Fica e é só o que fica: o primeiro encontro
o primeiro beijo numa gare deserta
o mar por líquida ou aérea testemunha
depois a longa gestação do adeus
único e verdadeiro adeus
o subtil envenenamento da memória
Categoria: Rui Caeiro
Rui Caeiro – Espero um dia
Espero um dia ter de esperar-te, com a ansiedade
dos que perderam tudo ou quase, menos talvez a memória
E espero humildemente vir a merece-te, cometer um ato heroico
e merecer-te, ser outra e a mesma pessoa – e merecer-te
Espero estar bem triste para quando enfim chegares
poder dar-te o mais autêntico: a memória, a tristeza
Espero a grande disponibilidade de poder esperar à vontade
quero o espaço, todo o espaço – e muita falta de ar
Espero a paciência de adivinhar-te e a sufocação de ver-te
ou a graça de poder continuar à espera – indefinidamente
Espero, ardentemente espero que o tempo passe e a morte não exista
e eu apenas à tua espera rodeado de livros, sem perceber nada
Espero, já agora, que no final, como quem completa um puzzle
afinal mais simples do que parecia, tu simplesmente venhas
Rui Caeiro – Sabem que mais?
Sou um homem dado ao álcool e a eternas dúvidas
e que na rua ou lá onde seja a todo o momento pode tropeçar
ou morrer: voar é que é muito mais improvável
Sou um homem de áridas certezas e uma esperança
a essa arrasto-a pela mão pelos cabelos pelas orelhas
paro escuto e olho antes de atravessar
com ela. E não sei o nome. E não me preocupo
(Rui Caeiro morreu em 29/01/2019, aos 75 anos)
Rui Caeiro – “Ainda atacas…”
Ainda atacas
como pode atacar um amor já ido
lá de vez em quando ainda atacas
irrompes num súbito alarme
sacodes-me de alto a baixo
impiedosa
mente
sacodes
me
e devagar te afastas
como um sol a por
se
in http://editora-alambique.blogspot.com.br/2014/08/blog-post.html