Juan Vicente Piqueras – Palmeiras

Nascemos da sede. Somos palmeiras
que crescem à força de perder
seus ramos. Nossos troncos são feridas,
cicatrizes que o vento e a luz dissipam,
quando o tempo, o que faz e o que passa,
ocupa o coração e dele faz um ninho
de perdas, erige
nele seu templo, sua áspera coluna.

Por isso as palmeiras são alegres
como os que sabem sofrer em solidão
e balançam-se ao ar, varrem as nuvens
e entregam em suas copas
cânticos à luz, fontes de fogo,
leques a deus, adeus a tudo.
Estremecem como testemunhas de um milagre
que só elas conhecem.

Somos como a sede das palmeiras,
e cada ferida aberta contra a luz
nos torna mais altos, mais alegres.
Nossos troncos são perdas. Trono é a
nossa dor. É ruim
sofrer, mas é preciso ter sofrido
para sentir, como em um ninho de sangue,
o assombro dos sobreviventes
gratos ao ar e explodir
de regozijo no meio do deserto.

Trad.: Nelson Santander

Palmeras

Nacemos de la sed. Somos palmeras
que van creciendo a fuerza de perder
sus ramas. Nuestros troncos son heridas,
cicatrices que el viento y la luz cierran,
cuando el tiempo, el que hace y el que pasa,
ocupa el corazón y lo hace nido
de pérdidas, erige
en él su templo, su áspera columna.

Por eso las palmeras son alegres
como los que han sabido sufrir en soledad
y se mecen al aire, barren nubes
y entregan en sus copas
salomas a la luz, fuentes de fuego,
abanicos a dios, adiós a todo.
Tiemblan como testigos de un milagro
que sólo ellas conocen.

Somos como la sed de las palmeras,
y cada herida abierta hacia la luz
nos va haciendo más altos, más alegres.
Nuestros troncos son pérdidas. Es trono
nuestro dolor. Es malo
sufrir pero es preciso haber sufrido
para sentir, como un nido en la sangre,
el asombro de los supervivientes
al aire agradecidos y estallar
de alta alegría en medio del desierto.

Mark Wunderlich – O Deus do Nada

Meu pai caiu do barco.
Seu equilíbrio já era precário há algum tempo.
Ele havia saído de barco com seu cachorro para
caçar patos em um pântano perto de Trempealeau, Wisconsin.
Ninguém mais estava por perto
salvo o fazendeiro que raspava as calhas do curral das vacas,
surdo de um dos ouvidos pelos anos em máquinas —
e ele estava a meia milha de distância.
Meu pai caiu do barco
e a água subiu ao redor dele, encheu
suas botas e o puxou para baixo.
Ele submergiu na água da cor de café fraco.
O cachorro entrou na água também,
pensando que talvez fosse uma brincadeira.
Devo me corrigir — os cães não pensam como nós —
eles reagem, e o cachorro reagiu nadando
em volta da cabeça do meu pai. Esta não é uma história reconfortante
sobre um cachorro que pede ajuda latindo,
ou como, ao lamber o rosto do meu pai, ele o encorajou
a se aguentar. O cachorro por fim se cansou e foi para a terra
farejar na grama, desfrutar de sua nova liberdade
das atenções do seu dono,
indiferente ao drama do meu pai.
A água estava fria, eu sei disso,
e meu pai sempre resfriava com facilidade.
Que ele estava com frio é uma certeza, embora
eu nunca tenha lhe perguntado sobre este evento.
Eu não sei como ele saiu da água.
Acredito que o fazendeiro foi procura-lo
depois que minha mãe telefonou aflita, e em seguida dirigiu-se
até a fazenda dele depois que meu pai não voltou para casa.
Minha mãe me contou sobre este evento em voz sussurrada,
colocando a mão em concha sobre o telefone e emitindo
animados non sequiturs para não ser ouvida.
Admitir a enfermidade do meu pai
atrairia a ira do Deus do Nada
que ouve uma voz trêmula e vem correndo
para varrer os fracos com um hálito gélido e desdenhoso.
Mas esse deus foi invocado anos antes
durante os quais ele plantou uma semente que cresceu
no cérebro do meu pai, congelando sua língua,
subtraindo-lhe o equilíbrio.
O deus estava lá quando ele caiu do barco,
sussurrando dos meandros do cérebro do meu pai,
e ele estava lá quando minha mãe, observando o horário,
soube que algo estava errado. Este deus é um deus frio,
um deus faminto, egoísta e de pouca visão.
Este deus tem a cabeça de um cão.

Trad.: Nelson Santander

The God of Nothingness

My father fell from the boat.
His balance had been poor for some time.
He had gone out in the boat with his dog
hunting ducks in a marsh near Trempealeau, Wisconsin.
No one else was near
save the wiry farmer scraping the gutters in the cow barn
who was deaf in one ear from years of machines—
and he was half a mile away.
My father fell from the boat
and the water pulled up around him, filled
his waders and this drew him down.
He descended into water the color of weak coffee.
The dog went into the water too,
thinking perhaps this was a game.
I must correct myself—dogs do not think as we do—
they react, and the dog reacted by swimming
around my father’s head. This is not a reassuring story
about a dog signaling for help by barking,
or, how by licking my father’s face, encouraged him
to hold on. The dog eventually tired and went ashore
to sniff through the grass, enjoy his new freedom
from the attentions of his master,
indifferent to my father’s plight.
The water was cold, I know that,
and my father has always chilled easily.
That he was cold is a certainty, though
I have never asked him about this event.
I do not know how he got out of the water.
I believe the farmer went looking for him
after my mother called in distress, and then drove
to the farm after my father did not return home.
My mother told me of this event in a hushed voice,
cupping her hand over the phone and interjecting
cheerful non sequiturs so as not to be overheard.
To admit my father’s infirmity
would bring down the wrath of the God of Nothingness
who listens for a tremulous voice and comes rushing in
to sweep away the weak with icy, unloving breath.
But that god was called years before
during which time he planted a kernel in my father’s brain
which grew, freezing his tongue,
robbing him of his equilibrium.
The god was there when he fell from the boat,
whispering from the warren of my father’s brain,
and it was there when my mother, noting the time,
knew that something was amiss. This god is a cold god,
a hungry god, selfish and with poor sight.
This god has the head of a dog.

Ellen Bass – O importante é

O importante é

amar a vida, ama-la mesmo
quando você não tem estômago para isso
e tudo o que você guardou afetuosamente
se desfaz feito papel queimado em suas mãos,
sua garganta repleta desse lodo.
Quando a dor se senta ao seu lado, seu calor tropical
condensando o ar, pesado como água,
mais apto para guelras do que para pulmões;
quando a dor pesa sobre você como sua própria carne,
só que um pouco mais, uma obesidade de dor,
você pensa: como pode um corpo suportar isso?
Então você segura a vida como um rosto
entre as palmas das mãos, um rosto banal,
sem sorriso encantador nem olhos violeta,
e você diz, sim, eu a aceitarei,
eu a amarei, novamente.

Trad.: Nelson Santander

The Thing Is

to love life, to love it even
when you have no stomach for it
and everything you’ve held dear
crumbles like burnt paper in your hands,
your throat filled with the silt of it.
When grief sits with you, its tropical heat
thickening the air, heavy as water
more fit for gills than lungs;
when grief weights you down like your own flesh
only more of it, an obesity of grief,
you think, How can a body withstand this?
Then you hold life like a face
between your palms, a plain face,
no charming smile, no violet eyes,
and you say, yes, I will take you
I will love you, again.

Abû Al‑Qâsim Ash‑Shâbbî – o coração do poeta

tudo o que voa, trepa, se alça e plana sobre o Universo
aves, flores, perfumes, fontes, ramos dobrados,
mares, grutas, cumes, lugares habitados, vulcões, desertos
sombra e luz, noite e estações, nuvens, trovões,
neve e bruma passageira, furacões, chuvas generosas,
religião e ensinamentos, visões, sensações, silêncio e canto,
tudo isso vive e mexe em meu coração: uma liberdade
irmã da sutil magia dos filhos da eternidade.
no meu coração, aqui sem fundo nem medida,
a morte dança com os espectros da vida.
aqui sopram os terrores da noite,
treme o sofrimento das rosas
e, ao seu eco, ergue‑se a arte.

Trad.: Adalberto Alves

Barbara Crooker – Vida comum

Este foi um dia em que nada aconteceu,
as crianças foram para a escola
sem esquecer de seus livros, lanches, luvas.
Por toda a manhã, o bebê e eu amontoamos pilhas de blocos
no chão de ladrilhos iluminados.
E ao almoço seguiu-se a hora da sesta,
limpei os armários da cozinha,
uma dessas tarefas que nunca realizamos,
e me sentei em um círculo de luz solar
e bebi chá de gengibre,
observando os pássaros no comedouro
disputando as sobras do almoço.
Um faisão desfilou na sebe,
limpou as penas e exibiu sua rútila cabeça.
Agora, um frango assa na panela,
e as crianças retornam,
o murmurar de suas histórias salpicando o ar.
Eu descasco cenouras e batatas sem cortar meu polegar.
Ouvimos juntos o som de seus pneus na entrada.
Damos graças antes do pão.
E, à mesa, conversa de verdade,
sem brigas ou empurrões.
E depois, a lição de casa.
O bebê vai aos seus carrinhos, impele-os
ao longo das serras e colinas do sofá.
Debruçando sobre o balcão, roubamo-nos um beijo longo e lento,
com gosto de creme e café
O frango está reduzido a pele e esqueleto,
a lua, a uma vírgula, uma lasca nevada,
mas este tem sido um dia abençoado
em pleno inverno,
a dura e fria junção do ano,
um dia que se desembrulha
como um inesperado presente,
e as estrelas se acendem,
e se auto-organizam
na noite de inverno.

Trad.: Nelson Santander

N. do T.: Poema vencedor do Byline Chapbook Prize, Byline Press, 2001

Ordinary Life

This was a day when nothing happened,
the children went off to school
remembering their books, lunches, gloves.
All morning, the baby and I built block stacks
in the squares of light on the floor.
And lunch blended into naptime,
I cleaned out kitchen cupboards,
one of those jobs that never gets done,
then sat in a circle of sunlight
and drank ginger tea,
watched the birds at the feeder
jostle over lunch’s little scraps.
A pheasant strutted from the hedgerow,
preened and flashed his jeweled head.
Now a chicken roasts in the pan,
and the children return,
the murmur of their stories dappling the air.
I peel carrots and potatoes without paring my thumb.
We listen together for your wheels on the drive.
Grace before bread.
And at the table, actual conversation,
no bickering or pokes.
And then, the drift into homework.
The baby goes to his cars, drives them
along the sofa’s ridges and hills.
Leaning by the counter, we steal a long slow kiss,
tasting of coffee and cream.
The chicken’s diminished to skin and skeleton,
the moon to a comma, a sliver of white,
but this has been a day of grace
in the dead of winter,
the hard cold knuckle of the year,
a day that unwrapped itself
like an unexpected gift,
and the stars turn on,
order themselves
into the winter night.

Joan Margarit – Faróis na noite

Tento seduzir-te no passado.
As mãos ao volante e esta luz
de boate no painel me permitem
– fantasia invernal – dançar contigo.
Atrás de mim, como um grande caminhão,
o amanhã fabrica explosões de luzes.
Ninguém o conduz e ele me ultrapassa,
mas agora tu e eu viajamos juntos
e a carruagem pode ser a dos cavalos
dos anos sessenta para Paris.
“Je ne regrette rien”, canta Edith Piaf.
Desço o vidro, infiltra-se a noite
fria da rodovia, e o passado
se aproxima de frente, velozmente:
cruza e me cega sem baixar as luzes.

Trad.: Nelson Santander

Faros en la noche

Intento seducirte en el pasado.
Las manos al volante y esta luz
de club nocturno del tablier me dejan
-fantasía invernal- bailar contigo.
Detrás de mí, igual que un gran camión,
el mañana hace ráfagas de luces.
No lo conduce nadie y me adelanta,
pero ahora tú y yo viajamos juntos
y el coche puede ser el dos caballos
de los años sesenta hacia París.
«Je ne regrette rien» canta Edith Piaf.
Bajo la ventanilla, entra la noche
fria de la autopista, y el pasado
se aproxima de cara, velozmente:
cruza y me ciega sin bajar las luces.

Czesław Miłosz – Elegia para N. N.

Diga-me se é muito longe para você.
Você poderia vir sobre as ondas mansas do Báltico
passando pelos campos da Dinamarca, atravessando um bosque de faias,
poderia se voltar para o oceano, e de lá, logo estaria em
Labrador, branca nesta época do ano.
E se você, que sonhava com uma ilha deserta,
tivesse medo das cidades e das luzes piscando ao longo da rodovia,
poderia pegar o caminho direto através do deserto
sobre águas azuis-escuras de degelo, entre as pegadas de cervos e caribus,
até Sierra e as minas de ouro abandonadas.
O rio Sacramento poderia te-la conduzido
entre colinas cobertas de carvalhos espinhosos.
Então, apenas um bosque de eucaliptos, e você me encontraria.

É verdade, quando a manzanita está em flor,
e a baía, clara nas manhãs de primavera,
eu penso com relutância na casa entre os lagos
e nas redes esticadas sob o céu lituano.
A cabine de banho onde você costumava deixar seu vestido
se transformou para sempre em um cristal abstrato.
A escuridão rescendendo a mel está lá, perto da varanda,
e as cômicas corujinhas, e o cheiro de couro.

Como se podia viver naquela época, eu realmente não posso dizer.
Estilos e vestidos oscilam, indistintos,
não autossuficientes, tendendo a um final.
Faz diferença que ansiemos pelas coisas tal como elas eram?
O conhecimento dos anos de fogo chamuscou os cavalos ao lado da caldeiraria,
as esquálidas colunas no mercado,
as escadas de madeira e a peruca de Mama Fliegeltaub.

Nós aprendemos tanto, você bem o sabe:
como, aos poucos, se nos arrebatam o que não podia
ser levado. Pessoas, paisagens.
E que o coração não morre quando achamos que deveria,
nós sorrimos, há chá e pão sobre a mesa.
E que é só remorso por não termos amado
as pobres cinzas de Sachsenhausen
com amor absoluto, além das nossas forças.

Você se habituou a novos e chuvosos invernos,
a uma vila onde o sangue do proprietário alemão
foi lavado das paredes às quais ele nunca mais voltou.
Eu também aceitei, mas o que foi possível, cidades e países.
Não se pode entrar duas vezes no mesmo lago
pisando em folhas apodrecidas de amieiro,
interrompendo uma estreita faixa de sol.

Culpa, sua e minha? Não uma grande culpa.
Segredos, seus e meus? Não grandes segredos.
Não quando nos amarram a mandíbula com um lenço, colocam uma pequena cruz entre os dedos,
e um cão ladra em algum lugar, e irrompe a primeira estrela.

Não, não foi por causa da distância que
você deixou de me visitar naquele dia ou noite.
Ano após ano ela cresce até se apoderar de nós,
eu o entendi, assim como você: indiferença.

Berkeley, 1963

Trad.: Nelson Santander

N. do T.: o poema foi originalmente escrito em polonês. Minha tradução parte de uma versão em inglês, vertida para aquela língua pelo próprio Czesław Miłosz e Lawrence Davis.

Elegy for N. N.

Tell me if it is too far for you.
You could have run over the small waves of the Baltic
and past the fields of Denmark, past a beech wood
could have turned toward the ocean, and there, very soon
Labrador, white at this season.
And if you, who dreamed about a lonely island,
were frightened of cities and of lights flashing along the highway
you had a path straight through the wilderness
over blue-black, melting waters, with tracks of deer and caribou
as far as the Sierras and abandoned gold mines.
The Sacramento River could have led you
between hills overgrown with prickly oaks.
Then just a eucalyptus grove, and you had found me.

True, when the manzanita is in bloom
and the bay is clear on spring mornings
I think reluctantly of the house between the lakes
and of nets drawn in beneath the Lithuanian sky.
The bath cabin where you used to leave your dress
has changed forever into an abstract crystal.
Honey-like darkness is there, near the veranda,
and comic young owls, and the scent of leather.

How could one live at that time, I really can’t say.
Styles and dresses flicker, indistinct,
not self-sufficient, tending toward a finale.
Does it matter that we long for things as they are in themselves?
The knowledge of fiery years has scorched the horses standing at the forge,
the little columns in the marketplace,
the wooden stairs and the wig of Mama Fliegeltaub.

We learned so much, this you know well:
how, gradually, what could not be taken away
is taken. People, countrysides.
And the heart does not die when one thinks it should,
we smile, there is tea and bread on the table.
And only remorse that we did not love
the poor ashes in Sachsenhausen
with absolute love, beyond human power.

You got used to new, wet winters,
to a villa where the blood of the German owner
was washed from the wall, and he never returned.
I too accepted but what was possible, cities and countries.
One cannot step twice into the same lake
on rotting alder leaves,
breaking a narrow sun-streak.

Guilt, yours and mine? Not a great guilt.
Secrets, yours and mine? Not great secrets.
Not when they bind the jaw with a kerchief, put a little cross between the fingers,
and somewhere a dog barks, and the first star flares up.
No, it was not because it was too far
you failed to visit me that day or night.
From year to year it grows in us until it takes hold,
I understood it as you did: indifference.

Berkeley, 1963
Translated by Czesław Miłosz and Lawrence Davis

David Ignatow – Para minha filha, em resposta a uma pergunta

Não, não vamos morrer,
vamos encontrar uma saída.
Respiraremos profundamente
e comeremos com cuidado.
Pensaremos sempre na vida.
Não nos desvaneceremos, nem eu nem você.
Seremos os primeiros
e não riremos de nós mesmos jamais
e seus filhos serão meus netos.
Nada terá mudado,
exceto por acréscimo.
Nunca haverá outra como você
e nunca outro como eu.
Ninguém jamais a confundirá
nem me confundirá com outro.
Nós não seremos esquecidos e ignorados
e enterrados sob os nascimentos e mortes que virão.

Trad.: Nelson Santander

For My Daughter in Reply to a Question

We’re not going to die,
we’ll find a way.
We’ll breathe deeply
and eat carefully.
We’ll think always on life.
There’ll be no fading for you or for me.
We’ll be the first
and we’ll not laugh at ourselves ever
and your children will be my grandchildren.
Nothing will have changed
except by addition.
There’ll never be another as you
and never another as I.
No one ever will confuse you
nor confuse me with another.
We will not be forgotten and passed over
and buried under the births and deaths to come.

Robinson Jeffers – Carmel Point

A extraordinária paciência das coisas!
Este belo lugar desfigurado por uma safra de casas suburbanas —
Quão belo quando o vimos pela primeira vez,
Um campo intacto de papoulas e tremoceiros cercado por límpidas falésias;
Nenhuma intrusão, salvo dois ou três cavalos pastando,
Ou algumas vacas leiteiras esfregando seus flancos nos afloramentos rochosos —
Então chega o espoliador: elas se importam?
Francamente, não, pois têm todo o tempo. Elas sabem que as pessoas são como uma maré
Que sobe e com o tempo reflui, e que todas as
Suas obras se dissolvem. Enquanto isso, a imagem da beleza intocada
Vive no próprio grão do granito.
Segura como o mar sem fim que escala nossas falésias. — Quanto a nós:
Devemos des-centralizar nossas mentes de nós mesmos;
Devemos des-humanizar um pouco nossos pontos de vista, e tornarmo-nos confiantes
Como a rocha e o oceano dos quais fomos feitos.

Trad.: Nelson Santander

Carmel Point

The extraordinary patience of things!
This beautiful place defaced with a crop of suburban houses —
How beautiful when we first beheld it,
Unbroken field of poppy and lupin walled with clean cliffs;
No intrusion but two or three horses pasturing,
Or a few milch cows rubbing their flanks on the outcrop rock-heads —
Now the spoiler has come: does it care?
Not faintly. It has all time. It knows the people are a tide
That swells and in time will ebb, and all
Their works dissolve. Meanwhile the image of the pristine beauty
Lives in the very grain of the granite.
Safe as the endless ocean that climbs our cliff. — As for us:
We must uncenter our minds from ourselves;
We must unhumanize our views a little, and become confident
As the rock and ocean that we were made from.