Carolyn Forché – Dois poemas

Penso em você naquele mar de túmulos além da cidade,
onde muitas pedras foram deixadas, entre elas

a minha: uma pequena lasca de dolomita para pesar um pedaço de papel.
Eu teria colocado suas luvas e o guarda-chuva no caixão,

juntamente com uma manhã em Berlin com Tanya, uma hora
de pombos ascendendo ao seu redor, lilases embrulhados em jornais,

um minuto nas barricadas, outro cavalgando
nos ombros do seu pai através da plantação de alho, até os cigarros

que sobraram da ocupação eu teria colocado lá.
Em vez disso, este caderno, uma caneta cheia de tinta, e aquele curto

poema de Hölderlin que você amava, para que pudessem virar fumaça
juntos: você, o caderno, a caneta, o poema de Hölderlin.

Na sequência, você é uma emulsão sobre papel, um cadáver ouvindo debaixo
da terra um trem rompendo uma polaroide de nuvens.

Foi Joseph quem disse que, por toda a eternidade, Veneza aconteceria apenas uma vez.
Você, portanto, é um fantasma seguindo um fantasma voltando para sua única vida.

Ou como você diz agora: havia muitas cidades, mas nunca uma cidade duas vezes.

*

No fim

Neste arquipélago de pensamento um nevoeiro surge, sirenes de navios para navios
invisíveis, um ano
se passando, o choro de um ano sem saber onde, alguém que você
conheceu

parado no final, aquele que você era então, um pequeno frisson de reconhecimento,
e então, sem mais nem menos — simplesmente desapareceu, e ninguém por horas, um som que você pensou

ter ouvido

mas que, na escuridão, desperto, não é ouvido novamente, duas batidas violentas na
porta, era
a morte, você disse, mas agora é nada, as ilhas, lugares em que você já esteve, o mar
o incerto,

cheio de fantasmas chamando, perdidos como eles estão, ninguém que você conheceu em sua vida, a
lua sobre

tudo, como a luz no fundo da abertura de um poço no gélido ar

em que você mergulhou e retornou, luz, não mais acorrentado
ao seu próprio passado, e que não fosse pelo clima de transe, de trevas e
neblina, você poderia ver

tudo de uma só vez: todas as ilhas, cada momento que você viveu ou lugar
em que esteve,
sem confusão ou perplexidade, e você seria uma pessoa. Você seria
uma pessoa novamente.

Trad.: Nelson Santander

 

Two Poems

I think of you in that sea of graves beyond the city,
where many stones have been left, among them,

mine: a little piece of dolomite to weigh down a slip of paper.
I would have put your gloves and umbrella in the coffin,

along with one more morning in Berlin with Tanya, an hour
of pigeons rising around you, lilacs wrapped in news

stories, a minute at the barricades, another riding
on your father’s shoulders through the garlic fields, even cigarettes

left over from the occupation I would have placed there.
Instead, this notebook, a pen full of ink, and that short

poem by Hölderlin you loved, so you could go up in smoke
together: you, the notebook, the pen, the poem by Hölderlin.

In the aftermath, you are emulsion on paper, a corpse listening beneath
the ground to a train passing through a polaroid of clouds.

It was Joseph who said that for all eternity, Venice would happen only once.
You are a ghost then, following a ghost back through its only life.

Or as you say now: there were many cities, but never a city twice.

*

Toward the end

In this archipelago of thought a fog descends, horns of ships to unseen
ships, a year
passing overhead, the cry of a year not knowing where, someone standing
in the aftermath

who once you knew, the one you were then, a little frisson of recognition,
and then just like that—gone, and no one for hours, a sound you thought

you heard

but in the waking darkness is not heard again, two sharp knocks on the
door, death
it was, you said, but now nothing, the islands, places you have been, the sea
the uncertain,

full of ghosts calling out, lost as they are, no one you knew in your life, the
moon above

the whole of it, like the light at the bottom of a well opening in iced air

where you have gone under and come back, light, no longer tethered
to your own past, and were it not for the weather of trance, of haze and
murk, you could see

everything at once: all the islands, every moment you have lived or place
you have been,
without confusion or bafflement, and you would be one person. You would
be one person again.