Andrea Cohen – Crepúsculo

Havia, enquanto caminhávamos pelas planícies salgadas ao crepúsculo,
uma linha invisível

entre nós –
até que eu senti sua tesoura invisível.

Trad.: Nelson Santander

Dusk

There was, as we walked the salt flats at dusk,
an invisible thread

between us –
and then I felt her invisible scissors.

Automedon – da “Antologia Grega”

Mandaste chamá-la, disseste para vir,
preparaste tudo. Mas, se vier, o que farás?
Repara no que se passa contigo, Automedon.
Esse canalha, que era alegre e firme, está
agora flácido, como cenoura cozida, morto
e encolhido entre as pernas. Como irão
rir se te puseres a navegar de mãos
vazias, um remador que perdeu o remo.

Versão: José Alberto Oliveira

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 26/10/2018

Laura Gilpin – Vida após a morte

O que eu sei:
como os vivos seguem vivendo
e como os mortos seguem vivendo com eles

Assim, em uma floresta,
mesmo uma árvore morta projeta uma sombra
e as folhas caem uma a uma
e os galhos se partem com o vento
e a casca se desprende lentamente
e o tronco se racha
e a chuva se infiltra através das rachaduras
e o tronco cai no chão
e o musgo o cobre

e na primavera os coelhos o encontram
e nele constroem seus ninhos
e ali dão à luz seus filhotes
e seus filhotes viverão em segurança
dentro da árvore morta

De modo que nada é desperdiçado na natureza ou no amor

Trad.: Nelson Santander

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Life After Death

The things I know:
how the living go on living
and how the dead go on living with them

So that in a forest
even a dead tree casts a shadow
and the leaves fall one by one
and the branches break in the wind
and the bark peels off slowly
and the trunk cracks
and the rain seeps in through the cracks
and the trunk falls to the ground
and the moss covers it

and in the spring the rabbits find it
and build their nests inside
and have their young
and their young will live safely
inside the dead tree

So that nothing is wasted in nature or in love

Marcus Argentarius – da “Antologia Grega”

Psyllas jaz aqui. A sua ocupação
proxeneta; mantinha um bando
de raparigas e alugava-as para festas.
Um negócio pouco simpático, ganhar
dinheiro com carne humana e fraca.
Mas poupem o seu túmulo, não atirem
pedras, agora que está morto e enterrado.
Lembrem-se disto: os serviços que prestou
convenceram os rapazes a deixarem
as nossas mulheres sossegadas.

Versão: José Alberto Oliveira

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 25/10/2018

Jorge Luis Borges – Maio 20, 1928

Agora é invulnerável como os deuses.
Nada na terra pode feri-lo, nem o desamor de uma 
     mulher, nem a tísica, nem as ansiedades do verso, 
     nem essa coisa branca, a lua, que já não precisa fixar 
     em palavras.
Caminha lentamente sob as tílias; olha as balaustradas 
     e as portas, não para recordá-las.
Já sabe quantas noites e quantas manhãs lhe faltam.
Sua vontade lhe impôs uma severa disciplina. Cumprirá 
     determinados atos, cruzará previstas esquinas, tocará 
     uma árvore ou um gradil, para que o futuro seja tão 
     irrevogável quanto o passado.
Age dessa maneira para que o fato que deseja e teme não 
     seja senão o termo final de uma série.
Caminha pela rua 49; pensa que nunca atravessará este 
     ou aquele saguão lateral.
Sem que ninguém desconfiasse, já se despediu de muitos 
     amigos.
Pensa naquilo que nunca saberá, se o dia seguinte será 
     um dia de chuva.
Cruza com um conhecido e lhe faz um gracejo. Sabe que 
     este episódio, por algum tempo, fará parte do 
     anedotário.
Agora é invulnerável como os mortos.
Na hora marcada, subirá alguns degraus de mármore. 
     (Isto irá perdurar na memória de outros.)
Descerá até o banheiro; no piso axadrezado a água 
     apagará rapidamente o sangue. O espelho o aguarda.
Ajeitará os cabelos, ajustará o nó da gravata (sempre foi 
     um pouco dândi, como convém a um jovem poeta) e 
     tentará imaginar que o outro, o do cristal, executa os 
     atos e que ele, seu duplo, repete-os. Sua mão não irá 
     tremer quando ocorrer o último. Docilmente, 
     magicamente, já terá apoiado a arma contra a 
     têmpora.
Assim, creio, passaram-se as coisas.

Trad.: Josely Vianna Baptista

mayo 20, 1928

Ahora es invulnerable como los dioses.
Nada en la tierra puede herirlo, ni el desamor de una mujer, ni la tisis, ni las ansiedades del verso, ni esa cosa blanca, la luna, que ya no tiene que fijar en palabras.
Camina lentamente bajo los tilos; mira las balaustradas y las puertas, no para recordarlas.
Ya sabe cuántas noches y cuántas mañanas le faltan.
Su voluntad le ha impuesto una disciplina precisa. Hará determinados actos, cruzará previstas esquinas, tocará un árbol o una reja, para que el porvenir sea tan irrevocable como el pasado.
Obra de esa manera para que el hecho que desea y que teme no sea otra cosa que el término final de una serie.
Camina por la calle 49; piensa que nunca atravesará tal o cual zaguán lateral.
Sin que lo sospecharan, se ha despedido ya de muchos amigos.
Piensa lo que nunca sabrá, si el día siguiente será un día de lluvia.
Se cruza con un conocido y le hace una broma. Sabe que este episodio será, durante algún tiempo, una anécdota.
Ahora es invulnerable como los muertos.
En la hora fijada, subirá por unos escalones de mármol. (Esto perdurará en la memoria de otros.)
Bajará al lavatorio; en el piso ajedrezado el agua borrará muy pronto la sangre. El espejo lo aguarda.
Se alisará el pelo, se ajustará el nudo de la corbata (siempre fue un poco dandy, como cuadra a un joven poeta) y tratará de imaginar que el otro, el del cristal, ejecuta los actos y que él, su doble, los repite. La mano no le temblará cuando ocurra el último. Dócilmente, mágicamente, ya habrá apoyado el arma contra la sien.
Así, lo creo, sucedieron las cosas.

Platão – da “Antologia Grega”

Eu, Lais, que escarneci dos gregos
e enxame de amantes retive à porta,
ofereço a Afrodite o meu espelho. Não olharei
para esta cara e não consigo ver a anterior.

Versão: José Alberto Oliveira

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 24/10/2018

Adam Zagajewski – Amizades impossíveis

Por exemplo, com alguém que já não existe mais,
que vive apenas nas cartas amareladas.

Ou longas caminhadas à beira de um córrego,
cujas profundezas guardam xícaras de porcelana

ocultas — e conversas sobre filosofia
com um tímido estudante ou um carteiro.

Um transeunte de olhar altivo
a quem você nunca conhecerá.

Amizade com este mundo cada vez mais perfeito
(se não fosse pelo cheiro salgado de sangue).

O velho que lhe faz lembrar alguém
tomando café em St.-Lazare.

Rostos passando rapidamente
nos trens urbanos —

as felizes faces de viajantes que se dirigem talvez
para um esplêndido baile, ou para uma decapitação.

E a amizade consigo mesmo
— pois, afinal de contas, você não sabe quem é.

Trad.: Nelson Santander a partir da versão do poema em inglês traduzido por Clare Cavanagh

Impossible Friendships

For example, with someone who no longer is,
who exists only in yellowed letters.

Or long walks beside a stream,
whose depths hold hidden

porcelain cups—and the talks about philosophy
with a timid student or the postman.

A passerby with proud eyes
whom you’ll never know.

Friendship with this world, ever more perfect
(if not for the salty smell of blood).

The old man sipping coffee
in St.-Lazare, who reminds you of someone.

Faces flashing by
in local trains—

the happy faces of travelers headed perhaps
for a splendid ball, or a beheading.

And friendship with yourself
—since after all you don’t know who you are.

Linda Hogan – Noite ártica, luzes cruzando o céu

Estamos entrelaçados,
corpo a corpo, célula a célula,
um braço sobre o outro.
O mundo é um leito para a noite fria,
um gato aninhado na dobra de um joelho,
um cachorro aos nossos pés,
minha mão na sua, estamos abraçados
na presença animal, calidez,
o mar lá fora ressoando
ondas de inverno, uma chegando após a outra
do mistério distante,
onde, no fundo do mar,
habitam outros seres
que criam sua própria luz,
este mundo todo um único pulsar.

Trad.: Nelson Santander

Arctic Night, Lights Across the Sky

We are curved together,
body to body, cell to cell,
arm over another.
The world is the bed for the cold night,
one cat curled in the bend of a knee,
dog at the feet,
my hand in yours, we are embraced
in animal presence, warmth,
the sea outside sounding
winter waves, one arriving after another
from the mystery far out
where in the depths of the sea
are other beings
that create their own light,
this world all one heartbeat.

Jaime Sabines – Sobre a Morte do Major Sabines

Primeira Parte

I

Deixa-me repousar,
relaxar os músculos do coração
e colocar a alma para dormir
para poder falar,
para poder recordar estes dias,
os mais longos dos tempos.

Mal convalescemos da aflição
e estamos fracos, assustados,
despertando duas ou três vezes do nosso escasso sonho
para ver-te na noite e saber que respiras.
Precisamos despertar para estar mais despertos
deste pesadelo repleto de gente e de ruídos.

Tu eras o tronco invulnerável e nós os galhos,
é por isso que este machado nos sacode.
Diante de tua morte nunca paramos
para refletir sobre a morte,
nem te vimos nunca senão com força e alegria.
Não sabemos bem, mas de repente chega
um aviso incessante,
uma desprendida espada da boca de Deus
que cai e cai e cai lentamente.
E aqui estamos, tremendo de medo,
sufocando com nosso pranto reprimido,
apertando nossa garganta, o medo.
Começamos a andar e não paramos
jamais de andar, depois da meia noite,
no corredor daquele sanatório silencioso
onde há uma enfermeira acordada de plantão.
Esperar que morresses era morrer lentamente,
pingar do tubo da morte,
morrer aos poucos, aos pedaços.

Não houve hora mais interminável do que quando não estavas dormindo,
nem túnel mais espesso de horror e de miséria
do que aquele que se encheu de teus lamentos,
de teu pobre corpo ferido.

II

Do mar, também do mar,
do tecido envolvente do mar,
dos golpes do mar e de sua boca,
de sua vagina escura,
de seu vômito,
de sua pureza sombria e profunda,
vem a morte, Deus, o aguaceiro
golpeando as persianas,
a noite, o vento.

Da terra também,
das raízes agudas das casas,
das bases descalças e ensanguentadas das árvores,
de algumas rochas antigas que não podem ser removidas,
de tristes atoleiros, ataúdes de água,
de troncos caídos em que agora dorme o raio,
e do capim, que é a sombra dos ramos do céu,
vem Deus, o maneta de cem mãos,
cego de muitos olhos,
dulcíssimo, impotente
(Omniausente, cheio de amor,
o velho surdo, sem filhos,
derrama seu coração no cálice de seu ventre).

Dos ossos também,
do mais puro sal do sangue,
do ácido mais fiel,
da alma mais profunda e verdadeira,
do alimento mais inspirado,
do fígado e do pranto,
vem as ondas tensas da morte,
o frio suor da esperança,
e vem Deus sorrindo.

Caminham os livros para a fogueira.
Sobe o pano: aparece o mar.

(Eu não sou o autor do mar).

III

Sete quedas sofreu a espiga em minha mão
antes que minha fome a encontrasse,
sete vezes mil eu morri
e estou sorridente como no primeiro dia.
Ninguém dirá: ele não sabia da vida
mais do que os bois, nem menos do que as andorinhas.
Sempre fui homem, amigo fiel do cão,
desmemoriado filho de Deus,
irmão do vento.
Fodam-se as lágrimas!, eu disse,
e me pus a chorar
como alguém dando à luz.
Estou descalço, gosto de passear a água e as pedras,
as mulheres, o tempo,
gosto de passear a erva que crescerá sobre meu túmulo
(se é que terei um túmulo algum dia).
Gosto do minha roseira de cera
no jardim que a noite visita.
Gosto de meus avós de palha de milho
e gosto dos meus sapatos vazios
esperando por mim como o dia de amanhã.
Foda-se a morte!, eu disse,
sombra do meu sonho,
perversão dos anjos,
e me entreguei à morte
como uma pedra ao rio,
como um disparo nos pássaros voando.

IV

Vamos falar sobre o Príncipe Câncer,
Senhor dos Pulmões, Varão da Próstata,
que se diverte atirando dardos
nos ovários de seda, nas vaginas murchas,
nas virilhas multitudinárias.

Meu pai tem o mais belo nódulo de câncer
na base do pescoço, sob a clavícula,
tubérculo do bom Deus,
ampulheta da boa morte,
e eu mando à merda todos os sóis do mundo.
O Senhor Câncer, O Senhor Sacana,
é só um instrumento nas mãos escuras
daqueles doces personagens que criam a vida.

Nas quatro gavetas do arquivo de madeira
eu guardo os nomes que amo,
as roupas dos fantasmas da família,
as palavras que assombram
e minhas peles sucessivas.

Também estão os rostos de algumas mulheres
os olhos amados e solitários
e o beijo casto da cópula.
E das gavetas saem meus filhos.
Bem haja a sombra da árvore
que atinge a terra,
porque é a luz que chega!

V

Das nove em diante,
vendo televisão e conversando
estou esperando a morte do meu pai.
Há três meses, esperando.
No trabalho e na embriaguez,
na cama sem ninguém e no quarto das crianças,
em sua dor tão plena e fecunda,
sua insônia, sua queixa e seu protesto,
no tanque de oxigênio e nos dentes
do dia que amanhece, buscando a esperança.

Olhando o seu cadáver nos ossos
que são agora meu pai,
e introduzindo agulhas nas escassas veias,
tentando enfiar-lhe vida,
soprar-lhe na boca o ar…

(Envergonho-me de mim
por tentar escrever estas coisas.
Maldito o que crê que isto é um poema!)

O que eu quero dizer é que não sou enfermeiro,
cafetão da morte,
orador de cemitérios, gigolô,
menino de recados de Deus, sacerdote das aflições.
O que eu quero dizer é que a mim me sobra ar…

VI

Enterramos-te ontem.
Ontem te enterramos.
Cobrimos-te de terra ontem.
Ficaste na terra ontem.
Estás rodeado de terra
desde ontem.
Acima e abaixo e dos lados
por teus pés e tua cabeça
está a terra desde ontem.
Metemos-te na terra,
cercamos-te com terra ontem.
Pertences à terra
desde ontem.
Ontem te enterramos
na terra, ontem.

VII

Mãe generosa
de todos os mortos,
mãe terra, mãe,
vagina do frio,
braços da intempérie,
colo do vento,
ninho da noite,
mãe da morte,
recolhe-o, abriga-o,
desnuda-o, toma-o,
guarda-o, termina-o.

VIII

Não poderás morrer.
Debaixo da terra
não poderás morrer.
Sem água e sem ar
não poderás morrer.

Sem açúcar, sem leite,
sem feijão, sem carne,
sem farinha, sem figos,
não poderás morrer.
Sem mulher e sem filhos
não poderás morrer.
Debaixo da vida
não poderás morrer
Em teu tanque de terra
não poderás morrer.
Em teu caixão de defunto
não poderás morrer.

Em tuas veias sem sangue
não poderás morrer.

Em teu peito vazio
não poderás morrer.
Em tua boca sem fogo
não poderás morrer.
Em teus olhos sem ninguém
não poderás morrer.
Em tua carne sem pranto
não poderás morrer.
Não poderás morrer.
Não poderás morrer.
Não poderás morrer.

Enterramos teu terno,
teus sapatos, o câncer;
não poderás morrer.
Teu silêncio enterramos.
Teu corpo com cadeados.
Teus finos cabelos grisalhos,
tua dor enclausurada.
Não poderás morrer.

IX

Tu foste não sei para onde.
Teu quarto espera por ti.
Mamãe, Juan e Jorge
estamos todos esperando por ti.
Deram-nos abraços
de condolência, e recebemos
cartas, telegramas, noticias
de que te enterramos,
mas tua neta mais nova
te procura no quarto,
e todos, sem dize-lo,
estamos esperando por ti.

X

És um interminável pesadelo,
um filme estúpido de terror,
um túnel sem fim
cheio de pedras e poças.
Que tempo maldito este,
que revolve as horas e os anos,
o sonho e a consciência,
o olho aberto e o morrer lentamente!

XI

Recém-nascido no leito de morte,
criatura de paz, imóvel, terno,
Neném do sol de rosto negro,
embalado no berço do silêncio,
amamentando-se da escuridão, boca vazia,
olhar apagado, coração deserto.

Pulmão sem ar, meu filho, meu velho,
céu enterrado, primavera aérea,
tornar-me-ei um pranto clandestino
para direcionar meus olhos para teu peito.

XII

Morrer é retirar-se, por-se de lado,
ocultar-se por um tempo, ficar quieto,
atravessar o ar de costa a costa a nado
e estar em todo lugar mas discreto.

Morrer é esquecer, ser esquecido,
refugiar-se nu no discreto
calor de Deus, e em seu obstruído
punho, crescer como um feto.

Morrer é se acender em decúbito frontal
e olhar para o osso e a cal e a fumaça
e tornar-se terra num esforço laboral.

Apagar-se é morrer, devagar e depressa,
capturar a eternidade por missão
e espalhar a alma na carcaça.

XIII

Meu pai, meu senhor, irmão meu,
amigo de minha alma, terno e forte,
recupera teu velho corpo, velho meu,
recupera teu corpo da morte.

Recupera teu coração como um rio,
tua fronte limpa que era meu consolo,
teu braço como um árvore no frio,
recupera todo teu corpo do solo.

Amo teus cabelos brancos, teu maxilar austero,
tua boca firme e tua visão alerta,
teu peito vasto e sólido e certeiro.

Eu te chamo, derrubo tua porta aberta.
Parece que sou eu que me dilacero:
Meu pai, desperta!

XIV

Não se quebrou o copo em que bebeste,
nem a taça, nem o tubo, nem teu prato.
Não se queimou a cama em que morreste,
nem sacrificamos um gato.

Tudo sobrevive a ti. Tudo permanece
apesar de tua morte e de minha mágoa.
É como se a vida nos descompusesse
como o câncer sobre tua espádua.

Te enterramos, te choramos, te morremos,
Estás bem morto e bem fodido e sem sementes
enquanto pensamos no que não fizemos

e queremos ter-te mesmo que estejas doente.
Nada do que eras, foste e fomos
a não ser de teu inferno habitantes.

XV

Meu pai por trinta ou quarenta anos,
meu melhor amigo o tempo todo,
guardião de meus medos, minha força,
fala nítida, coração resoluto,

morreste quando menos falta fazias,
quando mais falta me fazes, pai, avô,
filho e irmão meu, esponja do meu sangue,
lenço dos meus olhos, travesseiro dos meus sonhos.

Morreste e me mataste um pouco.
Porque não estás, já não seremos nunca
completos, em um lugar, de alguma maneira.

Algo está faltando ao mundo, e tu achaste por bem
empobrece-lo ainda mais e, por conta própria,
fazer tua gente triste e teu Deus feliz.

XVI

(27 de novembro)

É possível que abras os olhos e nos veja agora?
Poderás nos ouvir?
Poderás estender tuas mãos por um momento?

Estamos aqui, ao teu lado. Teu aniversário
é nossa festa, meu velho.
Tua esposa e teus filhos, tuas noras e teus netos
viemos todos abraçar-te, meu velho.
Tens que estar ouvindo!
Não comeces a chorar como nós,
porque tua morte não é senão um pretexto
para chorar por todos,
pelos que estão vivendo.
Um muro caído nos separa,
somente o corpo de Deus, somente teu corpo.

XVII

Acostumei-me a conservar-te, carregar-te comigo
como alguém carrega seu braço, seu corpo, sua cabeça.
Não eras distinto de mim, nem eras parecido.
Eras, quando estou triste, minha tristeza.

Eras, quando eu caía, meu abismo,
quando levantava, minha fortaleza.
Eras brisa e suor e cataclismo
e eras o pão quente sobre a mesa.

Amputado de ti, homem semifeito
ou sombra de ti, apenas tua cria,
de alma desmantelada, aberto o peito,

ofereço um crucifixo à tua agonia:
dou-te um pau, uma pedra, um feto,
meus filhos, minha angústia e meus dias.

Parte Final

I

Enquanto as crianças crescem, tu, com todos os mortos,
pouco a pouco te acabas.
Estive te observando durante as noites
por cima do mármore, em tua pequena casa.
Um dia já sem olhos, sem nariz, sem orelhas,
outro dia sem garganta,
a pele de tua fronte rompendo-se, afundando,
colhendo sombriamente o trigo de teus cabelos grisalhos.
Todo teu ser imerso em umidade e gases
produzindo teus restos, tua desordem, tua alma,
tua carne cada vez mais como teu terno,
mais madeira teus ossos, e mais ossos as tábuas.
Terra molhada onde havia tua boca,
ar putrefato, luz aniquilada,
o silêncio abarcando todo teu ser,
germinando borbulhas sob as plantas aquáticas.
(Sete palmos acima da terra, flores dominicais
querem te dar um beijo e não te dão nada).

II

Enquanto as crianças crescem e as horas nos falam,
tu, subterraneamente, lentamente, te extingues.
Lume enterrado e solitário, pavio da sombra,
veio de horror para quem te escava.

É tão fácil dizer “meu pai”
e tão difícil encontrar-te, larva
de Deus, semente de esperança!

Às vezes quero chorar e não quero
porque me traspassas
como um desabamento, porque te moves
como um vento formidável, como um calafrio
sob os lençóis,
como uma lerda larva ao largo da alma.

Se ao menos pudesse dizer: “papai, cebola,
pó, cansaço, nada, nada, nada”!
Se com um gole eu pudesse tragar-te!
Se, com esta dor, apunhalar-te!
Se, com este desvelo de memórias
– ferida aberta, vômito de sangue –
agarrar-te a face!

Eu sei que nem você nem eu,
nem um par de válvulas,
nem um bezerro de cobre, nem um par de asas
sustendo a morte, nem a espuma
em que naufraga o mar, nem – não – as praias,
a areia, a pedra, submissa ao vento e à água,
nem a árvore que é o avô de sua sombra,
nem nosso sol, enteado de seus ramos,
nem a fruta madura, incandescente,
nem a raiz de pérolas e de escamas,
nem teu tio, nem teu tetraneto, nem teus soluços,
nem minha loucura, e nem tuas costas
saberão do tempo sombrio que nos permeia
das veias mornas aos cabelos brancos.

(Tempo vazio, frasco de vinagre,
caracol recordando a ressaca)

Eis que tudo vem, tudo vai,
tudo, tudo chega ao fim.
Mas tu? Eu? Nós?
Para que nós levantamos nossas vozes?
De que serviu o amor?
Qual era a muralha
que detinha a morte? Onde estava
a negra criança que te velava?

Anjos degolados coloquei aos pés do teu caixão,
e cobri-te de terra, pedras, lágrimas,
para que não partas, para que não partas.

III

O mundo segue em frente, o tempo não para,
máscaras vem e vão.
Amanhece a dor um dia após o outro,
nos rodeamos de amigos e fantasmas,
às vezes parece que um arame extrai
o sangue, que uma flor rebenta,
que o coração dá frutos, e o cansaço
canta.

Embriagados, fartando-se de mulher e de bebida,
esperando crescer como as plantas,
fixo, imóvel, girando
na chama invisível.
Enquanto você, o forte, o generoso,
o despojado de mentiras e infâmias,
guerreiro da paz, juiz de vitórias
– cedro do Líbano, carvalhal de Chiapas –
te ocultas na terra, regressas
à tua raiz escura e desolada.

IV

Um ano ou dois ou três,
o que te importa?
O que é o tempo na morte? Que sino
incessante, silencioso, soa e soa?
Que subterrânea voz não pronunciada?
Que grito submerso, naufragando, interminável,
dos dentes de trás, na garganta
aérea, flutuante, detém as escamas?

Viver para isso? Para sentir os braços
e as pernas e a face penhorados,
arrendados à cova, os sucos
enlaçados nas cascas?
Para espremer os olhos noite
após noite no tremor escuro da cama,
redemoinho de imóveis transparências,
declínio da náusea?

Morrer para isso?
Para inventar a alma,
a veste de Deus, a eternidade, a água
do aguaceiro da morte, a esperança?
Morrer para pescar?
Para capturar a aranha com sua teia?

Estás em uma praia de algodões
e teus moais de sombras sobem e descem.

V

Minha mãe solitária, afundada em sua velhice,
sem dor e sem lamúria,
ferida por tua morte e por tua vida.

Foi isto o que deixaste. Tua paixão altiva,
Teu estro firme, teu labor sombrio.
Árvore frutífera a um passo da lenha,
seu curvo sonho que te ressuscita.
Foi isto o que deixaste. O que deixaste e não querias.

Passou o vendaval. Tudo o que restou da casa
foram o poço destampado e a base em ruínas.
E chorar é em vão. E se golpeias
as paredes de Deus, e se arrancas
os próprios cabelos ou tua camisa,
ninguém te ouve jamais, ninguém te olha.
Ninguém, nada regressa. Não retorna
o pó de ouro da vida.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO, com alterações na tradução: poema publicado na página originalmente em 18/10/2018

Algo Sobre la Muerte de Mayor Sabines

Primera parte

I

Déjame reposar,
aflojar los músculos del corazón
y poner a dormitar el alma
para poder hablar,
para poder recordar estos días,
los más largos del tiempo.

Convalecemos de la angustia apenas
y estamos débiles, asustadizos,
despertando dos o tres veces de nuestro escaso sueño
para verte en la noche y saber que respiras.
Necesitamos despertar para estar más despiertos
en esta pesadilla llena de gentes y de ruidos.

Tú eres el tronco invulnerable y nosotros las ramas,
por eso es que este hachazo nos sacude.
Nunca frente a tu muerte nos paramos
a pensar en la muerte,
ni te hemos visto nunca sino como la fuerza y la alegría.
No lo sabemos bien, pero de pronto llega
un incesante aviso,
una escapada espada de la boca de Dios
que cae y cae y cae lentamente.
Y he aquí que temblamos de miedo,
que nos ahoga el llanto contenido,
que nos aprieta la garganta el miedo.
Nos echamos a andar y no paramos
de andar jamás, después de medianoche,
en ese pasillo del sanatorio silencioso
donde hay una enfermera despierta de ángel.
Esperar que murieras era morir despacio,
estar goteando del tubo de la muerte,
morir poco, a pedazos.

No ha habido hora más larga que cuando no dormías,
ni túnel más espeso de horror y de miseria
que el que llenaban tus lamentos,
tu pobre cuerpo herido.

II

Del mar, también del mar,
de la tela del mar que nos envuelve,
de los golpes del mar y de su boca,
de su vagina obscura,
de su vómito,
de su pureza tétrica y profunda,
vienen la muerte, Dios, el aguacero
golpeando las persianas,
la noche, el viento.

De la tierra también,
de las raíces agudas de las casas,
del pie desnudo y sangrante de los árboles,
de algunas rocas viejas que no pueden moverse,
de lamentables charcos, ataúdes del agua,
de troncos derribados en que ahora duerme el rayo,
y de la yerba, que es la sombra de las ramas del cielo,
viene Dios, el manco de cien manos,
ciego de tantos ojos,
dulcísimo, impotente.
(Omniausente, lleno de amor,
el viejo sordo, sin hijos,
derrama su corazón en la copa de su vientre).

De los huesos también,
de la sal más entera de la sangre,
del ácido más fiel,
del alma más profunda y verdadera,
del alimento más entusiasmado,
del hígado y del llanto,
viene el oleaje tenso de la muerte,
el frío sudor de la esperanza,
y viene Dios riendo.

Caminan los libros a la hoguera.
Se levanta el telón: aparece el mar.

(Yo no soy el autor del mar).

III

Siete caídas sufrió el elote de mi mano
antes de que mi hambre lo encontrara,
siete veces mil veces he muerto
y estoy risueño como en el primer día.
Nadie dirá: no supo de la vida
más que los bueyes, ni menos que las golondrinas.
Yo siempre he sido el hombre, amigo fiel del perro,
hijo de Dios desmemoriado,
hermano del viento.
¡A la chingada las lágrimas!, dije,
y me puse a llorar
como se ponen a parir.
Estoy descalzo, me gusta pisar el agua y las piedras,
las mujeres, el tiempo,
me gusta pisar la yerba que crecerá sobre mi tumba
(si es que tengo una tumba algún día).
Me gusta mi rosal de cera
en el jardín que la noche visita.
Me gustan mis abuelos de totomoste
y me gustan mis zapatos vacíos
esperándome como el día de mañana.
¡A la chingada la muerte!, dije,
sombra de mi sueño,
perversión de los ángeles,
y me entregué a morir
como una piedra al río,
como un disparo al vuelo de los pájaros.

IV

Vamos a hablar del Príncipe Cáncer,
Señor de los Pulmones, Varón de la Próstata,
que se divierte arrojando dardos
a los ovarios tersos, a las vaginas mustias,
a las ingles multitudinarias.

Mi padre tiene el ganglio más hermoso del cáncer
en la raíz del cuello, sobre la subclavia,
tubérculo del bueno de Dios,
ampolleta de la buena muerte,
y yo mando a la chingada a todos los soles del mundo.
El Señor Cáncer, El Señor Pendejo,
es sólo un instrumento en las manos obscuras
de los dulces personajes que hacen la vida.

En las cuatro gavetas del archivero de madera
guardo los nombres queridos,
la ropa de los fantasmas familiares,
las palabras que rondan
y mis pieles sucesivas.

También están los rostros de algunas mujeres
los ojos amados y solos
y el beso casto del coito.
Y de las gavetas salen mis hijos.
¡Bien haya la sombra del árbol
llegando a la tierra,
porque es la luz que llega!

V

De las nueve de la noche en adelante,
viendo televisión y conversando
estoy esperando la muerte de mi padre.
Desde hace tres meses, esperando.
En el trabajo y en la borrachera,
en la cama sin nadie y en el cuarto de niños,
en su dolor tan lleno y derramado,
su no dormir, su queja y su protesta,
en el tanque de oxígeno y las muelas
del día que amanece, buscando la esperanza.

Mirando su cadáver en los huesos
que es ahora mi padre,
e introduciendo agujas en las escasas venas,
tratando de meterle la vida,
de soplarle en la boca el aire…

(Me avergüenzo de mí hasta los pelos
por tratar de escribir estas cosas.
¡Maldito el que crea que esto es un poema!)

Quiero decir que no soy enfermero,
padrote de la muerte,
orador de panteones, alcahuete,
pinche de Dios, sacerdote de las penas.
Quiero decir que a mí me sobra el aire…

VI

Te enterramos ayer.
Ayer te enterramos.
Te echamos tierra ayer.
Quedaste en la tierra ayer.
Estás rodeado de tierra
desde ayer.
Arriba y abajo y a los lados
por tus pies y por tu cabeza
está la tierra desde ayer.
Te metimos en la tierra,
te tapamos con tierra ayer.
Perteneces a la tierra
desde ayer.
Ayer te enterramos
en la tierra, ayer.

VII

Madre generosa
de todos los muertos,
madre tierra, madre,
vagina del frío,
brazos de intemperie,
regazo del viento,
nido de la noche,
madre de la muerte,
recógelo, abrígalo,
desnúdalo, tómalo,
guárdalo, acábalo.

VIII

No podrás morir.
Debajo de la tierra
no podrás morir.
Sin agua y sin aire
no podrás morir.

Sin azúcar, sin leche,
sin frijoles, sin carne,
sin harina, sin higos,
no podrás morir.
Sin mujer y sin hijos
no podrás morir.
Debajo de la vida
no podrás morir.
En tu tanque de tierra
no podrás morir.
En tu caja de muerto
no podrás morir.

En tus venas sin sangre
no podrás morir.

En tu pecho vacío
no podrás morir.
En tu boca sin fuego
no podrás morir.
En tus ojos sin nadie
no podrás morir.
En tu carne sin llanto
no podrás morir.
No podrás morir.
No podrás morir.
No podrás morir.

Enterramos tu traje,
tus zapatos, el cáncer;
no podrás morir.
Tu silencio enterramos.
Tu cuerpo con candados.
Tus canas finas,
tu dolor clausurado.
No podrás morir.

IX

Te fuiste no sé a dónde.
Te espera tu cuarto.
Mi mamá, Juan y Jorge
te estamos esperando.
Nos han dado abrazos
de condolencia, y recibimos
cartas, telegramas, noticias
de que te enterramos,
pero tu nieta más pequeña
te busca en el cuarto,
y todos, sin decirlo,
te estamos esperando.

X

Es un mal sueño largo,
una tonta película de espanto,
un túnel que no acaba
lleno de piedras y de charcos.
¡Qué tiempo éste, maldito,
que revuelve las horas y los años,
el sueño y la conciencia,
el ojo abierto y el morir despacio!

XI

Recién parido en el lecho de la muerte,
criatura de la paz, inmóvil, tierno,
recién niño del sol de rostro negro,
arrullado en la cuna del silencio,
mamando obscuridad, boca vacía,
ojo apagado, corazón desierto.

Pulmón sin aire, niño mío, viejo,
cielo enterrado y manantial aéreo
voy a volverme un llanto subterráneo
para echarte mis ojos en tu pecho.

XII

Morir es retirarse, hacerse a un lado,
ocultarse un momento, estarse quieto,
pasar el aire de una orilla a nado
y estar en todas partes en secreto.

Morir es olvidar, ser olvidado,
refugiarse desnudo en el discreto
calor de Dios, y en su cerrado
puño, crecer igual que un feto.

Morir es encenderse bocabajo
hacia el humo y el hueso y la caliza
y hacerse tierra y tierra con trabajo.

Apagarse es morir, lento y aprisa
tomar la eternidad como a destajo
y repartir el alma en la ceniza.

XIII

Padre mío, señor mío, hermano mío,
amigo de mi alma, tierno y fuerte,
saca tu cuerpo viejo, viejo mío,
saca tu cuerpo de la muerte.

Saca tu corazón igual que un río,
tu frente limpia en que aprendí a quererte,
tu brazo como un árbol en el frío
saca todo tu cuerpo de la muerte.

Amo tus canas, tu mentón austero,
tu boca firme y tu mirada abierta,
tu pecho vasto y sólido y certero.

Estoy llamando, tirándote la puerta.
Parece que yo soy el que me muero:
¡padre mío, despierta!

XIV

No se ha roto ese vaso en que bebiste,
ni la taza, ni el tubo, ni tu plato.
Ni se quemó la cama en que moriste,
ni sacrificamos un gato.

Te sobrevive todo. Todo existe
a pesar de tu muerte y de mi flato.
Parece que la vida nos embiste
igual que el cáncer sobre tu omoplato.

Te enterramos, te lloramos, te morimos,
te estás bien muerto y bien jodido y yermo
mientras pensamos en lo que no hicimos

y queremos tenerte aunque sea enfermo.
Nada de lo que fuiste, fuiste y fuimos
a no ser habitantes de tu infierno.

XV

Papá por treinta o por cuarenta años,
amigo de mi vida todo el tiempo,
protector de mi miedo, brazo mío,
palabra clara, corazón resuelto,

te has muerto cuando menos falta hacías,
cuando más falta me haces, padre, abuelo,
hijo y hermano mío, esponja de mi sangre,
pañuelo de mis ojos, almohada de mi sueño.

Te has muerto y me has matado un poco.
Porque no estás, ya no estaremos nunca
completos, en un sitio, de algún modo.

Algo le falta al mundo, y tú te has puesto
a empobrecerlo más, y a hacer a solas
tus gentes tristes y tu Dios contento.

XVI

(Noviembre 27)

¿Será posible que abras los ojos y nos veas ahora?
¿Podrás oírnos?
¿Podrás sacar tus manos un momento?

Estamos a tu lado. Es nuestra fiesta,
tu cumpleaños, viejo.
Tu mujer y tus hijos, tus nueras y tus nietos
venimos a abrazarte, todos, viejo.
¡Tienes que estar oyendo!
No vayas a llorar como nosotros
porque tu muerte no es sino un pretexto
para llorar por todos,
por los que están viviendo.
Una pared caída nos separa,
sólo el cuerpo de Dios, sólo su cuerpo.

XVII

Me acostumbré a guardarte, a llevarte lo mismo
que lleva uno su brazo, su cuerpo, su cabeza.
No eras distinto a mí, ni eras lo mismo.
Eras, cuando estoy triste, mi tristeza.

Eras, cuando caía, eras mi abismo,
cuando me levantaba, mi fortaleza.
Eras brisa y sudor y cataclismo
y eras el pan caliente sobre la mesa.

Amputado de ti, a medias hecho
hombre o sombra de ti, sólo tu hijo,
desmantelada el alma, abierto el pecho,

ofrezco a tu dolor un crucifijo:
te doy un palo, una piedra, un helecho,
mis hijos y mis días, y me aflijo.

Parte Final

I

Mientras los niños crecen, tú, con todos los muertos,
poco a poco te acabas.
Yo te he ido mirando a través de las noches
por encima del mármol, en tu pequeña casa.
Un día ya sin ojos, sin nariz, sin orejas,
otro día sin garganta,
la piel sobre tu frente agrietándose, hundiéndose,
tronchando obscuramente el trigal de tus canas.
Todo tú sumergido en humedad y gases
haciendo tus desechos, tu desorden, tu alma,
cada vez más igual tu carne que tu traje,
más madera tus huesos y más huesos las tablas.
Tierra mojada donde había tu boca,
aire podrido, luz aniquilada,
el silencio tendido a todo tu tamaño
germinando burbujas bajo las hojas de agua.
(Flores dominicales a dos metros arriba
te quieren pasar besos y no te pasan nada.)

II

Mientras los niños crecen y las horas nos hablan
tú, subterráneamente, lentamente, te apagas.
Lumbre enterrada y sola, pabilo de la sombra,
veta de horror para el que te escarba.

¡Es tan fácil decirte “padre mío”
y es tan difícil encontrarte, larva
de Dios, semilla de esperanza!

Quiero llorar a veces, y no quiero
llorar porque me pasas
como un derrumbe, porque pasas
como un viento tremendo, como un escalofrío
debajo de las sábanas,
como un gusano lento a lo largo del alma.

¡Si sólo se pudiera decir: “papá, cebolla,
polvo, cansancio, nada, nada, nada”!
¡Si con un trago te tragara!
¡Si con este dolor te apuñalara!
¡Si con este desvelo de memorias
—herida abierta, vómito de sangre—
te agarrara la cara!

Yo sé que tú ni yo,
ni un par de valvas,
ni un becerro de cobre, ni unas alas
sosteniendo la muerte, ni la espuma
en que naufraga el mar, ni —no— las playas,
la arena, la sumisa piedra con viento y agua,
ni el árbol que es abuelo de su sombra,
ni nuestro sol, hijastro de sus ramas,
ni la fruta madura, incandescente,
ni la raíz de perlas y de escamas,
ni tu tío, ni tu chozno, ni tu hipo,
ni mi locura, y ni tus espaldas,
sabrán del tiempo obscuro que nos corre
desde las venas tibias a las canas.

(Tiempo vacío, ampolla de vinagre,
caracol recordando la resaca.)

He aquí que todo viene, todo pasa,
todo, todo se acaba.
¿Pero tú? ¿pero yo? ¿pero nosotros?
¿para qué levantamos la palabra?
¿de qué sirvió el amor?
¿cuál era la muralla
que detenía la muerte? ¿dónde estaba
el niño negro de tu guarda?

Ángeles degollados puse al pie de tu caja,
y te eché encima tierra, piedras, lágrimas,
para que ya no salgas, para que no salgas.

III

Sigue el mundo su paso, rueda el tiempo
y van y vienen máscaras.
Amanece el dolor un día tras otro,
nos rodeamos de amigos y fantasmas,
parece a veces que un alambre estira
la sangre, que una flor estalla,
que el corazón da frutas, y el cansancio
canta.

Embrocados, bebiendo en la mujer y el trago,
apostando a crecer como las plantas,
fijos, inmóviles, girando
en la invisible llama.
Y mientras tú, el fuerte, el generoso,
el limpio de mentiras y de infamias,
guerrero de la paz, juez de victorias
—cedro del Líbano, robledal de Chiapas—
te ocultas en la tierra, te remontas
a tu raíz obscura y desolada.

IV

Un año o dos o tres,
te da lo mismo.
¿Cuál reloj en la muerte?, ¿qué campana
incesante, silenciosa, llama y llama?
¿qué subterránea voz no pronunciada?
¿qué grito hundido, hundiéndose, infinito
de los dientes atrás, en la garganta
aérea, flotante, pare escamas?

¿Para esto vivir? ¿para sentir prestados
los brazos y las piernas y la cara,
arrendados al hoyo, entretenidos
los jugos en la cáscara?
¿para exprimir los ojos noche
a noche en el temblor obscuro de la cama,
remolino de quietas transparencias,
descendimiento de la náusea?

¿Para esto morir?
¿para inventar el alma,
el vestido de Dios, la eternidad, el agua
del aguacero de la muerte, la esperanza?
¿morir para pescar?
¿para atrapar con su red a la araña?

Estás sobre la playa de algodones
y tu maea de sombras sube y baja.

V

Mi madre sola, en su vejez hundida,
sin dolor y sin lástima,
herida de tu muerte y de tu vida.

Esto dejaste. Su pasión enhiesta,
su celo firme, su labor sombría.
Árbol frutal a un paso de la leña,
su curvo sueño que te resucita.
Esto dejaste. Esto dejaste y no querías.

Pasó el viento. Quedaron de la casa
el pozo abierto y la raíz en ruinas.
Y es en vano llorar. Y si golpeas
las paredes de Dios, y si te arrancas
el pelo o la camisa,
nadie te oye jamás, nadie te mira.
No vuelve nadie, nada. No retorna
el polvo de oro de la vida.