Tishani Doshi – Poema de Amor

No fim, perderemos um ao outro
para alguma coisa. Espero que para algo
grandioso – morte ou desastre.
Mas pode não ser dessa maneira.
Pode ser que você saia
para comprar cigarros uma manhã
depois de termos feito amor
e nunca mais retorne,
ou eu me apaixone por outro homem.
Pode ser uma lenta caminhada rumo à indiferença.
Seja como for, teremos que aprender
a suportar o peso de que eventualmente
perderemos um ao outro para alguma coisa.
Então por que não começar agora, enquanto sua cabeça
repousa como uma lua perfeita em meu colo,
e os cães na praia estão a uivar?
Por que não alcançar a sutura que nos une nesta
noite indiana e rasga-la, só um pouco, para a queda
poder começar? Porque mais tarde, quando nos cruzarmos
nas ruas, e tivermos que desviar nossos olhares,
quando tivermos atirado
as partes rejeitadas de nossa vida comum
nas gavetas do quarto e o cheiro
de nossos corpos estiver desaparecendo como o doce
definhar dos lírios – do que iremos chamar isto,
quando não for mais amor?

Trad.: Nelson Santander

Tishani Doshi – Love Poem

Ultimately, we will lose each other
to something. I would hope for grand
circumstance — death or disaster.
But it might not be that way at all.
It might be that you walk out
one morning after making love
to buy cigarettes, and never return,
or I fall in love with another man.
It might be a slow drift into indifference.
Either way, we’ll have to learn
to bear the weight of the eventuality
that we will lose each other to something.
So why not begin now, while your head
rests like a perfect moon in my lap,
and the dogs on the beach are howling?
Why not reach for the seam in this South Indian
night and tear it, just a little, so the falling
can begin? Because later, when we cross
each other on the streets, and are forced
to look away, when we’ve thrown
the disregarded pieces of our togetherness
into bedroom drawers and the smell
of our bodies is disappearing like the sweet
decay of lilies — what will we call it,
when it’s no longer love?

Emily Dickinson – “Morrer por ti era pouco…”

Morrer por ti era pouco.
Qualquer grego o fizera.
Viver é mais difícil —
É esta a minha oferta —

Morrer é nada, nem
Mais. Porém viver importa
Morte múltipla — sem
O Alívio de estar morta.

Trad.: Augusto de Campos

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Too scanty ‘twas to die for you

Too scanty ’twas to die for you,
The merest Greek could that.
The living, Sweet, is costlier —
I offer even that —

The Dying, is a trifle, past,
But living, this include
The dying multifold — without
The Respite to be dead.

Antonia Pozzi – Novembro

E depois – quando eu partir
restará alguma coisa
de mim
no meu mundo –
restará um fino rasto de silêncio
no meio das vozes –
um ténue sopro de branco
no coração do azul –

E numa noite de Novembro
uma menina frágil
à esquina de uma rua
venderá braçadas de crisântemos
e lá estarão as estrelas
gélidas verdes distantes –
Alguém chorará
em algum lugar – em algum lugar –
Alguém irá procurar crisântemos
para mim
no mundo
quando sem regresso
eu tiver de partir.

Trad.: Inês Dias

Antonia Pozzi – Novembre

E poi – se accadrà ch’io me ne vada –
resterà qualchecosa
di me
nel mio mondo –
resterà un’esile scìa di silenzio
in mezzo alle voci –
un tenue fiato di bianco
in cuore all’azzurro –

Ed una sera di novembre
una bambina gracile
all’angolo d’una strada
venderà tanti crisantemi
e ci saranno le stelle
gelide verdi remote –
Qualcuno piangerà
chissà dove – chissà dove –
Qualcuno cercherà i crisantemi
per me
nel mondo
quando accadrà che senza ritorno
io me ne debba andare.

Jorge Luis Borges – Cambridge

Nova Inglaterra e a manhã.
Dobro por Craigie.
Penso (já pensei)
que o nome Craigie é escocês e que a palavra crag é de origem celta.
Penso (já pensei)
que neste inverno estão os antigos invernos
dos quais deixaram escrito
que o caminho está prefixado e que já somos do Amor ou do Fogo.
A neve e a manhã e os muros vermelhos
podem ser formas da felicidade,
mas eu venho de outras cidades
onde as cores são pálidas,
e nelas uma mulher, ao cair da tarde,
regará as plantas do pátio.
Alço os olhos para perdê-los no ubíquo azul.
Ao longe estão as árvores de Longfellow
e o adormecido rio incessante.
Ninguém nas ruas, mas não é um domingo.
Não é uma segunda-feira,
o dia que nos depara a ilusão de começar.
Não é uma terça-feira,
o dia que preside o planeta rubro.
Não é uma quarta-feira,
o dia daquele deus dos labirintos
que no Norte foi Odin.
Não é uma quinta-feira,
o dia que já se resigna ao domingo.
Não é uma sexta-feira,
o dia regido pela divindade que nas selvas
os corpos dos amantes entretece.
Não é um sábado.
Não está no tempo sucessivo,
mas nos reinos espectrais da memória.
Como nos sonhos,
atrás das altas portas não há nada,
nem sequer o vazio.
Como nos sonhos,
atrás do rosto que nos contempla não há ninguém.
Anverso sem reverso,
moeda de uma única efígie, as coisas.
Essas misérias são os bens
que o precipitado tempo nos deixa.
Somos nossa memória,
somos esse quimérico museu de formas inconstantes,
essa pilha de espelhos rotos.

Trad.: Carlos Nejar e Alfredo Jacques.
Revisão de trad.: Maria Carolina de Araújo e Jorge Schwartz

Jorge Luis Borges – Cambridge

Nueva Inglaterra y la mañana.
Doblo por Craigie.
Pienso (yo lo he pensado)
que el nombre Craigie es escocés
y que la palabra crag es de origen celta.
Pienso (ya lo he pensado)
que en este invierno están los antiguos inviernos
de quienes dejaron escrito
que el camino esta prefijado
y que ya somos del Amor o del Fuego.
La nieve y la mañana y los muros rojos
pueden ser formas de la dicha,
pero yo vengo de otras ciudades
donde los colores son pálidos
y en las que una mujer, al caer la tarde,
regará las plantas del patio.
Alzo los ojos y los pierdo en el ubicuo azul.
Más allá están los árboles de Longfellow
y el dormido río incesante.
Nadie en las calles, pero no es un domingo.
No es un lunes,
el día que nos depara la ilusión de empezar.
No es un martes,
el día que preside el planeta rojo.
No es un miércoles,
el día de aquel dios de los laberintos
que en el Norte fue Odin.
No es jueves,
el día que ya se resigna al domingo.
No es un viernes,
el día regido por la divinidad que en las selvas
entreteje los cuerpos de los amantes.
No es un sábado.
No está en el tiempo sucesivo
sino en los reinos espectrales de la memoria.
Como en los sueños
detrás de las altas puertas no hay nada,
ni siquiera el vacío.
Como en los sueños,
detrás del rostro que nos mira no hay nadie.
Anverso sin reverso,
moneda de una sola cara, las cosas.
Esas miserias son los bienes
que el precipitado tiempo nos deja.
Somos nuestra memoria,
somos ese quimérico museo de formas inconstantes,
ese montón de espejos rotos.

Renata Correia Botelho – O Vento a Rondar os Dragoeiros

morreu Ulrich Mühe e o seu rosto antigo
que olhara em tempos na minha direcção
enquanto ouvia a ‘Appassionata’ de Beethoven,
o amor e ‘As Vidas dos Outros’. eu vira o filme
sozinha, num teatro vazio como uma igreja

abandonada de Tonino Guerra, com a cerejeira
a erguer-se entre as cadeiras e o palco
que ninguém vê. ficou tudo ligado: aquele olhar
subterrâneo que regressava agora a águas fundas,
a minha avó a ajeitar, com os seus dedos térreos,
a planta que morreu com ela, a resignação
das gaivotas ao longo da praia
e as palavras de Borges sobre
as coisas que morrem em cada agonia.

ouvirá Mühe, nos seus auscultadores,
a nostalgia do vento a rondar os dragoeiros?
és tu que cantas, Lhasa, com os melros negros,
a luz melancólica desta manhã?
quem dormirá no colo da minha tia,
protegido pelas suas mãos de árvore?

o que morrerá comigo, avô, quando eu morrer?

Felipe Benítez Reyes – Uma Forma de Eternidade

Então o medo era isto?
Não os assustadores
fantasmas do pensamento e da consciência.
Não os longos corredores de hospitais
com lâmpadas fluorescentes dia e noite.
Nem sequer o tremor de irrealidade
que permanece na alma se te recordas.

O medo, aparentemente, é calmo:

Chega quando fechas a janela
e compreendes que tudo quanto vês
é o mesmo de ontem, e voltará
a ser o mesmo amanhã e para sempre.

Trad.: Nelson Santander

Felipe Benítez Reyes – Una Forma de Eternidad

Pero ¿el miedo era esto?
No los amenazantes
fantasmas del pensamiento y la conciencia.
No los largos pasillos de hospitales
con tubos fluorescentes día y noche.
Ni siquiera el temblor de irrealidad
que se queda en el alma si recuerdas.

El miedo, al parecer, es sosegado:

te llega cuando cierras la ventana
y comprendes que todo cuanto miras
es lo mismo que ayer, y que lo mismo
volverá a ser mañana y para siempre.

Alfredo Buxán – Lápide

Uma lágrima cai
sobre a cal do solo, arde
sob meus pés, consome na solidão
minha solidão.

Trad.: Nelson Santander

 

 

Alfredo Buxán – Lápida

Una lágrima cae
sobre la cal del suelo, arde
bajo mis pies, abrasa en soledad
mi soledad.

 

Manuel de Freitas – Balladen Om Jenny Lind

E é de novo sexta-feira, na mesma cidade.
As sirenes respondem pontualmente
aos corpos e bicicletas que se perdem
noite dentro. Nada que possa incomodar
o sono altivo dos mendigos da Stroget,
enrolados em mantas e garrafas já sem cor.

Decidimos tomar o último copo
no café Monten. Ao balcão, os homens
dos barcos falavam de todos os países
que viram ou não viram, sob nuvens de fumo
que escondiam mal um inglês de circunstância.

Na parede junto à nossa mesa (recorte
da época) Jenny Lind morria – e eu
ficava a saber, em sueco, que “Rökning
dödar”, o que não parecia incomodar
nenhum dos presentes. No Nyhavn,
porém, anoitecia muito depressa. Teremos
de esperar pela neve, agora que passou a chuva.

Inês Dias – Passou demasiado tempo…

“When someone is dying
there is no point in telling him about the snow.”
Iris Murdoch

Passou demasiado tempo
desde o último fim do mundo.
Os mecanismos quebraram-se
e sobram agora marés confusas,
países de fronteiras esmaecidas.

Visto de cima, o homem
é esta matéria mínima,
insecto negro de patas para o ar,
brincando a haver deuses
que o contemplem ainda.
(A noite toda no lavatório
branco da vida,
à espera que algo desça
e lhe devolva contornos,
uma escala compreensível.)

Mas os deuses despiram Orfeu
da sua curiosidade,
dobraram sombra sobre
sombra numa cadeira
antes de fecharem a conta.

Ao fotógrafo, deixaram
apenas um travo amargo
em jeito de temperatura.

Joan Margarit – Shostakovich. Sinfonia “Leningrado”

Lembras-te? Joana havia morrido.
Íamos para o norte, tu e eu, no carro,
para o apartamento junto ao mar,
e ouvíamos esta sinfonia.
Iniciamos a viagem em uma manhã
luminosa e, dentro da música,
o dia era de muros cobertos pelo gelo,
vultos carregando sacos meio vazios
e, no lago, trenós com cadáveres.
Como uma pista de aeroporto ao sol,
fugia a autoestrada e, através dos sons, se estendia
uma névoa de obuses ocultando
os rastros dos tanques na neve.
Foi em julho, em uma manhã azul dourada
que brilhava no cristal do mar.
Os metais e cordas ressoavam
como a glória – no passado, como sempre;
rechaçando a vida, como sempre.

À noite não se ouvia nenhum outro rumor
que o das ondas sob o terraço.
Por outro lado, dentro de nós,
como ocorria dentro da música,
rugia o temporal de neve e ferro
que desata a história ao virar a página.

Trad.: Nelson Santander

Joan Margarit – Shostakovich. Sinfonía “Leningrado”

¿Lo recuerdas? Joana había muerto.
Íbamos hacia el norte, tú y yo, en coche,
hasta el apartamento junto al mar,
y escuchábamos esta sinfonía.
Iniciamos el viaje una mañana
llena de luz y, dentro de la música,
el día era de muros cubiertos por el hielo,
sombras con sacos a medio llenar
y, en el lago, trineos con cadáveres.
Como una pista de aeropuerto al sol,
huía la autopistaetrás de los sonidos se extendía
una niebla de obuses ocultando
las huellas de los tanques en la nieve.
Fue en julio, una mañana de oro azul
que destellaba en el cristal del mar.
Los metales y cuerdas resonaban
con la gloria, en pasado como siempre,
rechazando la vida, como siempre.

De noche no se oía más rumor
que el de las olas bajo la terraza.
En cambio, dentro de nosotros,
como ocurría dentro de la música,
rugía el temporal de nieve y hierro
que desata la historia al pasar página.