Zbigniew Herbert – Uma vida

Eu era um rapaz sossegado, um tanto sonolento e — surpreendentemente —
ao contrário dos meus colegas — que ansiavam por aventuras —
não nutria grandes expectativas — não costumava olhar pela janela
Na escola, era mais diligente do que competente — dócil e estável

Depois, veio uma vida normal de um funcionário comum,
levantar cedo rua bonde escritório bonde outra vez casa dormir

Eu realmente não sei porque estou perpetuamente cansado e inquieto,
mesmo quando deveria estar descansando

Sei que nunca fui lá grande coisa — não conquistei nada
colecionava selos ervas medicinais era só mediano no xadrez

Viajei para o exterior certa vez — em férias no Mar Negro
na foto em um chapéu de palha rosto bronzeado — quase feliz

Li o que me veio à mão: sobre socialismo científico
sobre viagens espaciais e máquinas que podem pensar
e o que mais gostei: livros sobre a vida das abelhas

Como muitos outros, queria saber o que me aguardava após a morte
se conseguiria um novo apartamento se a vida tinha sentido

E sobretudo queria aprender a distinguir o bem do mal
saber ao certo o que é claro e o que é completamente sombrio

Alguém me recomendou uma obra clássica — como ele disse
que aquilo mudara sua vida e a de milhões de outros,
li — não mudei — e envergonho-me de admitir
pela minha vida que não me lembro do nome do clássico

Talvez eu não tenha vivido mas resistido — lançado contra minha vontade
em algo difícil de governar e impossível de compreender
uma sombra na parede
portanto não era uma vida
uma vida completa

Como poderia explicar à minha esposa ou a qualquer outro
que eu invocava todas as minhas forças
para não cometer estupidezes, resistir às insinuações
de não confraternizar com os mais fortes?

É verdade — sempre fui insosso. Mediano. Na escola
no exército no escritório em casa e nas festas

Agora estou em um hospital morrendo de velhice.
Aqui sofro das mesmas inquietações e tormentos.
Se eu pudesse renascer, quem sabe seria melhor.

Acordo à noite em suor. Olho para o teto. Silêncio.
E de novo — uma vez mais — com cansaço no braço
afasto os maus espíritos e invoco os bons.

Trad.: Nelson Santander

A Life

I was a quiet boy a little sleepy and — amazingly —
unlike my peers — who were fond of adventures —
I didn’t expect much — didn’t look out the window
At school more diligent than able — docile stable

Then a normal life at the level of a regular clerk
up early street tram office again tram home sleep

I truly don’t know why I’m tired uneasy in torment
perpetually even now — when I have a right to rest

I know I never rose high — I have no achievements
I collected stamps medicinal herbs was OK at chess

I went abroad once — on a holiday to the Black Sea
in the photo a straw hat tanned face — almost happy

I read what came to hand: about scientific socialism
about flights into space and machines that can think
and the thing I liked most: books on the life of bees

Like others I wanted to know what I’d be after death
whether I’d get a new apartment if life had meaning

And above all how to tell the good from what’s evil
to know for sure what is white and what’s all black

Someone recommended a classic work — as he said
it changed his life and the lives of millions of others
I read it — I didn’t change — and I’m ashamed to admit
for the life of me I don’t remember the classic’s name

Maybe I didn’t live but endured — cast against my will
into something hard to govern and impossible to grasp
a shadow on a wall
so it was not a life
a life up to the hilt

How could I explain to my wife or to anyone else
that I summoned all my strength
so as not to commit stupidities cede to insinuation
not to fraternize with the strongest

It’s true — I was always pale. Average. At school
in the army in the office at home and at parties

Now I’m in the hospital dying of old age.
Here is the same uneasiness and torment.
Born a second time perhaps I’d be better.

I wake at night in a sweat. Stare at the ceiling. Silence.
And again — one more time — with a bone-weary arm
I chase off the bad spirits and summon the good ones.

from The Collected Poems, translated by Alissa Valles (Harper Collins, 2008)