Vinicius de Moraes – O poeta Hart Crane suicida-se no mar

Quando mergulhaste na água
Não sentiste como é fria
Como é fria assim na noite
Como é fria, como é fria?
E ao teu medo que por certo
Te acordou da nostalgia
(Essa incrível nostalgia
Dos que vivem no deserto…)
Que te disse a Poesia?

Que te disse a Poesia
Quando Vênus que luzia
No céu tão perto (tão longe
Da tua melancolia…)
Brilhou na tua agonia
De moribundo desperto?

Que te disse a Poesia
Sobre o líquido deserto
Ante o mar boquiaberto
Incerto se te engolia
Ou ao navio a rumo certo
Que na noite se escondia?

Temeste a morte, poeta?
Temeste a escarpa sombria
Que sob a tua agonia
Descia sem rumo certo?
Como sentiste o deserto
O deserto absoluto
O oceano absoluto
Imenso, sozinho, aberto?

Que te falou o Universo
O infinito a descoberto?
Que te disse o amor incerto
Das ondas na ventania?
Que frouxos de zombaria
Não ouviste, ainda desperto
Às estrelas que por certo
Cochichavam luz macia?

Sentiste angústia, poeta
Ou um espasmo de alegria
Ao sentires que bulia
Um peixe nadando perto?
A tua carne não fremia
À ideia da dança inerte
Que teu corpo dançaria
No pélago submerso?

Dançaste muito, poeta
Entre os véus da água sombria
Coberto pela redoma
Da grande noite vazia?
Que coisas viste, poeta?

De que segredos soubeste
Suspenso na crista agreste
Do imenso abismo sem meta?

Dançaste muito, poeta?
Que te disse a Poesia?

Rio de Janeiro, 1953

Carlos Rennó – O Momento

 

Tem um momento (que de todos é diverso)
Em que você se une ao todo, ao universo

O tempo então congela (feito lá no pólo)
Seu ego some, seu eu ergue-se do solo

E sai voando entre as estrelas na amplidão
Você se torna uma delas na explosão

Dentro de si você vê uma grande luz
Rompem-se todas as amarras e tabus

Você mergulha e chega à raiz da vida
Bebe na fonte do seu jorro sem medida

Enquanto escuta a doce música distante
Que toca fundo, ao fundo, infinda, nesse instante

A eternidade então num lapso encapsula
E a divisão entre você e o outro é nula

Esse estado não é nenhum sonho impossível
Algo irreal ou ideal, ou desse nível

Nem tá vedado à multidão de abandonados
E reservado só a alguns iluminados

Mas ao alcance de nós todos, qualquer um
De qualquer homem ou qualquer mulher comum

Você não chega lá por uma fé num deus
Cê chega lá porque então cê é um deus

Já cega por um raio de um clarão tremendo
A carne do seu ser põe-se a vibrar, tremendo

Esse é o momento, enfim, de sol e nebulosa
Em que você, meu caro, minha cara, …

– Go-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-za!… –

… goza

Bill Knott – Morte

Morte

Perto de dormir, cruzo as mãos sobre o peito.
Colocarão minhas mãos assim.
Parecerá que estou a voar para dentro de mim mesmo.

Death

Going to sleep, I cross my hands on my chest.
They will place my hands like this.
It will look as though I am flying into myself.

Trad.: Antonio Cicero

http://antoniocicero.blogspot.com.br/2017/04/bill-knott-death.html

Abel Silva – Navegações

Minha casa está calma,
eu é que sou turbulento,
o país navega, dizem,
eu é que me arrebento
eu é que sempre invento
toda esta ventania
eu é que não me contento
com o rumo da romaria

não sei se a sorte é cega
ou eu que vivo a teimar:
sei que eu sou o barco
o marinheiro
e o mar.

Hilda Hilst – Roteiro do Silêncio

Não há silêncio bastante
Para o meu silêncio.
Nas prisões e nos conventos
Nas igrejas e na noite
Não há silêncio bastante
Para o meu silêncio.

Os amantes no quarto.
Os ratos no muro.
A menina
Nos longos corredores do colégio.
Todos os cães perdidos
Pelos quais tenho sofrido:
O meu silêncio é maior
Que toda solidão.
E que todo silêncio.