Eugenio Montale – O lago de Annecy

Não sei por que minhas memórias te relacionam
ao lago de Annecy
que visitei alguns anos antes de tua morte.
Mas na época eu não pensava em ti, era jovem
e julgava ser o senhor do meu destino.
Por que uma memória tão enterrada é capaz de
aflorar eu não sei; tu mesma
certamente me enterraste e nem percebeste.
Agora ressurges viva, embora já não estejas. Eu poderia
ter perguntado então sobre teu pensionato,
ter assistido as meninas saindo em fila,
ter encontrado um pensamento teu de quando ainda estavas
viva. Mas não pensei em nada disso. Agora que é inútil,
a fotografia do lago me é suficiente.

6 de junho de 1971

Trad.: Nelson Santander

Il Lago di Annecy

Non so perché il mio ricordo ti lega
al lago di Annecy
che visitai qualche anno prima della tua morte.
Ma allora non ti ricordai, ero giovane
e mi credevo padrone della mia sorte.
Perché può scattar fuori una memoria
così insabbiata non lo so; tu stessa
m’hai certo seppellito e non l’hai saputo.
Ora risorgi viva e non ci sei. Potevo
chiedere allora del tuo pensionato,
vedere uscirne le fanciulle in fila,
trovare un tuo pensiero di quando eri
viva e non l’ho pensato. Ora ch’è inutile
mi basta la fotografia del lago.

6 giugno 1971

Eugenio Montale – Xenia I

1

Querido pequeno inseto
que chamavam de mosca, não sei por quê,
esta tarde quase ao escurecer
enquanto lia o Segundo Livro de Isaías
reapareceste ao meu lado,
mas não tinhas óculos,
não podias me ver
nem podia eu sem aquela centelha
reconhecer-te no escuro.

2

Sem óculos nem antenas
pobre inseto que asas
só tinhas na imaginação,
uma bíblia em frangalhos e ainda por cima tão pouco
confiável, o negro da noite,
um relâmpago, um trovão e depois
nem mesmo a tempestade. Quem sabe,
te foste cedo demais sem mesmo uma
palavra? Mas é ridículo
pensar que ainda tivesses lábios.

3

No Saint-James em Paris terei que pedir
um quarto “de solteiro”. (Não gostam
de hóspedes desacompanhados). E a mesma coisa também
na falsa Bizâncio de teu hotel
veneziano; para buscar logo depois
a cabine das telefonistas,
tuas amigas de sempre; e repartir,
gasta a corda,
o desejo de reaver-te, fosse
num gesto só ou em algo habitual.

4

Havíamos estudado para o além
um assobio, uma senha de reconhecimento.
Experimento reproduzi-lo na esperança
de já estarmos todos mortos sem saber.

5

Nunca cheguei a saber se eu era
o teu cão fiel e catarrento
ou tu o meu.
Para os outros, não, eras um inseto míope
perdido no blablablá
da grã-finagem. Eram ingênuos
aqueles espertos e não sabiam serem
eles o teu joguete:
mesmo no escuro vistos e desmascarados
por um teu senso infalível, por teu
radar de morcego.

6

Jamais pensaste em deixar traços
de ti em prosa ou verso. E este
foi o teu encanto – e mais tarde meu desgosto
[de mim mesmo.
Foi também o meu pavor: de vir a ser
relegado por ti ao limo coaxante
dos neoteroi.

7

Pena de si mesmo, angústia e pena infinita
de quem adora o aqui embaixo e espera e desespera
de um outro… (Quem ousa dizer um outro mundo?).
…………………………………………………………………………
“Estranha pena…” (Azucena, Segundo ato).

8

Tua palavra tão sofrida e desprotegida
resta a única que me sacia.
Mas mudou-se o acento, é outra sua cor.
Me habituarei a ouvir-te ou a decifrar-te
no tique-taque do telex,
na fumaça volúvel dos meus charutos
de Brissago.

9

Ouvir era tua única maneira de ver.
A conta do telefone se reduziu a bem pouco.

10

“Rezava?”. “Sim, pedia a Santo Antônio
que a fizesse encontrar
sombrinhas perdidas e outros objetos
do guarda-roupa de São Hermes”.
“Só por isso?”. “Também pelos Seus mortos
e por mim”.
“É o suficiente” disse o padre.

11

Recordar o teu choro (e o meu dobrado)
não chega a apagar o espocar de tuas risadas.
Eram como a antecipação de um Juízo Universal privado,
só teu, nunca ocorrido infelizmente.

12

A primavera desemboca com seu passo de toupeira.
Não mais te ouvirei falar de antibióticos
venenosos, da agarra de teu fêmur,
dos bens de fortuna de que um cobiçoso omisso
te depenou.

A primavera avança com suas névoas untuosas,
com suas longas luzes, suas horas insuportáveis.
Não mais te ouvirei lutar contra o regurgitar
do tempo, dos fantasmas, dos problemas logísticos
do Verão.

13

Teu irmão morreu cedo: tu eras
a menina despenteada que me olha
“fazendo pose” no oval de um retrato.
Ele escrevia músicas inéditas, inauditas,
hoje enterradas num baú ou quem sabe
trituradas. Talvez as reinvente
alguém sem se dar conta, se o que está escrito está escrito.
Eu o queria sem havê-lo conhecido.
Além de ti ninguém o recordava.
Não fiz pesquisas: agora é inútil.
Depois de ti tornei-me o único
para quem ele existiu. Mas é possível,
tu o sabes, amar uma sombra, sombras nós mesmos.

14

Dizem que a minha
é uma poesia de impertinência.
Mas se era tua pertencia a alguém:
a ti que não és mais forma e sim essência.
Dizem que no mais alto grau a poesia
exalta o Todo em fuga,
negam que a tartaruga
seja mais rápida que o raio.
Tu, apenas tu, sabias que o movimento
não difere da estase,
que o vazio é o pleno e o céu limpo
a mais difusa das nuvens.
Desta forma compreendo melhor tua longa viagem
prisioneira do gesso e das bandagens.
No entanto não me dá sossego
saber que sós ou juntos somos uma só coisa.

Trad.: Geraldo Holanda Cavalcanti

Xenia I

1

Caro piccolo insetto
che chiamavano mosca non so perche,
stasera quasi al buio
mentre leggevo il Deuteroisaia
sei ricomparsa accanto a me,
ma non avevi occhiali,
non potevi vedermi
ne potevo io senza quel luccichio
riconoscere te nella foschia.

2

Senza occhiali, ne antenne,
povero insetto, che ali
avevi solo nella fantasia,
una bibbia sfasciata ed anche poco
attendibile, il nero della notte,
un lampo, un tuono e poi
neppure la tempesta. Forse che
te n’eri andata cosi presto senza
parlare? Ma e ridicolo
pensare che tu avessi ancora labbra

3

Аl Saint James di Parigi dovro chiedere
una camera ‘singola’ (non amano
i clienti spaiati). E cosi pure
nella falsa Bisanzio del tuo albergo
veneziano; per poi cercare subito
lo sgabuzzino delle telefoniste,
le tue amiche di sempre; e ripartire,
esaurita la carica meccanica,
il desiderio di riaverti, fosse
pure in un solo gesto o un’abitudine.

4

Аvevamo studiato per l’aldila
un fischio, un segno di riconoscimento.
Mi provo a modularlo nella speranza
che tutti siamo gia morti senza saperlo.

5

Non ho mai capito se io fossi
il tuo cane fedele e incimurrito
o tu lo fossi per me.
Per gli altri no, eri un insetto miope
smarrito nel blabla
dell’alta societa. Erano ingenui
quei furbi e non sapevano
di essere loro il tuo zimbello:
di esser visti anche al buio e smascherati
da un tuo senso infallibile, dal tuo
radar di pipistrello.

6

Non hai pensato mai di lasciar traccia
di te scrivendo prosa o versi. E fu
il tuo incanto – e dopo la mia nausea di me.
Fu pure il mio terrore: di esser poi
ricacciato da te nel gracidante
limo dei neoteroi.

7

Pieta di se, infinita pena e angoscia
di chi adora il quaggiu e spera e dispera
di un altro… (Chi osa dire un altro mondo?).
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
‘Strana pieta…’ (Azucena, atto secondo).

8

La tua parola cosi stenta e imprudente
resta la sola da cui mi appago.
Ma e mutato l’accento, altro il colore.
Mi abituero a sentirti o a decifrarti
nel ticchettio della telescrivente,
nel volubile fomo dei miei sigari
di Brissago.

9

Ascoltare era il solo tuo modo di vedere.
Il conto del’telefono s’e ridotto a ben poco

10

“Pregava?”. “Si, pregava Sant’Antonio
perche fa ritrovare
gli ombrelli smarriti e altri oggetti
del guardaroba di Sant’Ermete”.
“Per questo solo?”. “Anche per i suoi morti
e per me”.
“E sufficiente” disse il prete.

11

Ricordare il tuo pianto (il mio era doppio)
non vale a spegner lo scoppio delle tue risate,
Erano come l’anticipo di un tuo privato
Giudizio Universale, mai accaduto purtroppo.

12

La primavera sbuca col suo passo di talpa.
Non ti sentiro piu parlare di antibiotici
Velenosi, del chiodo del tuo femore,
dei beni di fortuna che t’ha un occhiuto omissis
spennacchiati.

La primavera avanza con le sue nebbie grasse,
Con le sue luci lunghe, le sue ore insopportabili.
Non ti sentiro piu lottare col rigurgito
del tempo, dei fantasmi, dei problemi logistici
dell’ Estate.

13

Tuo fratello mori giovane, tu eri
La bimba scarrufata che mi guarda
‘in posa’ nell’ovale di un ritratto.
Scrisse musiche inedite, inaudite,
Oggi sepolte in un baule o andate
Al macero. Forse le riinventa
Qualcuno inconsapevole, se cio ch’e scritto e scritto.
L’amavo senza averlo conosciuto.
Fuori di te nessuno lo ricordava.
Non ho fatto ricerche: ora e inutile.
Dopo di te sono rimasto il solo
per cui egli e esistito. Ma e possibile,
lo sai, amare un ombra, ombre noi stessi.

14

Dicono che la mia
sia una poesia d’innapartenenza.
Ma s’era tua, era di qualcuno,
di te, che non sei piu forma, ma essenza.
Dicono che la poesia al suo culmine
magnifica il Tutto in fuga
negano, che la testuggine
sia piu veloce di un fulmine.
Tu sola sapevi, che il moto
non e diverso dalla stasi,
che il vuoto e il pieno e il sereno
e la piu diffusa delle nubi.
Cosi meglio intendo il tuo lungo viaggio
Impriggionata tra le bende e le gessi.
Eppure non mi da riposo
sapere che in uno o in due noi siamo una sola cosa.

Eugenio Montale – A enguia

A enguia, a sereia
dos mares frios que deixa o Báltico
para alcançar os nossos mares,
nossos estuários, os rios
que sobe pelas profundezas, contra a enxurrada,
de braço em braço e depois
de veio em veio, cada vez mais delgados,
sempre mais dentro, sempre mais perto do coração
da rocha, filtrando-se
por regos de lama até que um dia
uma luz desfechada dos castanheiros
acende sua chispa num poço d`água parada,
nas valas que se despejam
dos flancos do Apenino, na Romagna;
a enguia, tocha, açoite,
flecha de Amor na terra
que só as nossas ravinas ou os ressecados
regatos pirenaicos reconduzem
a paraísos de fecundação;
a verde alma que procura
vida onde só
reina aridez e a desolação,
a centelha que diz:
tudo começa quando tudo parece
carbonizar-se, galho enterrado;
breve arco-íris, íris gêmea
daquela que teus cílios encastoam
e que fazes brilhar intacta entre os filhos
do homem, afundados no teu lamaçal, podes tu
não crê-la irmã?

Trad.: Geraldo Holanda Cavalcanti

L’anguilla

L’anguilla, la sirena
dei mari freddi che lascia il Baltico
per giungere ai nostri mari,
ai nostri estuari, ai fiumi
che risale in profondo, sotto la piena avversa,
di ramo in ramo e poi
di capello in capello, assottigliati,
sempre più addentro, sempre più nel cuore
del macigno, filtrando
tra gorielli di melma finché un giorno
una luce scoccata dai castagni
ne accende il guizzo in pozze d’acquamorta,
nei fossi che declinano
dai balzi d’Appennino alla Romagna;
l’anguilla, torcia, frusta,
freccia d’Amore in terra
che solo i nostri botri o i disseccati
ruscelli pirenaici riconducono
a paradisi di fecondazione;
l’anima verde che cerca
vita là dove solo
morde l’arsura e la desolazione,
la scintilla che dice
tutto comincia quando tutto pare
incarbonirsi, bronco seppellito;
l’iride breve, gemella
di quella che incastonano i tuoi cigli
e fai brillare intatta in mezzo ai figli
dell’uomo, immersi nel tuo fango, puoi tu
non crederla sorella?