez, queria matar o próprio pai
Com uma faca de fruta afiada, & segurava
A ponta curva dela, levemente, entre os dois
Primeiros dedos, para cortar
Horizontalmente, & com surpreendente graça,
A garganta. Era como um bico brilhante na mão,
E, por um momento, a luz permaneceu
Naqueles cipós. Quando tudo acabou,
Meu pai simplesmente entrou & almoçou, & depois, como sempre,
Ficou sozinho no escuro, ouvindo música.
Ele nunca mencionou aquilo.

Nunca entendi como alguém poderia arriscar sua vida
E depois ouvir Vivaldi.

Às vezes, saio para o quintal à noite,
E fico olhando através dos galhos úmidos de um carvalho
No inverno, & percebo que estou olhando para as estrelas
Novamente. Uma fina camada delas, brilhando
E persistindo.

Olhar para elas costumava me fazer sentir mais leve.
Na Califórnia, essa luz era mais próxima.
Em uma Califórnia que ninguém verá novamente,
Meu pai começou a morrer. Algo
Dentro dele está lentamente tomando de volta
Cada palavra que lhe foi dada.
Agora, ao tentarmos conversar, vejo meu pai
Buscar uma sílaba perdida como se ela pudesse
Resolver tudo, & agora, mesmo sem lembrar
A palavra para isso, ele se envergonha…
Se pensa na mente como um lugar continuamente
Visitado, uma cidade inteira situada atrás
Dos olhos, & brilhando, posso imaginar, agora, seu fim —
Como quando as luzes se apagam, uma a uma,
Em um hotel à noite, até que finalmente
Todos os viajantes estejam dormindo, ou até que
Mesmo o brilho tênue do saguão seja uma espécie
De sono; & enquanto a mulher atrás da escrivaninha
Aplica mais esmalte nas unhas,
Você quase pode acreditar que o elevador,
Ao subir, deve se abrir sob a luz das estrelas.

Eu fico na rua, & não entro.
Esse foi o nosso acordo, no meu nascimento.

E durante anos acreditei
Que o que não era pronunciado entre nós se tornava vazio
E puro, como a luz das estrelas, & persistia.

Entendi tudo errado.
Acabei acreditando nas palavras da mesma forma que um cientista
Crê no carbono, após a morte.

Esta noite, estou falando com você, pai, embora
Esteja tranquilo aqui no meio-oeste, onde uma brisa,
Do calibre de um punho, desperta o frio novamente —
O que pode ser tudo o que resta de você & de mim.

Quando saí de casa aos dezessete, parti para sempre.

Aquela fina névoa de estrelas continua,
Como um sorriso que encontrou uma forma final e silenciosa
Em um céu escuro. Significa tudo
O que não pode ser dito. Olha, está vazio lá fora, & frio.
Frio o suficiente para reconciliar
Até mesmo um pai, até mesmo um filho.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Winter Stars

My father once broke a man’s hand
Over the exhaust pipe of a John Deere tractor. The man,
Rubén Vásquez, wanted to kill his own father
With a sharpened fruit knife, & he held
The curved tip of it, lightly, between his first
Two fingers, so it could slash
Horizontally, & with surprising grace,
Across a throat. It was like a glinting beak in a hand,
And, for a moment, the light held still
On those vines. When it was over,
My father simply went in & ate lunch, & then, as always,
Lay alone in the dark, listening to music.
He never mentioned it.

I never understood how anyone could risk his life,
Then listen to Vivaldi.

Sometimes, I go out into this yard at night,
And stare through the wet branches of an oak
In winter, & realize I am looking at the stars
Again. A thin haze of them, shining
And persisting.

It used to make me feel lighter, looking up at them.
In California, that light was closer.
In a California no one will ever see again,
My father is beginning to die. Something
Inside him is slowly taking back
Every word it ever gave him.
Now, if we try to talk, I watch my father
Search for a lost syllable as if it might
Solve everything, & though he can’t remember, now,
The word for it, he is ashamed . . .
If you can think of the mind as a place continually
Visited, a whole city placed behind
The eyes, & shining, I can imagine, now, its end—
As when the lights go off, one by one,
In a hotel at night, until at last
All of the travelers will be asleep, or until
Even the thin glow from the lobby is a kind
Of sleep; & while the woman behind the desk
Is applying more lacquer to her nails,
You can almost believe that the elevator,
As it ascends, must open upon starlight.

I stand out on the street, & do not go in.
That was our agreement, at my birth.

And for years I believed
That what went unsaid between us became empty,
And pure, like starlight, & that it persisted.

I got it all wrong.
I wound up believing in words the way a scientist
Believes in carbon, after death.

Tonight, I’m talking to you, father, although
It is quiet here in the Midwest, where a small wind,
The size of a wrist, wakes the cold again—
Which may be all that’s left of you & me.

When I left home at seventeen, I left for good.

That pale haze of stars goes on & on,
Like laughter that has found a final, silent shape
On a black sky. It means everything
It cannot say. Look, it’s empty out there, & cold.
Cold enough to reconcile
Even a father, even a son.

W. S. Merwin – Solstício

Dizem que apesar de tudo
o sol retornará
à meia-noite
meu único amor

mas sabemos como os minutos
voam pelas
árvores escuras
e desaparecem

como as majestosas ‘ohias e os saís-verdes
e sabemos como as semanas
caminham nas
sombras ao meio-dia

ao pensar nos meses toco sua mão
algo que não
se diz

observamos os pássaros vermelhos pela manhã
juntos esperamos
pelo silencioso dia
o ano se transforma em ar

mas permanecemos juntos durante toda a noite
com o sol ainda partindo
e o ano
retornando

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

The Solstice

They say the sun will come back
at midnight
after all
my one love

but we know how the minutes
fly out into
the dark trees
and vanish

like the great ‘ohias and the honey creepers
and we know how the weeks
walk into the
shadows at midday

at the thought of the months I reach for your hand
it is not something
one is supposed
to say

we watch the red birds in the morning
we hope for the quiet
daytime together
the year turns into air

but we are together in the whole night
with the sun still going away
and the year
coming back

Adam Tedesco – Pânico

A beleza da vida é que
sempre alguém está morrendo

Do lado de fora, uma abelha
escreve meu nome em mel

Às vezes, os truques se desfazem sozinhos
e é por isso que os chamamos de mágica

Às vezes, as pessoas dizem mágico
quando querem dizer sexual

Do outro lado da porta, um animal escreve
meu nome com o sangue de outros animais

Às vezes, pessoas dizem história
quando querem dizer doença

Pendurado na parede, há um Salvador
que incendiou tudo por amor

Às vezes, as pessoas dizem amor quando
querem se referir a uma troca justa de favores

Às vezes, a fé é o desejo
de crer em efeitos de luz

Quando as pessoas dizem às vezes
o que querem dizer é que nunca termina

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Panic

The beauty in life is that
someone’s always dying

Outside the window there’s
a bee writing my name in honey

Sometimes tricks undo themselves
and that’s why we call them magic

Sometimes people say magical
when they want to say sexual

Outside the door there’s an animal writing
my name in the blood of other animals

Sometimes people say history
when they mean disease

There’s a savior hanging on the wall
who burned everything down for love

Sometimes people say love when
they mean fair exchange of favor

Sometimes faith is a desire
to believe the tricks of light

When people say sometimes
what they mean is this never ends

Idea Vilariño – Não mais

Não mais será
não mais
não viveremos juntos
não criarei teu filho
não coserei tua roupa
não te terei à noite
não te beijarei ao partir
nunca saberás quem fui
por que outros me amaram.
Não chegarei a saber
por que nem porque nunca
nem se era verdadeiro
o que disseste que era
nem quem foste
nem o que fui para ti
nem como teria sido
vivermos juntos
amarmo-nos
esperarmo-nos
estarmos juntos.
Agora não sou mais do que eu
para sempre e tu

não serás para mim
mais do que tu. Já não estás
em algum dia futuro
não saberei onde vives
com quem
nem se te lembras.
Não me abraçarás nunca
como naquela noite
nunca.
Não voltarei a tocar-te.
Não te verei morrer.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO, com ligeiras alterações na tradução: poema publicado na página originalmente em 31/05/2019

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Ya no

Ya no será
ya no
no viviremos juntos
no criaré a tu hijo
no coseré tu ropa
no te tendré de noche
no te besaré al irme
nunca sabrás quién fui
por qué me amaron otros.
No llegaré a saber
por qué ni cómo nunca
ni si era de verdad
lo que dijiste que era
ni quién fuiste
ni qué fui para ti
ni cómo hubiera sido
vivir juntos
querernos
esperarnos
estar.
Ya no soy más que yo
para siempre y tú
ya
no serás para mí
más que tú. Ya no estás
en un día futuro
no sabré dónde vives
con quién
ni si te acuerdas.
No me abrazarás nunca
como esa noche
nunca.
No volveré a tocarte.
No te veré morir.

E. C. Belli – Revelação

Eu escapei do granito fosco
e alcancei seu rosto caçando
em algum tipo de território inóspito.
Que estranho campo de jogo é este
que deixa seu oponente derrotado
e desesperançado assim. É da alegria que precisamos
para temperar toda essa revelação da verdade.
Talvez mentiras sejam o melhor caminho.
Talvez mentiras não sejam realmente tão ruins
quanto parecem ser. Penso que honestidade
é apenas uma palavra diferente para carnificina.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Revelation

I escaped the dull granite
and reached your face by hunting
some kind of wilderness.
What a strange playing field it is–
leaving your opponent undone,
hopeless like that. It’s glee we need
to temper all this truth-telling.
Perhaps lies are the better way.
Perhaps lies aren’t really as bad as they are
made out to be. I think honesty
is just a different word for carnage.

Mark Strand – A história

É a velha história: queixas sobre a lua
afundando no mar, sobre as estrelas desvanecendo na primeira luz,
sobre o gramado molhado de orvalho, o frio e prateado gramado.

E por aí vai: um homem olha para a própria sombra
e afirma serem as cinzas de si mesmo se desprendendo, diz que seus dias
são os verdadeiros buracos negros no espaço. Mas nada disso é verdade.

Você sabe a que me refiro: é sobre os minutos morrendo,
e as horas, e os anos; é a história que conto
sobre mim, sobre você, sobre todos.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

The Story

It is the old story: complaints about the moon
sinking into the sea, about stars in the first light fading,
about the lawn wet with dew, the lawn silver, the lawn cold.

It goes on and on: a man stares at his shadow
and says it’s the ash of himself falling away, says his days
are the real black holes in space. But none of it’s true.

You know the one I mean: it’s the one about the minutes dying,
and the hours, and the years; it’s the story I tell
about myself, about you, about everyone.

Joshua Poteat – Ferrotipia

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

TINTYPE


Whole forests went to sea

disguised as ships.



Whole seas went to forest



disguised as time.


Jim Harrison – Transformação

Nenhum lugar é o mesmo de ontem.
Nenhum de nós é o mesmo de ontem.
Por fim, morremos pela exaustão da transformação.
Este júbilo celular em declínio é compartilhado
pelo vento, insetos, aves, ursos e rios,
e talvez pelos buracos negros no espaço galáctico
onde nossas almas serão todas reunidas em um invisível
dedal de antimatéria. Mas não vamos nos precipitar.
Sim, as árvores se desgastam à medida que crescem as papadas
sob meu queixo, as mãos enrugadas que tentaram estrangular
um agressor de esposas na cidade de Nova York, em 1957.
Giramos com a terra, recuperando o fôlego
como alguém diferente, nossos cérebros macios e mal treinados,
exceto para observar-nos desaparecer na distância.
Ainda assim, amamos fazer música desse enigma.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Becoming

Nowhere is it the same place as yesterday.
None of us is the same person as yesterday.
We finally die from the exhaustion of becoming.
This downward cellular jubilance is shared
by the wind, bugs, birds, bears and rivers,
and perhaps the black holes in galactic space
where our souls will all be gathered in an invisible
thimble of antimatter. But we’re getting ahead of ourselves.
Yes, trees wear out as the wattles under my chin
grow, the wrinkled hands that tried to strangle
a wife beater in New York City in 1957.
We whirl with the earth, catching our breath
as someone else, our soft brains ill-trained
except to watch ourselves disappear into the distance.
Still, we love to make music of this puzzle.

Ian Hamilton – Última Valsa

De onde estamos quase conseguimos identificar
Os rostos destas pessoas que não conhecemos:
Um semi-círculo sombreado
Ao redor do enorme aparelho de TV doado
Que domina nossa ala.

A ‘Última Valsa’ espalha-se sobre eles
Iluminando
Amistosos, exaustos sorrisos. E nós,
Como se nos importássemos, também sorrimos.

Para cada alma perdida, nesta hora tardia,
Um sedado espasmo de felicidade.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 19/05/2019

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Last Waltz

From where we sit, we can just about identify
The faces of these people we don’t know:
A shadowed semi-circle
Ranged around the huge, donated television set
That dominates the ward.

The ‘Last Waltz’ floods over them
Illuminating
Fond, exhausted smiles. And we,
As if we cared, are smiling too.

To each lost soul, at this late hour
A medicated pang of happiness.