May Swenson – Indagações

Corpo minha casa
meu cavalo meu cão de caça
o que farei
quando você ruir

Onde vou dormir
Como vou montar
O que vou caçar

Onde posso ir
sem minha montaria
toda rápida e impaciente
Como saberei
se na mata à frente
há perigos ou tesouros
quando o corpo, meu cão
capaz e sagaz, está morto

Como será
repousar no céu
sem teto ou porta
e vento varando a visão

Com nuvens se deslocando
como vou me esconder?

Trad.: Nelson Santander

 

Question

Body my house
my horse my hound
what will I do
when you are fallen

Where will I sleep
How will I ride
What will I hunt

Where can I go
without my mount
all eager and quick
How will I know
in thicket ahead
is danger or treasure
when Body my good
bright dog is dead

How will it be
to lie in the sky
without roof or door
and wind for an eye

With cloud for shift
how will I hide?

Mary Oliver – A jornada

Um dia você finalmente soube
o que tinha que fazer, e começou,
embora as vozes à sua volta
continuassem berrando
seus maus conselhos –
embora a casa toda
começasse a balançar
e você sentisse o velho puxão
nos seus calcanhares.
“Remende minha vida!”
cada voz clamou.
Mas você não parou.
Você sabia o que tinha que fazer,
embora o vento tateasse
com seus dedos rijos
suas próprias bases,
e embora sua melancolia
fosse terrível.
Já era suficientemente
tarde, e uma noite selvagem,
e a estrada estava cheia de galhos
e pedras espalhados.
Mas pouco a pouco
conforme você deixava aquelas vozes para trás,
as estrelas começaram a queimar
através das camadas de nuvens,
e havia uma nova voz
que você lentamente
reconheceu como sua,
e que se manteve a seu lado
enquanto você avançava cada vez mais fundo
no mundo,
decidida a fazer
a única coisa que poderia fazer –
determinada a salvar
a única vida que poderia salvar.

Trad.: Nelson Santander

The journey

One day you finally knew
what you had to do, and began,
though the voices around you
kept shouting
their bad advice –
though the whole house
began to tremble
and you felt the old tug
at your ankles.
“Mend my life!”
each voice cried.
But you didn’t stop.
You knew what you had to do,
though the wind pried
with its stiff fingers
at the very foundations,
though their melancholy
was terrible.
It was already late
enough, and a wild night,
and the road full of fallen
branches and stones.
But little by little,
as you left their voice behind,
the stars began to burn
through the sheets of clouds,
and there was a new voice
which you slowly
recognized as your own,
that kept you company
as you strode deeper and deeper
into the world,
determined to do
the only thing you could do —
determined to save
the only life that you could save.

William Stafford – O sonho de agora

Quando acorda, da noite e dos outros
sonhos, para o sonho de agora,
você conduz o dia para fora das trevas
como a uma chama.
Quando a primavera acontece no norte e as flores
desabrocham no solo e até adormecem,
você alteia o verão com sua respiração
para que ele não se perca jamais tão profundamente.
Sua vida você vive com a luz que encontra
e escolta da melhor maneira possível,
conduzindo na escuridão por onde quer que vá
sua diminuta chama que outra vez se acenderá.

Trad.: Nelson Santander

The Dream of Now

When you wake to the dream of now
from night and its other dream,
you carry day out of the dark
like a flame.
When spring comes north and flowers
unfold from earth and its even sleep,
you lift summer on with your breath
lest it be lost ever so deep.
Your life you live by the light you find
and follow it on as well as you can,
carrying through darkness wherever you go
your one little fire that will start again.

Mary Oliver – Gansos selvagens

Você não tem que ser bom.
Você não precisa atravessar o deserto de joelhos,
por cem milhas, penitenciando-se.
Você só tem que deixar o animal macio do seu corpo
amar o que ele ama.
Fale-me sobre o desespero, o seu, e eu lhe direi o meu.
Enquanto isso, o mundo continua.
Enquanto isso, o sol e os translúcidos seixos da chuva
movem-se por entre as paisagens,
sobre as pradarias e as árvores mais profundas,
as montanhas e os rios.
Enquanto isso, os gansos selvagens, altos no límpido ar azul,
estão voltando para casa novamente.
Quem quer que você seja, não importa o quão solitário esteja,
o mundo se oferta à sua imaginação,
clama por você como os gansos selvagens, duro e inspirador —
incessantemente anunciando o seu lugar
na família das coisas.

Trad.: Nelson Santander

Conheça outros livros de Mary Oliver clicando aqui

Wild Geese

You do not have to be good.
You do not have to walk on your knees
for a hundred miles through the desert repenting.
You only have to let the soft animal of your body
love what it loves.
Tell me about despair, yours, and I will tell you mine.
Meanwhile the world goes on.
Meanwhile the sun and the clear pebbles of the rain
are moving across the landscapes,
over the prairies and the deep trees,
the mountains and the rivers.
Meanwhile the wild geese, high in the clean blue air,
are heading home again.
Whoever you are, no matter how lonely,
the world offers itself to your imagination,
calls to you like the wild geese, harsh and exciting –
over and over announcing your place
in the family of things.

Juan Vicente Piqueras – A sala vazia

a Carlos Edmundo de Ory

Era um de teus jogos favoritos.
O que há em uma sala vazia?,
perguntavas. Mantínhamo-nos em silêncio.

O que há em uma sala vazia?

Os que não conheciam o jogo
às vezes diziam: nada, e tu dizias: não.
Nada é nada, e eu disse o quê
.

Até que alguém dizia, por exemplo: silêncio.
E tu dizias: sim.
E outro dizia: .
E o jogo começava a decolar.

Algumas pegadas no chão.
Um fantasma. Uma tomada. O buraco
de um prego. A penumbra.
O quadrado que deixa na parede
a ausência de um quadro. Um fio.
Uma carta no chão.
A marca de uma palma na parede.
Um raio de sol que entra pela janela.
Uma teia de aranha. Uma pedaço
de papel. Uma unha. Uma formiga perdida.
A música que vem da rua
(há música sem alguém que a ouça?).
Uma mancha de fuligem ou umidade.
Garatujas ou pássaros ou nomes
ou um desenho de Laura na parede.

Tua ias dizendo sim ou não.
Tu sabias. Eras o inventor do jogo.
Tu sabias, Carlos, o que há
na sala vazia onde acabas de entrar.

Era um de teus jogos favoritos.
– O que há em uma sala vazia?
– Um fantasma.
– Já disseram isso.
– Sim, mas aquele a que me refiro é outro.

Trad.: Nelson Santander

 

La habitación vacía

a Carlos Edmundo de Ory

Era uno de tus juegos preferidos.
¿Qué hay en una habitación vacía?,
preguntabas. Guardábamos silencio.

¿Qué hay en una habitación vacía?

Los que no conocían el juego
tal vez decían: Nada, y tú decías: No.
Nada es nada, he dicho qué.

Hasta que alguien decía, por ejemplo: Silencio.
Y tú decías: .
Y otro decía: Polvo.
Y el juego comenzaba a tomar vuelo.

Unas huellas de pasos en el suelo.
Un fantasma. Un enchufe. El agujero
de un clavo. La penumbra.
El cuadrado que deja en la pared
la ausencia de un cuadro. Un hilo.
Una carta en el suelo.
La huella de una mano en la pared.
Un rayito de sol que entra por la ventana.
Una telaraña. Un trozo
de papel. Una uña. Una hormiga extraviada.
La música que llega de la calle
(¿hay música sin alguien que la escuche?).
Una mancha de humo o de humedad.
Garabatos o pájaros o nombres
o un dibujo de Laura en la pared.

Tú ibas diciendo sí o no.
Tú lo sabías. Eras el inventor del juego.
Tú ya sabías, Carlos, lo que hay
en la habitación vacía donde acabas de entrar.

Era uno de tus juegos preferidos.
– ¿Qué hay en una habitación vacía?
– Un fantasma.
– Ya lo han dicho.
– Sí, pero el que yo digo es otro.

Chico Buarque e Cristovão Bastos – Todo sentimento

Preciso não dormir
Até se consumar
O tempo
Da gente
Preciso conduzir
Um tempo de te amar
Te amando devagar
E urgentemente
Pretendo descobrir
No último momento
Um tempo que refaz o que desfez
Que recolhe todo o sentimento
E bota no corpo uma outra vez

Prometo te querer
Até o amor cair
Doente
Doente
Prefiro então partir
A tempo de poder
A gente se desvencilhar da gente
Depois de te perder
Te encontro, com certeza,
Talvez num tempo da delicadeza
Onde não diremos nada
Nada aconteceu
Apenas seguirei, como encantado,
Ao lado teu

Raquel Lanseros – Invocação

Que não cresça jamais em minhas entranhas
essa calma aparente chamada ceticismo

Fuja eu do ressentimento,
do cinismo,
da imparcialidade dos ombros encolhidos.

Creia eu sempre na vida
Creia eu sempre
nas minhas infinitas possibilidades.

Enganem-me os cantos das sereias,
que minha alma tenha sempre uma pitada de ingenuidade.

Que nunca se pareça minha epiderme
com a pele de um imóvel e congelado
paquiderme.

Que eu chore, todavia,
por sonhos impossíveis
por amores proibidos
por fantasias femininas feitas em pedaços.

Fuja eu do realismo espartilhado.

Conservem-se em meus lábios as canções,
muitas e muito altas e com muitos acordes.

Para o caso de chegarem tempos de silêncio.

Trad.: Nelson Santander

Invocación

Que no crezca jamás en mis entrañas
esa calma aparente llamada escepticismo.

Huya yo del resabio,
del cinismo,
de la imparcialidad de hombros encogidos.

Crea yo siempre en la vida
crea yo siempre
en las mil infinitas posibilidades.

Engáñenme los cantos de sirenas,
tenga mi alma siempre un pellizco de ingenua.

Que nunca se parezca mi epidermis
a la piel de un paquidermo inconmovible,
helado.

Llore yo todavía
por sueños imposibles
por amores prohibidos
por fantasías de niña hechas añicos.

Huya yo del realismo encorsetado.

Consérvense en mis labios las canciones,
muchas y muy ruidosas y con muchos acordes.

Por si vinieran tiempos de silencio.

Camille T. Dungy – Para entrar em nossa própria casa vazia

Ela estava com sete anos quando paramos
de usar chaves. Menos uma coisa para se perder.
Agora nós usamos uma senha —
simples, mas espero que não tão simples que
um estranho possa adivinhar. É aqui que
eu deveria parar. Eles se veriam obrigados
a ficar irritados — meus amados.
Estou revelando todos os nossos segredos
novamente. Esta vulnerabilidade
é a raiz de muita fúria…
Eu era pequena. Uma pedra em nosso quintal
escondia uma caixa de metal com uma tampa
que deslizava como uma caixa de fósforos
para revelar nossa chave. Ao erguer aquela
grande pedra marrom, eu pensava seriamente
em esmagar a cabeça de alguém. O mal
vinha sempre vestido com o corpo
de um estranho. Às vezes, eu luto
com a minha filha — faço seu minúsculo
corpo trabalhar para sair de baixo
do peso que faço com o meu.
Desta forma, tento ensinar a ela
como é a sensação de se libertar.

Trad.: Nelson Santander

To enter our own empty house

She was seven when we stopped
using keys. One less thing to lose.
Now we punch a combination—
easy, but hopefully not so easy
a stranger could guess. This is where
I should stop. They are bound
to be angry—my beloveds.
I am giving away all our secrets
again. Such vulnerability
is the root of much fury….
I was small. One stone in our yard
hid a metal case with a lid
that slid like a matchbox top
to reveal our key. Lifting that
big brown rock, I’d think hard
of bashing someone’s head. Harm
always came dressed in the body
of a stranger. Sometimes, I wrestle
with my daughter—make her tiny
body work its way out from under
the weight I make of my own.
In this way I try to teach her
how it feels to break free.

Juan Vicente Piqueras – Em um instante

(Para os amigos que ainda estão vivos,
          mas desapareceram, onde quer que estejam,
          com um abraço póstumo)

As pessoas tendem a desaparecer.

Um dia te fazem rir e no seguinte já não estão.

Um dia te ligavam todos os dias
para saber como estavas,
e agora já nem te lembras de suas vozes.

Um dia disseram sempre
e sempre acabou sendo nunca mais.

As pessoas se parecem com fantasmas.
Aparecem, seduzem, crês nelas,
são assustadoras, brilham e desaparecem.

Partem e, de repente, já não existem,
como se nunca tivessem existido.
Chegas a convencer-te de que as sonhou.

Eu sou uma delas.

Morrer, no nosso caso,
É uma redundância.

Trad.: Nelson Santander

Visto y no visto

(A los amigos que siguen vivos
          pero han desaparecido, allá donde estén,
          con un abrazo póstumo.)

La gente tiende a desaparecer.

Un día te hacen reír y al siguiente no están.

Un día te llamaban cada día
para saber cómo estabas,
y ahora ya no puedes ni recordar sus voces.

Un día dijeron siempre
y siempre acabó siendo nunca más.

La gente se parece a los fantasmas.
Aparecen, seducen, crees en ellos,
dan miedo, brillan y desaparecen.

Se van y, de repente, ya no existen,
como si nunca hubieran existido.
Llegas a convencerte de que los has soñado.

Yo soy uno de ellos.

Morir, en nuestro caso,
es una redundancia.

Fernando Assis Pacheco – Tentas, de longe

Tentas, de longe, dizer que estás aqui.
Com peso triste caminha na rua o Outono.
O meu coração debruça-se à janela
a ver pessoas e carros, e as folhas caindo.

Mastigo esta solidão
como quando era pequeno e jantava
diante dos pais zangados:
devagar, ausente.