Jaime Gil de Biedma – Lembre-se

Bela vida que se foi e parece
já não passar
       Desde então, afundo
em sonhos na memória: estremece
eterno o tempo lá no fundo.
E de repente um redemoinho cresce
e me arrasta sugado rumo a um profundo
abismo, para onde vai, despenhado,
para sempre submergindo o passado.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 25/04/2018

Jaime Gil Biedma – Recuerda

Hermosa vida que pasó y parece
ya no pasar...
       Desde este instante, ahondo
sueños en la memoria: se estremece
la eternidad del tiempo allá en el fondo.
Y de repente un remolino crece
que me arrastra sorbido hacia un trasfondo
de sima, donde va, precipitado,
para siempre sumiéndose el pasado.

Jaime Gil de Biedma – Não Voltarei a ser Jovem

Que é certo a vida passa
só se começa a compreender mais tarde
— como todos os jovens, decidi
levar a minha vida por diante.

Deixar marca eu queria
e partir entre aplausos
— envelhecer, morrer, eram somente
as dimensões do teatro.

Porém, passou o tempo
e a verdade mais amarga assoma:
envelhecer, morrer,
é o argumento único da obra.

Trad.: José Bento

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 13/07/2016

No volveré a ser joven

Que la vida iba en serio
uno lo empieza a comprender más tarde
— como todos los jóvenes, yo vine
a llevarme la vida por delante.

Dejar huella quería
y marcharme entre aplausos
envejecer, morir, eran tan sólo
las dimensiones del teatro.

Pero ha pasado el tiempo
y la verdad desagradable asoma:
envejecer, morir,
es el único argumento de la obra.

Jaime Gil de Biedma – Canção de aniversário

Porque são já seis anos desde então,
porque não há na terra, ainda,
nada tão doce quanto um quarto
para dois, se for teu e meu;
porque até o tempo, esse parente pobre
que conheceu dias melhores,
parece hoje partidário da felicidade,
cantemos, alegria!

E, depois, levantemo-nos mais tarde,
como no domingo. Que a manhã plena
nos faça amarmos-nos novamente,
mas melhor: de um jeito
que à noite não se pode imaginar,
enquanto o quarto se impregna
de sol e calma vizinhança, como o tempo,
e de história serena.

O eco dos dias de prazer,
o desejo, a música acordada
dentro do coração, e que eu mal coloquei
em meus poemas, por romântica;
todo o perfume, todo o passado infiel,
o que foi doce e nostálgico,
não vês como se somam à realidade que então
sonhavas e sonhavas?

A realidade – não tão bonita –
com a inconveniência de serem duas,
suas vergonhosas noites de amor sem desejo
e de desejo sem amor,
que nem em seis séculos dormindo sozinho
as pagaríamos. E com
suas vagas transições, da traição ao tédio,
do tédio à traição.

A vida não é um sonho, tu já sabes
que temos a tendência de esquece-lo.
Mas um pouco de sonho, não mais, um sim não é
para agora, calando-nos
o resto da história, e um instante
– enquanto tu e eu nos desejamos
uma vida feliz e longa em comum -, estou seguro
de que não pode causar dano.

Trad.: Nelson Santander

Canción de aniversario

Porque son ya seis años desde entonces,
porque no hay en la tierra, todavía,
nada que sea tan dulce como una habitación
para dos, si es tuya y mía;
porque hasta el tiempo, ese pariente pobre
que conoció mejores días,
parece hoy partidario de la felicidad,
cantemos, alegría!

Y luego levantémonos más tarde,
como domingo. Que la mañana plena
se nos vaya en hacer otra vez el amor,
pero mejor: de otra manera
que la noche no puede imaginarse,
mientras el cuarto se nos puebla
de sol y vecindad tranquila, igual que el tiempo,
y de historia serena.

El eco de los días de placer,
el deseo, la música acordada
dentro en el corazón, y que yo he puesto apenas
en mis poemas, por romántica;
todo el perfume, todo el pasado infiel,
lo que fue dulce y da nostalgia,
¿no ves cómo se sume en la realidad que entonces
soñabas y soñaba?

La realidad – no demasiado hermosa –
con sus inconvenientes de ser dos,
sus vergonzosas noches de amor sin deseo
y de deseo sin amor,
que ni en seis siglos de dormir a solas
las pagaríamos. Y con
sus transiciones vagas, de la traición al tedio,
del tedio a la traición.

La vida no es un sueño, tú ya sabes
que tenemos tendencia a olvidarlo.
Pero un poco de sueño, no más, un si es no es
por esta vez, callándonos
el resto de la historia, y un instante
– mientras que tú y yo nos deseamos
feliz y larga vida en común -, estoy seguro
que no puede hacer daño.

Jaime Gil de Biedma – Valsa de Aniversário

Não há nada tão doce como um quarto
para dois (quando já não nos amamos tanto)
fora da cidade, em um hotel tranquilo,
e casais duvidosos e alguma criança com caxumba,

não fosse esta ligeira sensação
de irrealidade. Algo como o verão
na casa de meus pais, há tempos,
como viajar de trem à noite. Chamo-te

para dizer que não digo nada
que tu já não saibas, ou se precisar
para beijar-te vagamente
os mesmos lábios.

Deixaste a varanda.
O quarto escureceu
enquanto nos olhamos ternamente, incomodados
de não sentir o peso dos anos.

Tudo continua igual, parece
que não foi ontem. E este gosto nostálgico
que os silêncios colocam na boca
possivelmente levam a nos equivocarmos

sobre nossos sentimentos. Mas não
sem alguma reserva, porque por baixo
algo puxa com mais força e é (para dize-lo
talvez de um modo menos inexato)

difícil lembrar que nos amamos,
senão com alguma imprecisão, e o sábado,
que é hoje, está tão perto
de ontem no último minuto e de depois de

amanhã
de manhã.

Trad.: Nelson Santander

Vals de Aniversario

Nada hay tan dulce como una habitación
para dos (cuando ya no nos queremos demasiado)
fuera de la ciudad, en un hotel tranquilo,
y parejas dudosas y algún niño con ganglios,

si no es esta ligera sensación
de irrealidad. Algo como el verano
en casa de mis padres, hace tiempo,
como viajes en tren por la noche. Te llamo

para decir que no te digo nada
que tú ya no conozcas, o si acaso
para besarte vagamente
los mismos labios.

Has dejado el balcón.
Ha oscurecido el cuarto
mientras que nos miramos tiernamente,
incómodos de no sentir el peso de tres años.

Todo es igual, parece
que no fue ayer. Y este sabor nostálgico,
que los silencios ponen en la boca,
posiblemente induce a equivocarnos

en nuestros sentimientos. Pero no
sin alguna reserva, porque por debajo
algo tira más fuerte y es (para decirlo
quizá de un modo menos inexacto)

difícil recordar que nos queremos,
si no es con cierta imprecisión, y el sábado,
que es hoy, queda tan cerca
de ayer a última hora y de pasado

mañana
por la mañana

Jaime Gil de Biedma – Depois da morte de Jaime Gil de Biedma

No jardim, lendo,
a sombra da casa tolda as páginas
e o frio repentino do final de agosto
faz-me pensar em ti.

O jardim e a casa vizinha
onde piam os pássaros nas trepadeiras,
uma tarde de agosto, quando começa a anoitecer
e tem-se ainda o livro nas mãos,
eram, lembro-me, teu símbolo da morte.
Oxalá no inferno
de teus últimos dias te desse esta visão
um pouco de doçura, embora não acredite nisso.

Finalmente em paz comigo mesmo,
posso já recordar-te
não nas horas horríveis, mas sim aqui,
no verão do ano passado
quando, de um só golpe,
– tantos meses apagadas –
regressam as imagens felizes
trazidas por tua imagem da morte…
Agosto no jardim, em plena luz do dia.

Taças de vinho branco
deixadas na grama, perto da piscina,
calor sob as árvores. E vozes
que gritam nomes.
          Ángel,
Juan, María Rosa, Marcelino, Joaquina
– Joaquina dos peitinhos de maçã.
Tu retornavas rindo do telefone
anunciando mais pessoas que viriam:
recordo-te correndo,
a abafada explosão de teu corpo na água.

E as noites também de liberdade completa
na casa espaçosa, inteira para nós
como um convento abandonado,
e a nostalgia de portas secretas,
aquele correr pelos quartos,
olhar nos armários
e divertir-se na alternância
entre estar nu e vestido, tirando o pó
de batinas, botas de cano alto e calções,
arbitrárias cenas,
velhos sonhos eróticos de nossa adolescência,
rapaz solitário.
          Lembras-te de Carmina,
da gorda Carmina subindo as escadas
com o rabo para cima
e levando na mão um candelabro?

Foi um verão feliz.
          … O último verão
de nossa juventude
, disseste a Juan
em Barcelona ao regressar,
nostálgicos,
e tinhas razão. Depois veio o inverno,
o inferno de meses
e meses de agonia
e a última noite de pílulas e álcool
e vômito na alfombra.
          Eu me salvei escrevendo
depois da morte de Jaime Gil de Biedma.

Dos dois, eras tu quem melhor escrevia.
Agora sei até que ponto eram teus
o desejo de perfeição e a ironia,
a surdina romântica que palpita em meus poemas
preferidos, por exemplo, em Pandêmia… *
Às vezes me pergunto
como minha poesia ficará sem ti?

Embora talvez tenha sido eu quem te ensinou.
Quem te ensinou a vingar-te de meus sonhos,
por covardia, corrompendo-os.

Trad.: Nelson Santander

* O poeta se refere ao poema “Pandêmia e Celeste”, também traduzido por mim e que pode ser lido aqui:

https://wordpress.com/post/nsantand.wordpress.com/6119

Después de la muerte de Jaime Gil de Biedma

En el jardín, leyendo,
la sombra de la casa me oscurece las páginas
y el frío repentino de final de agosto
hace que piense en ti.

El jardín y la casa cercana
donde pían los pájaros en las enredaderas,
una tarde de agosto, cuando va a oscurecer
y se tiene aún el libro en la mano,
eran, me acuerdo, símbolo tuyo de la muerte.
Ojalá en el infierno
de tus últimos días te diera esta visión
un poco de dulzura, aunque no lo creo.

En paz al fin conmigo,
puedo ya recordarte
no en las horas horribles, sino aquí
en el verano del año pasado,
cuando agolpadamente
-tantos meses borradas-
regresan las imágenes felices
traídas por tu imagen de la muerte…
Agosto en el jardín, a pleno día.

Vasos de vino blanco
dejados en la hierba, cerca de la piscina,
calor bajo los árboles. Y voces
que gritan nombres.
          Ángel,
Juan, María Rosa, Marcelino, Joaquina
-Joaquina de pechitos de manzana.
Tú volvías riendo del teléfono
anunciando más gente que venía:
te recuerdo correr,
la apagada explosión de tu cuerpo en el agua.

Y las noches también de libertad completa
en la casa espaciosa, toda para nosotros
lo mismo que un convento abandonado,
y la nostalgia de puertas secretas,
aquel correr por las habitaciones,
buscar en los armarios
y divertirse en la alternancia
de desnudo y disfraz, desempolvando
batines, botas altas y calzones,
arbitrarias escenas,
viejos sueños eróticos de nuestra adolescencia,
muchacho solitario.
          Te acuerdas de Carmina,
de la gorda Carmina subiendo la escalera
con el culo en pompa
y llevando en la mano un candelabro?

Fue un verano feliz.
          …El último verano
de nuestra juventud
, dijiste a Juan
en Barcelona al regresar
nostálgicos,
y tenías razón. Luego vino el invierno,
el infierno de meses
y meses de agonía
y la noche final de pastillas y alcohol
y vómito en la alfombra.
          Yo me salvé escribiendo
después de la muerte de Jaime Gil de Biedma.

De los dos, eras tú quien mejor escribía.
Ahora sé hasta qué punto tuyos eran
el deseo de ensueño y la ironía,
la sordina romántica que late en los poemas
míos que yo prefiero, por ejemplo en Pandémica…
A veces me pregunto
cómo será sin ti mi poesía.

Aunque acaso fui yo quien te enseñó.
Quien te enseñó a vengarte de mis sueños,
por cobardía, corrompiéndolos.

Jaime Gil de Biedma – Pandêmia e Celeste

      Quan magnus numerus Libyssae arenae
      ……………………………..
      Aut quam sidera multa, cum tacet nox,
      Furtiuos hominum uident amores.
          CATULO, VII

Imagina agora que tu e eu
muito tarde da noite
falamos de homem para homem, enfim.
Imagina-o,
em uma dessas noites memoráveis
de rara comunhão, com a garrafa
meio vazia, os cinzeiros sujos,
depois de esgotado o problema da existência.
Que te vou expor um coração,
um coração infiel,
Nu da cintura pra baixo,
Hipócrita leitor – mon semblablemon frère!

Porque não é a impaciência do caçador de orgasmos
que me arremessa de um corpo para outros corpos
se possível jovens:
eu persigo também o doce amor,
o terno amor que comigo adormeça
e que alegre minha cama quando desperta,
próximo como um pássaro.
Já que não posso mais despir-me,
se nunca mais fui capaz de me abrigar em uns braços
sem sentir – ainda que só por um momento –
o mesmo deslumbramento que aos vinte anos!

Para saber sobre o amor, para aprende-lo,
ter estado só é necessário.
E é necessário em quatrocentas noites
– com quatrocentos corpos diferentes –
ter feito amor. Que seus mistérios,
como disse o poeta, são da alma,
mas um corpo é o livro no qual eles são lidos.

E por isso fico feliz por haver-me esfregado
na areia grossa, os dois meio vestidos,
enquanto procurava esse tendão do ombro.
Comove-me a recordação de tantas ocasiões…
Aquela estrada da montanha
e os bem empregados abraços furtivos
e o instante indefeso, em pé, após a freada,
colados ao muro, ofuscados pelas luzes.
Ou aquele entardecer perto do rio
nus e rindo, de hera coroados.
Ou aquele portal em Roma, na via do Babuíno.
E lembranças de rostos e cidades
pouco conhecidas, de corpos entrevistos,
de escadas sem luz, de camarotes,
de bares, de passagens desertas, de prostíbulos,
e de infinitas saunas,
de fossos de um castelo.
Lembro-me de vós, sobretudo,
ou de noites em motéis,
definitivas noites em sórdidas pensões,
em quartos recém inaugurados,
noites em que devolveis aos vossos hóspedes
um deslembrado sabor para eles mesmos!
A história de corpo e alma, como uma
Imagem partida,
de la languer goutée à cê mal d’être deux.
Sem desprezar
– alegres como feriado na semana –
as experiências da promiscuidade.

Embora eu saiba que de nada me valeriam
esforços de amores dispersos
se não houvesse o verdadeiro amor.
Meu amor,
íntegra imagem de minha vida,
sol das mesmas noites das quais o roubei,
sua juventude, a minha,
– música do meu passado –
sorri ainda na imprecisa graça
de cada corpo jovem,
em cada encontro anônimo,
iluminando-o. Dando-lhe uma alma.
E não há belas coxas
que não me façam pensar em suas belas coxas
quando nos conhecemos, antes de ir para a cama.

Nem paixão de uma noite em claro
que se possa comparar
com a paixão que dá o conhecimento,
os anos de experiência
do nosso amor.
Porque também no amor
é importante o tempo,
e adorável, de alguma forma,
verificar com mão melancólica
sua perceptível passagem pelo corpo
– ao passo que basta um movimento familiar
nos lábios,
ou a ligeira palpitação de um membro,
para fazer-me sentir a maravilha
daquela graciosidade antiga,
fugaz como um reflexo.

Em sua pele manchada,
quando passar mais tempo e estejamos no fim,
quero afinar os lábios invocando
a imagem do seu corpo
e de todos os corpos que um dia amei,
mesmo que só por um instante, desfeitos pelo tempo.
Para pedir a força de poder viver
sem beleza, sem força e sem desejo,
enquanto seguimos juntos
até morrer em paz. Os dois,
como costumam dizer que morrem aqueles que amam muito.

Trad.: Nelson Santander

Pandémica y Celeste

      Quan magnus numerus Libyssae arenae
      ……………………………..
      Aut quam sidera multa, cum tacet nox,
      Furtiuos hominum uident amores.
          CATULO, VII

Imagínate ahora que tú y yo
muy tarde ya en la noche
hablemos de hombre a hombre, finalmente.
Imagínatelo,
en una de esas noches memorables
de rara comunión, con la botella
medio vacía, los ceniceros sucios,
y después de agotado el tema de la vida.
Que te voy a enseñar un corazón,
un corazón infiel,
Desnudo de cintura para abajo,
Hipócrita lector – mon semblable – mon frère!

Porque no es la impaciencia del buscador de orgasmo
quien me tira del cuerpo hacia otros cuerpos
a ser posible jóvenes:
Yo persigo también el dulce amor,
el tierno amor para dormir al lado
y que alegre mi cama al despertarse,
cercano como un pájaro.
¡Si yo no puedo desnudarme nunca,
si jamás he podido entrar en unos brazos
sin sentir -aunque sea nada más que un momento-
igual deslumbramiento que a los veinte años!.

Para saber de amor, para aprenderle,
haber estado solo es necesario.
Y es necesario en cuatrocientas noches
– con cuatrocientos cuerpos diferentes –
haber hecho el amor. Que sus misterios,
como dijo el poeta, son del alma,
pero un cuerpo es el libro en que se leen.

Y por eso me alegro de haberme revolcado
sobre la arena gruesa, los dos medio vestidos,
Mientras buscaba ese tendón del hombro.
Me conmueve el recuerdo de tantas ocasiones…
Aquella carretera de montaña
y los bien empleados abrazos furtivos
y el instante indefenso, de pie, tras el frenazo,
pegados a la tapia, cegados por las luces.
O aquel atardecer cerca del río
desnudos y riéndonos, de hiedra coronados.
O aquel portal en Roma en vía del Babuino.
y recuerdos de caras y ciudades
apenas conocidas, de cuerpos entrevistos,
de escaleras sin luz, de camarotes,
de bares, de pasajes desiertos, de prostíbulos,
y de infinitas casas de baños,
de fosos de un castillo.
Recuerdos de vosotras, sobre todo,
o noches en hoteles de una noche,
definitivas noches en pensiones sórdidas,
en cuartos recién fríos,
noches que devolvéis a vuestros huéspedes
un olvidado sabor a sí mismos!
La historia en cuerpo y alma, como una
imagen rota,
de la langueur goutée a ce mal d’être deux.
Sin despreciar
– alegres como fiesta entre semana –
las experiencias de promiscuidad.

Aunque sepa que nada me valdrían
trabajos de amor disperso
si no existiese el verdadero amor.
Mi amor,
Íntegra imagen de mi vida,
sol de las noches mismas que le robo,
su juventud, la mía,
– música de mi fondo –
sonríe aún en la imprecisa gracia
de cada cuerpo joven,
en cada encuentro anónimo,
iluminándolo. Dándole un alma.
Y no hay muslos hermosos
que no me hagan pensar en sus hermosos muslos
cuando nos conocimos, antes de ir a la cama.

Ni pasión de una noche de dormida
que pueda compararla
con la pasión que da el conocimiento,
los años de experiencia
de nuestro amor.
Porque en amor también
es importante el tiempo,
y dulce, de algún modo,
verificar con mano melancólica
su perceptible paso por un cuerpo
– mientras que basta un gesto familiar
en los labios,
o la ligera palpitación de un miembro,
para hacerme sentir la maravilla
de aquella gracia antigua, fugaz como un reflejo.

Sobre su piel borrosa,
Cuando pasen más años y al final estemos,
quiero aplastar los labios invocando
la imagen de su cuerpo
y de todos los cuerpos que una vez amé
aunque fuese un instante, deshechos por el tiempo.

Para pedir la fuerza de poder vivir
sin belleza, sin fuerza y sin deseo,
mientras seguimos juntos
hasta morir en paz. Los dos,
como dicen que mueren los que han amado mucho.

Jaime Gil de Biedma – Happy ending

Embora, à noite, comigo
já não durmas mais,
o acaso dirá talvez
se é definitivo.

Que embora o prazer nunca mais
volte a ser o mesmo,
na vida o esquecimento
não costuma durar.

Trad.: Nelson Santander

Jaime Gil Biedma – Happy ending

Aunque la noche, conmigo,
no la duermas ya,
sólo el azar nos dirá
si es definitivo.

Que aunque el gusto nunca más
vuelve a ser el mismo,
en la vida los olvidos
no suelen durar.

Jaime Gil de Biedma – Lembre-se

Bela vida que se foi e parece
já não passar
       Desde então, afundo
sonhos na memória: estremece
a eternidade do tempo lá no fundo.
E de repente um redemoinho cresce
e me arrasta sugado para um profundo
abismo, para onde vai, despenhado,
para sempre dissipando-se o passado.

Trad.: Nelson Santander

Jaime Gil Biedma – Recuerda

Hermosa vida que pasó y parece
ya no pasar…
       Desde este instante, ahondo
sueños en la memoria: se estremece
la eternidad del tiempo allá en el fondo.
Y de repente un remolino crece
que me arrastra sorbido hacia un trasfondo
de sima, donde va, precipitado,
para siempre sumiéndose el pasado.

Jaime Gil de Biedma – Recorda

Formosa vida que passou e parece
não passar mais…
Desde agora, aprofundo
sonhos na memória: e estremece
a eternidade do tempo lá no fundo.
E de repente um remoinho cresce:
sorve-me, arrasta-me, até que me afundo
numa gruta aonde vai, precipitado,
para sempre, sumindo-se, o passado.

Trad.: José Bento

Jaime Gil de Biedma – Não Voltarei a ser Jovem

Que é certo a vida passa
só se começa a compreender mais tarde
— como todos os jovens, decidi
levar a minha vida por diante.

Deixar marca eu queria
e partir entre aplausos
— envelhecer, morrer, eram somente
as dimensões do teatro.

Porém, passou o tempo
e a verdade mais amarga assoma:
envelhecer, morrer,
é o argumento único da obra.