Com o tempo aproximar-se-ão os rios e os montes, com o tempo acabará por te vir comer à mão e fazer ninho na tua cama o silêncio.
Mês: junho 2019
Joan Margarit – Banheiro
Cuido para que não caias ao banhar-te, e ao secar-te as costas sigo suavemente a grande cicatriz da espinha. O futuro está sempre na janela. Tua vida é este pequeno espaço de tua cama e tua música, este céu de umas poucas pessoas e uma casa. E pela primeira vez já não estarei contigo. Não … Continue lendo Joan Margarit – Banheiro
Manuel António Pina – Todas as palavras
As que procurei em vão, principalmente as que estiveram muito perto, como uma respiração, e não reconheci, ou desistiram e partiram para sempre, deixando no poema uma espécie de mágoa como uma marca de água impresente; as que (lembras-te?) não fui capaz de dizer-te nem foram capazes de dizer-me; as que calei por serem muito … Continue lendo Manuel António Pina – Todas as palavras
Heinrich Heine – Chegou a morte
Chegou a morte – agora vou Dizer o que o orgulho não Me permitiu: meu coração Tão só por ti pulsou, pulsou. Já estou fechado no ataúde, Descem-me à cova. A calmaria Me abraça enfim, mas tu, Maria, Por mim irás, muito amiúde, Chorar, e pra quê, afinal? Consola-te, este é o destino Humano: o … Continue lendo Heinrich Heine – Chegou a morte
Jorge Luis Borges – O cego
I Foi despojado do diverso mundo, Dos rostos, que ainda são o que eram antes, Das ruas próximas, hoje distantes, E do côncavo azul, ontem profundo. Dos livros lhe restou só o que deixa A memória, essa fórmula do olvido Que o formato retém, não o sentido, E que apenas os títulos enfeixa. O desnível … Continue lendo Jorge Luis Borges – O cego
José Paulo Paes – Declaração de bens
meu deus minha pátria minha família minha casa meu clube meu carro minha mulher minha escova de dentes meus calos minha vida meu câncer meus vermes
Joseph Stroud – Lázaro em Varanasi
Em uma pira no flamejante Ghat um cadáver senta-se lentamente entre as chamas. Como se lembrasse de algo importante. Como se olhasse ao redor uma vez mais. Como se tivesse finalmente algo a dizer. Como se houvesse uma maneira de sair disso. Trad.: Nelson Santander Lazarus In Varanasi From a pyre on the burning ghat … Continue lendo Joseph Stroud – Lázaro em Varanasi
Joseph Stroud – Lendo Kaváfis sozinho na cama
Eu, também, me lembro do passado, meu quarto iluminado por velas, e da noite em que ela entrou e tocou meu rosto com seu rosto, com boca e língua e lábios, do pomar à noite, do odor das frutas, seus seios - lembra, corpo? - aquele quarto, lembra? - nossos gritos, as velas bruxuleantes? Trad.: … Continue lendo Joseph Stroud – Lendo Kaváfis sozinho na cama
Konstantinos Kaváfis – Lembra, corpo…
Lembra, corpo, não só o quanto foste amado, não só os leitos onde repousaste, mas também os desejos que brilharam por ti em outros olhos, claramente, e que tornaram a voz trêmula - e que algum obstáculo casual fez malograr. Agora que isso tudo perdeu-se no passado, é quase como se a tais desejos te … Continue lendo Konstantinos Kaváfis – Lembra, corpo…
Pedro Mexia – “O fogo, o ferro, o futuro”
Eras um sustento, eras um segredo, uma feroz tentativa. Eras a roupa do corpo feito estandarte a caminho de casa e as tuas mãos metade das minhas. Eras um fascínio, eras um fracasso, eras a chama que nunca te queimou, o sul, o sufoco, a madrugada. Eras um tumulto de éguas e galgos, a minha … Continue lendo Pedro Mexia – “O fogo, o ferro, o futuro”